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Casos Clínicos Discutidos

Relato de caso: diagnóstico de meningioma occipital direito em paciente com glaucoma

Case report: diagnosis of right-side occipital meningioma in a patient with glaucoma

Paula Paiva Pegoraro, Graziela Boschetti, Letícia Sato Fernandes Alli Ahmad, Dinorah Piacentini Engel Castro

DOI: 10.17545/eOftalmo/2020.0008

RESUMO

A diferenciação entre neuropatia óptica glaucomatosa de não glaucomatosa pode ser complexa para o médico oftalmologista, uma vez que ambas podem cursar com quadro clínico semelhante. Dessa forma, as lesões neurológicas se tornam essenciais como diagnósticos diferenciais de glaucoma. Não só o diagnóstico, mas também o seguimento e tratamento de pacientes com lesões neurológicas associadas ao glaucoma são considerados desafios. Portanto, é necessária uma investigação abrangente e detalhada a respeito das alterações sugestivas de cada etiologia, além de exames complementares para melhor elucidação do caso. O presente relato tem por objetivo alertar a importância de tais diagnósticos diferenciais.

Palavras-chave: Oftalmologia; Glaucoma; Neuoroftalmologia; Meningioma

ABSTRACT

Differentiating glaucomatous from nonglaucomatous optic neuropathy may be complex for the ophthalmologist, since both can have a similar clinical picture. Thus, neurological lesions become essential as differential diagnoses for glaucoma. Not only the diagnosis but also the follow-up and treatment of patients with neurological lesions associated with glaucoma are considered challenges. Therefore, a comprehensive and detailed investigation of the changes suggestive of each etiology, as well as complementary examinations to better elucidate the case are necessary. This report aims to highlight the importance of these differential diagnoses.

Keywords: Ophthalmology; Glaucoma; Neuro-ophthalmology; Meningioma.

INTRODUÇÃO

Meningioma é uma neoplasia primária do sistema nervoso central, correspondendo a uma frequência de 14 a 20% dos tumores intracranianos e de 25 a 32% dos tumores espinais, constituindo o segundo tipo de tumor primário cerebral mais comum; a sua incidência é de seis casos por 100000 habitantes por ano1 e a prevalência é de 97,5 casos por 100000 habitantes2. Ele tem sua origem nas meninges e é classificado de acordo com a Organização Mundial da Saúde em quatro grupos: clássico, atípico, papilar e anaplásico ou maligno3. A maioria dos tumores tem apresentação benigna4 e sua localização pode ser váriável, predominando no cérebro e aderido a dura máter. Seu local e extensão determinam a clínica a ser apresentada5 e, portanto, a tomografia computadorizada axial (possibilita o diagnóstico em 63% dos casos sem o uso de contraste e em 90% se ele for utilizado)5,6, associada a ressonância nuclear magnética (na qual os meningiomas se apresentam isointensos em relação ao cérebro em T1 e T2)5,7 são essenciais para o diagnóstico. Alterações visuais são comuns quando o tumor envolve vias ópticas, como: defeitos no campo visual, atrofia óptica, perda visual, papiledema, entre outros, tornando a doença um importante diagnóstico diferencial para o glaucoma8. O meningioma é predominante no sexo feminino, prevalente entre 50 a 70 anos, e, devido a sua benignidade, costuma ser de crescimento lento, permitindo que atinja grandes proporções antes de manifestar algum sinal ou sintoma9,10.

O glaucoma é uma neuropatia óptica lentamente progressiva com alterações características no campo visual, cujo principal fator de risco é aumento da pressão intraocular (PIO) e cujo desfecho principal é cegueira (principal causa de cegueira irreversível no mundo). Os fatores de risco conhecidos para o desenvolvimento, além do aumento da PIO, são: idade aumentada, história familiar, etnia, espessura corneana fina, pressão de perfusão ocular diminuída, diabetes mellitus tipo 2, ametropias, fatores genéticos e outros fatores especificados11.

O objetivo desse relato é alertar para diagnósticos diferenciais de glaucoma, uma vez que a escavação patológica do disco óptico e alterações campimétricas, apesar de sugestivas de glaucoma, podem apresentar outras etiologias. Assim, apresenta-se um caso que inicialmente foi diagnosticado como glaucoma e que, posteriormente, pelas alterações campimétricas, encontrou-se um meningioma.

 

RELATO DO CASO

Paciente E.D.V.C., sexo feminino, 72 anos, em consulta de rotina, relatou baixa acuidade visual para longe há um ano. Sem comorbidades sistêmicas, antecedentes oftalmológicos ou história familiar de glaucoma.

