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Casos Clínicos Discutidos

Síndrome do bloqueio capsular tardio após oito anos de facoemulsificação

Late capsular block syndrome 8 years after phacoemulsification

Gustavo Carvalho Pavão; Elvio Ferreira Junior

DOI: 10.17545/eOftalmo/2024.0018

RESUMO

Relato de caso de uma paciente de 74 anos, moradora de Guarulhos-SP, que procurou atendimento oftalmológico. Ela relatou uma baixa acuidade visual progressiva no olho direito há cerca de seis meses. A paciente havia se submetido a cirurgia de facoemulsificação com implante de lente intraocular no olho direito há aproximadamente 8 anos. O exame físico revelou uma acuidade visual com correção de 20/50 no olho direito e 20/10 no olho esquerdo. A biomicroscopia do olho direito revelou um líquido turvo entre a lente intraocular e a cápsula posterior do cristalino. O diagnóstico de síndrome do bloqueio capsular tardio foi estabelecido. O tratamento consistiu em capsulotomia com laser Nd-YAG. Em seu retorno após o tratamento, a paciente relatou melhora significativa da acuidade visual do olho direito, que passou para 20/13 com correção. A biomicroscopia revelou a ausência do líquido turvo.

Palavras-chave: Cápsula do cristalino; Facoemulsificação; Período pós-operatório; Nd-YAG Laser; Acuidade visual.

ABSTRACT

This study reports on a 74-year-old woman from Guarulhos, São Paulo, who sought ophthalmic care. She reported gradual loss of visual acuity in her right eye over the past 6 months. She had undergone phacoemulsification surgery with intraocular lens implantation in her right eye approximately 8 years ago. Physical examination revealed a corrected visual acuity of 20/50 and 20/10 in the right and left eye, respectively. Furthermore, biomicroscopy of the right eye revealed a cloudy fluid between the intraocular lens and posterior capsule of the lens. Thus, a diagnosis of late capsular block syndrome was established. Consequently, she was treated through Nd-YAG laser capsulotomy. The patient reported a significant improvement in the visual acuity of her right eye after the treatment, which had increased to 20/13 with correction, and no cloudy fluid was observed on biomicroscopy.

Keywords: Lens capsule; Nd-YAG Laser; Phacoemulsification; Postoperative period; Visual acuity.

INTRODUÇÃO

A síndrome do bloqueio capsular tardio consistente em uma complicação rara da cirurgia de catarata com colocação de lente intraocular (LIO) no saco capsular, onde um líquido turvo se acumula entre a LIO e a cápsula posterior. A ocorrência dessa síndrome no pós-operatório tardio é estimada em 0,18% das cirurgias1-3.

Os pacientes sintomáticos apresentam diminuição da acuidade visual, comumente uma miopização devido a anteriorização da LIO, e podem apresentar pressão intraocular (PIO) elevada. O diagnóstico pode ser feito na maioria dos casos na lâmpada de fenda em que se observa um líquido turvo entre a LIO e a cápsula posterior. Na maioria dos casos também há uma capsulorrexis pequena, de 5mm ou menos. Comparar com o olho contralateral também pode ajudar no diagnóstico. Caso haja dúvida pode ser realizado uma tomografia de coerência óptica de segmento anterior, uma biomicroscopia ultrassônica ou um registro com uma câmera de Scheimpflug4,5.

Deve-se considerar também os possíveis diagnósticos diferenciais: opacificação da cápsula posterior, endoftalmite crônica e glaucoma por bloqueio pupilar. O tratamento consiste na maioria dos casos de capsulotomia posterior com laser neodymium-doped yttrium aluminium garnet (Nd-YAG) que permite a liberação do fluido aprisionado. No entanto, em alguns casos, quando a cápsula posterior estiver limpa pode-se optar por uma abertura na cápsula anterior fazendo o líquido fluir para a câmara anterior. Em casos assintomáticos pode-se apenas observar. O prognóstico após capsulotomia é bom, podendo ser necessário mais aplicações para resolução do fluido turvo. Após a capsulotomia também deve-se ter em mente a possibilidade de reação inflamatória e aumento transitório da PIO2,6,7.

