Cristina Helena Toledo de Paula
DOI: 10.17545/eoftalmo/2019.0002
RESUMO
Tem sido observado um aumento da prevalência da hipoplasia do nervo óptico (HNO) e a sua importância como causa de deficiência visual na infância. HNO, como diagnóstico, tem sido mal entendida por causa da sua associação com Displasia septo óptica (DSO). É uma doença congênita complexa de causa desconhecida, de prognóstico visual reservado e estreita associação com alterações hormonais no eixo hipotálamo-hipofisário e alterações cerebrais anatômicas e funcionais, com consequente aumento da morbimortalidade. O oftalmologista encontra-se na posição privilegiada de, assim que reconhecer a HNO, iniciar a investigação clínica, o encaminhamento para exames e para outras especialidades médicas, a fim de que as intervenções que se fizerem necessárias não sejam retardadas. A abordagem da HNO é multidisciplinar, assim como são as intervenções clínicas. No caso da oftalmologia, prescrição de correção óptica, oclusão, estimulação visual precoce e prescrição de auxílios na idade adequada são importantíssimos para habilitação/reabilitação das crianças.
Palavras-chave: Displasia Septo-Óptica; Síndrome de Morsier; Hipopituitarismo; Nervo Óptico; Corpo Caloso.
ABSTRACT
The prevalence of optic nerve hypoplasia (ONH) has increased, and it is an important cause of visual impairment in childhood. As a diagnosis, ONH has been misunderstood because of its association with septo-optic dysplasia (SOD). ONH is a complex congenital disease of unknown etiology with a pessimistic visual prognosis. It is closely associated with hormonal changes in the hypothalamic–pituitary axis as well as with anatomic and functional changes in the brain, which lead to increased morbidity and mortality. Ophthalmologists are at a unique position to start the clinical investigation as soon as ONH is recognized and to refer the patient for complementary examinations and other medical specialties such that potentially necessary interventions are not delayed. The approach to ONH is multidisciplinary, and so are clinical interventions. The role of ophthalmologists includes the prescription of optical correction and aids, occlusion, and early visual stimulation at an appropriate age, which are all extremely important for the development and rehabilitation of affected children.
Keywords: Septo-Optic Dysplasia; de Morsier Syndrome; Hypopituitarism; Optic Nerve; Corpus Callosum.
RESUMEN
Se ha observado un aumento del predominio de la hipoplasia del nervio óptico (HNO) y su importancia como causa de deficiencia visual en la infancia. La HNO, como diagnóstico, ha sido mal entendida a causa de su asociación con la Displasia septo óptica (DSO). Es una enfermedad congénita compleja de causa desconocida, de pronóstico visual reservado y estrecha asociación con alteraciones hormonales en el eje hipotálamo-hipofisario y alteraciones cerebrales anatómicas y funcionales, con consecuente aumento de la morbimortalidad. El oftalmólogo se encuentra en la posición privilegiada de, al reconocer la HNO, iniciar la averiguación clínica, el direccionamiento a los análisis respectivos y otras especialidades médicas, con la finalidad de que las intervenciones que se hagan necesarias no se retarden. El abordaje de la HNO es multidisciplinar, así como son las intervenciones clínicas. En el caso de la oftalmología, prescripción de corrección óptica, oclusión, estimulación visual precoz y prescripción de auxilios en la edad adecuada, son importantes para habilitación / rehabilitación de los niños.
Palabras-clave: Displasia Septo-Óptica; Síndrome de Morsier; Hipopituitarismo; Nervio Óptico; Cuerpo Calloso.
INTRODUÇÃO
Hipoplasia do nervo óptico (HNO) tem tido a sua prevalência aumentada nos últimos anos, sendo uma causa importante de deficiência visual na infância1. HNO como diagnóstico tem sido mal entendida por causa da sua associação com DSO. Os vários estudos e acúmulo de conhecimento nas últimas décadas deixaram claro que HNO é uma doença do neurodesenvolvimento da criança, associada a alterações anatômicas cerebrais e do seu funcionamento e que leva à deficiência visual, morbidade sistêmica e funcional1. É uma doença congênita complexa de causa desconhecida, tendo um prognóstico visual pior se comparada à deficiência visual cerebral, ROP e albinismo2. A HNO é o fator de risco independente para a disfunção hipotálamo-hipofisária e não apenas uma das partes da Displasia Septo-Óptica(DSO). Pela sua importância, e porque a ausência do septo pelúcido é apenas um achado casual, alguns autores colocam a HNO como a estrela principal desta síndrome e propõem a alteração do nome para Síndrome ou Espectro da Hipoplasia do Nervo Óptico2. É reconhecida como espectro de doença do sistema nervoso central (SNC) que manifesta com más formações cerebrais, déficits neurológicos e endocrinopatia3.
DEFINIÇÃO
A HNO é uma anormalidade congênita, não progressiva, caracterizada por papilas ópticas(discos ópticos) pequenas afetando um ou ambos os olhos4,5. Histologicamente apresenta um número menor de axônios no nervo óptico (NO), sendo uma manifestação inespecífica de dano nas vias ópticas, ocorrida antes do seu completo desenvolvimento5,6,7.