Acuidade visual com correção de 1,0 em ambos os olhos (AO), tonometria de aplanação de Goldmann de 16mmHg e 20mmHg em olho direito (OD) e esquerdo (OE), respectivamente. Biomicroscopia sem alterações relevantes em AO. À fundoscopia (Figura 1) apresentava: afinamento da rima neural com remanescente nasal, afinamento da camada de fibras nervosas peripapilar com Hoyt nasal inferior e hemorragia de disco superior em OD; em OE a escavação era total, pálida e com defeito da camada de fibras nervosas difuso. Na gonioscopia foi observado trabeculado posterior em quadrantes superior e inferior e trabeculado anterior em quadrantes nasal e temporal em OD; em OE foi observado trabeculado posterior em quadrante nasal e trabeculado anterior nos demais quadrantes. A paquimetria foi de 495μm em OD e 531μm em OE.

 


Figura 1. Retinografia.

 

A hipótese diagnóstica foi glaucoma com ângulo oclusível em AO e iridotomia foi relizada; após o procedimento, a nova gonioscopia mostrou abertura do ângulo e visualização de trabeculado posterior nos quatro quadrantes de AO.

A campimetria computadorizada (CV) 24x2 (Figura 2, 3) mostrou um defeito nasal inferior em OD e depressão generalizada em OE. O CV 10x2 de OD (Figura 4, 5) sugeria quadrantopsia nasal inferior.

 


Figura 2. Campimetria computadorizada 24x2 - olho direito.

 

 


Figura 3. Campimetria computadorizada 24x2 - olho esquerdo.

 

 


Figura 4. Campimetria computadorizada 10x2 - olho direito.

 

 


Figura 5. Campimetria computadorizada 10x2 - olho esquerdo.

 

Tomografia de coerência óptica (OCT) (Figura 6, 7) da camada de fibras nervosas peripapilar apresentou um afinamento temporal superior em OD e um afinamento difuso, com exceção da região temporal, em OE. O relatório de camada de células ganglionares maculares (Figura 8) evidenciou um afinado perifoveal em AO.

 


Figura 6. Tomografia de coerência óptica - camada de fibras nervosas peripapilares - olho direito.

 

 


Figura 7. Tomografia de coerência óptica - camada de fibras nervosas peripapilares - olho esquerdo.

 

 


Figura 8. Tomografia de coerência óptica - camada de células ganglionares maculares - ambos os olhos.

 

A hipótese de glaucoma com ângulo oclusível em AO foi mantida, porém, com o diagnóstico diferencial de uma possível condição neurológica. Foi solicitada, portanto, uma ressonância nuclear magnética de crânio (Figura 9) que evidenciou um meningioma occipital direito.

 


Figura 9. Ressonância nuclear magnética de crânio.

 

DISCUSSÃO

A diferenciação das neuropatias ópticas glaucomatosas e não glaucomatosas baseada na avaliação isolada do disco óptico pode ser desafiador, como no caso relatado. Portanto, uma anamnese detalhada e um exame clínico completo são essenciais para um diagnóstico preciso8.

O glaucoma é a causa mais frequente de aumento de escavação adquirida, mas não é a única12-14. Outras etiologias como isquemia, toxicidade, lesões compressivas, como o meningioma, e desordens genéticas podem provocar alterações similares8.

Alguns achados podem auxiliar o médico no diagnóstico diferencial. A perda da AV e visão de cores pode ocorrer em glaucoma avançado, porém costuma ocorrer mais cedo nas neuropatias ópticas não glaucomatosas8,12. No caso relatado a paciente apresentava boa acuidade visual e não havia alterações da visão de cores, o que falava a favor do diagnóstico de glaucoma, uma vez que os achados clínicos não sugeriam uma doença avançada. Além disso algumas neuropatias ópticas tendem a ser mais simétricas e não apresentam defeito pupilar aferente, como glaucoma, papiledema, déficit nutricional, toxicidade e desordem de origem genética8, sendo mais um achado ausente no caso relatado que sugeria glaucoma.

Relação escavação-disco (E/D) mais verticalizada, hemorragias, mudança atípica dos vasos do disco e coloração habitual da rima papilar são alterações clínicas que sugerem neuropatia glaucomatosa12-14. No caso em questão a paciente apresentava hemorragia de disco e alterações sugestivas de neuropatia óptica glaucomatosa.