O objetivo desse trabalho é relatar um caso de síndrome do bloqueio capsular tardio, para divulgar e demonstrar a condução do caso desde a entrada da paciente no serviço até a resolução do quadro

O caso foi analisando com base nas informações coletadas em prontuário e em registro fotográfico da participante.

 

RELATO DE CASO

Paciente de 74 anos, do sexo feminino, moradora de Guarulhos-SP, compareceu a consulta ambulatorial no setor de oftalmologia, com queixa de baixa acuidade visual no olho direito, progressiva, há cerca de seis meses, negava outros sintomas associados e negava histórico de trauma. Apresentava de comorbidades diabetes mellitus tipo 2 e dislipidemia, de antecedentes oftalmológicos realizou blefaroplastia em ambos os olhos há cerca de 10 anos, facoemulsificação com implante de LIO no olho direito há cerca de oito anos, ambos em serviço externo e há oito meses realizou uma facoemulsificação com implante de LIO no olho esquerdo neste complexo hospitalar, sem intercorrências.

Ao exame físico a paciente apresentava uma acuidade visual sem correção de 20/70 no olho direito e de 20/30 no olho esquerdo.

Na refração o olho direito com +0,75 DE -0,50 DC 170° apresentava acuidade visual de 20/50, enquanto no olho esquerdo com +0,25 DE -1,50 DC 135° apresentava acuidade visual de 20/10. A PIO era de 12mmHg em ambos os olhos.

Na biomicroscopia do olho direito (Figura 1) observava-se a presença de um líquido turvo entre a LIO e a cápsula posterior do cristalino, também se observava-se uma pequena opacidade temporal inferior. No olho esquerdo não havia nada digno de nota. A fundoscopia ambos os olhos se apresentavam com meios claros, nervo óptico bem delimitado, escavação vertical de 0,3, vasos em relação 2:3, mácula com brilho habitual e a retina estava aplicada em todos os quadrantes.

 

 

Considerando o histórico de facoemulsificação do olho direito há oito anos e a observação na lâmpada de fenda de um líquido turvo entre a LIO e a cápsula posterior o diagnóstico de síndrome do bloqueio capsular tardio foi estabelecido.

O tratamento foi realizado com capsulotomia com laser Nd-YAG, logo após dois disparos observou-se a saída do líquido turvo (Figura 2). A paciente recebeu prescrição de colírio de dexametasona 0,1% de 6/6h por 5 dias e tartarato de brimonidina 0,2% de 12/12h por 5 dias, sendo solicitado retorno em uma semana.

 

 

No retorno a paciente relatou melhora importante da visão. A acuidade visual do olho direito sem correção foi para 20/30, enquanto anteriormente era 20/70. A refração do olho direito se apresentou de +1,25 -0,50 180º com acuidade de 20/13, enquanto anteriormente era 20/50. A PIO se manteve em 12mmHg em ambos os olhos.

Na biomicroscopia do olho direito já não se observava mais a presença do líquido turvo. Também eram visíveis os dois locais onde o laser foi disparado. Ainda se se observava a presença de uma opacidade temporal inferior, porém sem a afetar acuidade visual.

 

DISCUSSÃO

O presente relato de caso destaca a síndrome do bloqueio capsular tardio como uma complicação incomum, mas clinicamente relevante, após cirurgia de catarata com a colocação de lente intraocular no saco capsular. Embora a introdução tenha fornecido informações essenciais sobre essa síndrome, a discussão aqui se concentrará na classificação e fisiopatologia.

Em 1998 Miyake et al. propôs a seguinte classificação do bloqueio capsular: intraoperatório que ocorre com maior frequência em catarata polar e madura e em olhos com comprimento axial maior, pós-operatório precoce, que costuma já estar presente no primeiro dia de pós-operatório, mas sendo considerada até 2 semanas após a cirurgia e pós-operatório tardio, que tende a ser um fenômeno crônico que se manifesta em média após 3,8 anos da cirurgia8.

No caso do intraoperatório ele está mais associado a hidrodissecções com irrigações com altas pressões e uma capsulorrexis pequena, aumentando o risco de ruptura de cápsula posterior2.