É importante salientar que a morfologia no NO varia consideravelmente na hipoplasia6. O oftalmologista está na posição de iniciar a investigação e encaminhar para o diagnóstico das outra alterações associadas5,8.
O termo Displasia Septo-Óptica(DSO), nomenclatura mais frequente, tem sido historicamente definido por alterações da linha média cerebral, como a hipoplasia do corpo caloso ou da hipófise verificadas na Ressonância Nuclear Magnética(RNM), HNO e/ou alterações endocrinológicas do eixo hipotálamo-hipofisário9. A presença de duas manifestações dessa tríade sela o diagnóstico. Supõe-se que a alteração do desenvolvimento da linha média cerebral-prosencéfalo deva ocorrer entre o segundo e o terceiro mês de gestação10. DSO é uma doença clínica e radiologicamente heterogênica, sendo as anormalidades corticais comuns, o déficit neurodesenvolvimental muito prevalente e as apresentações clinicas variáveis11.
HISTÓRIA
O conhecimento de doenças e patologias na medicina se faz acumulando evidências que, inicialmente, são publicadas em forma de relatos de casos e, posteriormente, como série de casos e estudos retrospectivos e prospectivos. Esse acúmulo de conhecimento pode fazer com que definições e, até mesmo nomenclaturas, sejam alteradas.
A Síndrome de Morsier foi assim designada por Hoyt et al em artigo de 1970, no qual relataram uma série de 9 casos de associação de hipoplasia do nervo óptico(HNO) e deficiência do hormônio do crescimento (GH) sendo que em 4 casos havia ausência do septo pelúcido. Eles atribuíram a Georges de Morsier a associação da hipoplasia do nervo óptico(HNO) com a agenesia do septo pelúcido1,4,9. Entretanto, Morsier (1956) havia associado a ausência do septo pelúcido a várias outras alterações oculares, sendo estas nomeadas por ele de displasias ópticas, originando o termo “Displasia Septo-Óptica” (DSO). Também em 1970, Ellenberger and Runyan descreveram um caso de HNO unilateral, ausência de septo pelúcido e nanismo1,4,9.
Em relação à HNO, a primeira descrição foi de Briere em 1877 enquanto a primeira documentação com desenho artístico foi de Schwarz em 19151,4,9. O primeiro reconhecimento da associação da HNO com agenesia do septo pelúcido foi por Dr. David Reeves em 19411,4,9. Em 1959, 465 autópsias de Gross and Hoff em cérebros de pacientes com graves problemas neurológicos ou más formações sistêmicas evidenciaram um caso de ausência de septo pelúcido e HNO bilateral. Descreveram, também, um caso de agenesia de corpo caloso e HNO unilateral. Desta forma, antes de 1970 somente dois casos de ausência de septo pelúcido e HNO foram reconhecidos: David Reeves em 1941 e Gross and Hoff em 19591,4,9.
Desde então vários estudos têm sido conduzidos para melhor compreensão das causas e demais características desta complexa doença.
Em 1986, Morishima e Aranoff citam “casos atípicos de DSO”: ausência de lesão ocular com alterações das estruturas cerebrais da linha média e hipopituitarismo; pacientes com outras alterações cerebrais que não da linha média; pacientes com DSO e outras anormalidades clínicas12.
Miler et al. descreveram DSO-plus em 2000, que é a DSO associada à presença de má formação cortical, em especial a esquizencefalia, com significante atraso do desenvolvimento e déficit motor10. Outras publicações confirmaram tal achado13.
Borchert e Garcia, em 2008, sugeriram o nome de “Síndrome da Hipoplasia do Nervo Óptico”, baseados na importância e no fator preditivo de gravidade do caso em presença dessa alteração oftalmológica4. Em 2012, em novo artigo de revisão, Borchert sugere o abandono dos termos Síndrome de Morsier e/ou Displasia Septo-Óptica1.
PREVALÊNCIA
HNO tem sido reconhecida como uma causa frequente de cegueira congênita, afetando um ou os dois olhos, sendo que a sua prevalência tem aumentado com o tempo9. Afeta igualmente o sexo feminino e masculino, apesar de algumas publicações relatarem maior frequência no sexo masculino6,7. De qualquer forma, não há estudos relatando preponderância do sexo feminino na HNO6.
Estima-se que a HNO tenha ultrapassado a prevalência de ROP como causa de cegueira infantil na Suécia em 1997, sendo somente superada pela deficiência visual cortical4. A prevalência de DSO nesta época era de 7.2 por 100.000 na Suécia e de 10,9 por 100.000 no Reino Unido em 20064. Um estudo de prevalência da DSO na Europa evidenciou ser ela mais frequente no Reino Unido que no continente14. Nos EUA, em 2007, a HNO foi a terceira causa mais frequente de deficiência visual em crianças com menos de 3 anos de idade, estando atrás de deficiência visual cortical e ROP9.