Alguns sinais são comuns tanto à neuropatia óptica glaucomatosa, quanto não glaucomatosa, como: PIO elevada, exposição da lâmina crivosa e afinamento parcial de rima neurorretiniana8,12-14. Apesar de no caso apresentado a PIO não ser muito elevada, a espessura corneana fina poderia estar hipoestimando o valor encontrado, além de ser um fator de risco para glaucoma.

A redução da AV (<20/40), palidez de rima, idade inferior a 50 anos, CV respeitando linha média vertical, defeitos de CV não condizentes com relação E/D, alterações vasculares na retina são achados sugestivos de neuropatia óptica não glaucomatosa8.

Alterações campimétricas, quando ocasionados por glaucoma, costumam seguir 4 padrões principais: escotoma isolado, arqueado, degrau nasal e depressão generalizada. Já os achados campimétricos de neuropatia óptica não glaucomatosa, frequentemente, são mais centrais, sendo comum respeitarem o meridiano vertical8,12-14. As alterações campimetricas do caso relatado foram essenciais para a suspeita diagnóstica de alterações centrais, possibilitando o diagnóstico de meningioma.

Na avaliação de um paciente com escavação suspeita de disco óptico, a patologia neuro-oftalmológica deve ser considerada, principalmente na presença dos seguintes achados: perda de visão de cores desproporcional à redução da AV, defeitos no CV que não se correlacionam com as alterações do disco óptico, defeito no CV em alinhamento vertical, defeito pupilar aferente relativo e rima residual pálida do disco óptico8.

No presente relato, a paciente apresentava alteração de escavação no disco óptico bilateral, com alterações campimétricas que levantaram a hipótese de neuropatia óptica não glaucomatosa. O exame de imagem elucidou o diagnóstico.

A campimetria é importante não só para o acompanhamento de glaucoma, mas também no diagnóstico de lesões neurológicas. O seguimento e tratamento de pacientes com lesões neurológicas associadas ao glaucoma são considerados desafios, uma vez que danos no disco óptico podem ter etiologias associadas.

 

REFERÊNCIAS

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2. Claus EB, Bondy ML, Schildkraut JM, Wiemels JL, Wrensch M, Black PM. Epidemiology of intracranial meningiomas. Neurosurgery. 2005;57:1088-9.

3. Louis DN, Ohgaki H, Wiestler OD, et al. A Classificação da OMS de 2007 de Tumores do Sistema Nervoso Central. Acta Neuropathol 114, 97-109 (2007) doi: 10.1007 / s00401-007-0243-4

4. Jaaskelainen J, Haltia M, Servo A. Atypical and anaplastic meningiomas: radiology, surgery, radiotherapy and outcome. Surg Neurol. 1986;25:233-242.

5. Torres, LFB et al. Meningiomas: estudo epidemiologic e anátomopatológico de 304 casos. Arquivos de Neuro-Psiquiatria. 54(4), 549-556.

6. Dietemann, J.L., Heldt, N., Burguet, J.L. et al. CT findings in malignant meningiomas. Neuroradiology. 23, 207-209 (1982) doi:10.1007/BF00342542

7. Zee CS, Chen T, Hinton DR, Tan M, Segall HD, Apuzzo MLJ. Magnetic resonance imaging of cystic meningiomas and its surgical implications. Neurosurgery. 1995;36:482-488.

8. Fraser CL, White AJ, Plant GT, Martin KR. Optic Nerve Cupping and the Neuro-Ophthalmologist. Journal of Neuro-Ophthalmology. Dez 2013, Vol 33.

9. Hanft S, Canoll P, Bruce JN. A review of malignant meningiomas: diagnosis, characteristics, andtreatment. J Neurooncol. 2010; 99:433.

10. Olivero WC, Lister R, Elwood PW. The natural history and growth rate of asymptomatic meningiomas: a review of 60 patients. J Neurosurg. 1995;83:222-224.

11. Lauretti CR, Lauretti FA. The glaucomas. Medicina, Ribeirão Preto, 30: 56-65, jan./marco 1997.

12. Allingham RR. Shields Tratado de Glaucoma- 6ª edição, Lippincott Williams & WilkinUSA, 2005, Ed.Cultura Médica, Rio de Janeiro, 2014.

13. Coleção CBO: Série Oftalmológica Brasileira. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara koogan 2013.

14. Kanski JJ, Bowling B. Oftalmologia clínica: uma abordagem sistemática. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.

 

 

INFORMAÇÃO DOS AUTORES

Financiamento: Declaram não haver.

Conflitos de Interesse: Declaram não haver.

Recebido em: 10 de Dezembro de 2019.
Aceito em: 17 de Junho de 2020.


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