No pós-operatório precoce está associado a remoção incompleta de viscoelástico posterior a LIO, enquanto no pós operatório tardio, há fatores de risco menos conhecidos, segundo Miyaki et al. ocorre uma fibrose ao logo de toda circunferência da abertura capsular criada pela capsulorexe circular contínua e a LIO, resultando em uma câmara onde se acumula uma substância branco-leitosa8. Além disso em um estudo de Kim foi encontrado uma associação com lentes intraoculares de 4 hápticos, mais especificamente a Akreos Adapt, Bausch & Lomb, em comparação com as lentes com alça em C modificado, outro fator de risco associado foi o comprimido axial maior ou igual a 25mm3.

Uma questão pertinente é como o líquido consegue entrar nessa cavidade, o mecanismo ainda é incerto, mas há 2 hipóteses. Uma proposta por Zacharias diz que o movimento rápido dos olhos pode produzir um fluxo unidirecional para o saco capsular semelhante a uma válvula e a outra é que exista um gradiente de pressão osmótica produzida pelo material fibrinoso inflamatório ou cortical remanescente que force o fluído entrar3,9.

Em resumo, este relato de caso realça a importância do diagnóstico e tratamento eficazes da síndrome do bloqueio capsular tardio após cirurgia de catarata com implante de lente intraocular. O caso de uma paciente de 74 anos com baixa acuidade visual progressiva no olho direito foi tratado com sucesso através da capsulotomia com laser Nd-YAG, resultando em uma melhora significativa na acuidade visual. Esse relato enfatiza a necessidade de considerar essa síndrome como uma possível causa de deterioração visual em pacientes pós-cirurgia de catarata de longa data, destacando a importância do diagnóstico e tratamento adequado para melhorar a qualidade de vida do paciente.

 

REFERÊNCIAS

1. Cautela KA, Passos AF, Mendes AG. Síndrome do bloqueio capsular tardio - relato de dois casos. Rev Bras Oftalmol. 2014; 73(1):50-54.

2. Patel AS, Masters JS, Tripathy K, DelMonte DW, Mammo DA, Anderson D. Capsular Bag Distension Syndrome. 2023. EyeWiki, American Academy of Opthalmology

3. Kim HK, Shin JP. Capsular block syndrome after cataract surgery: clinical analysis and classification. J Cataract Refract Surg. 2008;34(3):357-63.

4. Yang HY, Kao SC, Tsai CC, Yu WK. Late capsular blockage syndrome: Clinical and anterior segment optical coherence tomography characteristics. J Chin Med Assoc. 2022;85(7):799-803.

5. Gupta K, Bhattacharjee H, Deshmukh S. Scheimpflug imaging in the late postoperative capsular bag distension syndrome. TNOA J Ophthalmic Sci Res 2019;57(4):332-3.

6. Wendrix G, Zeyen T. Late-onset capsular bag distension syndrome after cataract surgery: 2 case- reports. Bull Soc Belge Ophtalmol. 2006;(301):67-9.

7. Eifrig DE. Capsulorhexis-related lacteocrumenasia. J Cataract Refract Surg 1997;23(3):450-4

8. Miyake K, Ota I, Ichihashi S, Miyake S, Tanaka Y, Terasaki H. New classification of capsular block syndrome. J Cataract Refract Surg. 1998;24(9):1230-1234.

9. Zacharias J. Early postoperative capsular block syndrome related to saccadic-eye-movement-induced fluid flow into the capsular bag. J Cataract Refract Surg. 2000;26(3):415-9.

 

INFORMAÇÃO DOS AUTORES

» Gustavo Carvalho Pavão
https://orcid.org/0000-0002-7360-1902
https://lattes.cnpq.br/2844123930995427
» Elvio Ferreira Junior
https://orcid.org/0000-0002-1438-9761
https://lattes.cnpq.br/7081972557503867

 

Funding: No specific financial support was available for this study.

Número do projeto e instituição responsável pelo parecer do Comitê de Ética em Pesquisa: CAAE: 73807723.3.0000.5388 pelo Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos (CHPBG).

Conflict of interest: None of the authors have any potential conflict of interest to disclose.

Recebido em: 10 de Novembro de 2023.
Aceito em: 30 de Julho de 2024.


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