Em 2014 na Nova Zelândia, a HNO foi encontrada em 6,3% dos casos de crianças com deficiência visual grave com idade inferior a 16 anos2.
Um estudo canadense, utilizando revisão dos prontuários entre 1986 e 2015, evidenciou um aumento anual dramático da incidência de HNO/DSO fortemente associado à pobreza e às comunidades do norte, levando à hipótese de etiologia ambiental e nutricional15.
Nos últimos 40 anos, a prevalência na população aumentou nove vezes, afetando 17,3 por 100.000 crianças abaixo de 18 anos3.
A HNO parece ser agora mais comum e melhor reconhecida que há poucas décadas atrás7.
ETIOLOGIA
A etiologia da HNO apresenta um envolvimento multifatorial com a interação gene-ambiental, na qual variações genéticas modificam a suscetibilidade à toxicidade ou a outros produtos que influenciam na resposta biológica1. Dessa forma, a patogênese da HNO reflete uma combinação de fatores que levam a uma ruptura temporal e espacial na cascata genética responsável pelo desenvolvimento neuronal precoce durante o período de vulnerabilidade da janela gestacional1.
GENÉTICA
Investigação dos mecanismos genéticos da divisão do prosencéfalo em hemisférios cerebrais e formação da hipófise têm sido foco de estudos para explicar as falhas de desenvolvimento que ocorrem na HNO, defeitos da linha média cerebral e endocrinopatia1,16.
Mutação gênica afetando os fatores de crescimento e transcrição no GEN HESX1 é relatada, levando à alteração do desenvolvimento do NO e da formação da glândula pituitária anterior; entretanto, essa mutação é encontrada em menos de 1% dos casos de HNO4,16. Também não há relatos de gêmeos idênticos afetados9. Outro dado interessante é a pequeníssima quantidade de famílias com mais de um membro afetado e a ausência de relatos de transmissão transgeracional1.
Não há diferença quanto ao sexo e existem poucos relatos de casos em países asiáticos4. É incerto se isso representa uma relativa proteção genética, diferenças de ambiente e/ou de cultura dietética.
A hipótese de uma alteração vascular no inicio da gestação pode explicar as alterações anatômicas da linha média e do nervo óptico1,2,16.
HISTÓRIA GESTACIONAL E EXPOSIÇÃO PRÉ-NATAL
Vários fatores de risco foram sugeridos, mas parece que características como ser primípara e idade materna jovem são os mais significantes1,2,4,9,14.
Dois trabalhos sugerem que sangramento no primeiro trimestre da gestação possa ser um fator de risco, pois isto é mais frequente na HNO que na população em geral2.
O tabagismo nos primeiros meses de gestação também parece aumentar o risco de HNO, o que não ocorre com drogas e com o álcool1,9.
O papel do estilo de vida e da nutrição não estão bem estabelecidos4. Alguns estudos sugerem que perda de peso materno ou o baixo ganho de peso no período pré-natal e trabalho de parto prematuro(sem nascimento prematuro) sejam fatores de risco adicionais1,9.
DIAGNÓSTICO DE HNO
O diagnóstico é clínico e feito por oftalmoscopia, sendo a direta considerada como padrão ouro1,4,9. O diagnóstico de HNO pela oftalmoscopia indireta é difícil em função da pequena magnificação1,9. Técnicas morfométricas (geralmente pouco práticas) baseadas em fotografias são descritas medindo-se a área ou diâmetro do disco. Em criança normal a razão diâmetro do disco (DD)/ distância entre a borda temporal do disco e mácula (DM) deve ser maior que 0,35. Menor que esse valor, considera-se HNO. Nos casos limítrofes, deve-se considerar normal o disco que tenha largura de no mínimo de 2 a 3 vezes a largura dos vasos centrais da retina4.
No prematuro, a razão DD/DM de 0,26 é considerada normal4.
Parece haver um espectro entre o disco óptico normal, atrófico e hipoplásico que depende do quão grave foi o efeito causativo e em qual tempo este ocorreu7.
O sinal do duplo anel, hipopigmentado ou hiperpigmentado, é frequente4,9. Esse sinal é presumidamente a visualização do canal escleral recoberto pela migração da retina sensorial e/ou epitélio pigmentar da margem do canal óptico para a borda do disco hipoplásico, e pode aparecer em outras patologias oculares como, por exemplo, a miopia9.
Os vasos podem ser tortuosos ou retificados e sem ramificações. Esse último padrão foi reconhecido nas crianças com deficiência primária de GH9.
Sempre que há HNO, coexiste algum grau de hipoplasia do quiasma7.
Anastasia et al., 2015, demonstraram o significante potencial de diagnóstico da HNO utilizando a tomografia de coerência óptica espectral (SD OCT). Foram detectadas alterações no diâmetro do disco, profundidade da escavação assim como espessura das camadas da retina (afinamento da camada de fibras nervosas e camada de células ganglionares) e hipoplasia foveal. OCT mostrou alta sensibilidade e especificidade na detecção de HNO17.
ASSOCIAÇÕES CLÍNICAS NA HNO
Como as manifestações clínicas podem variar consideravelmente de discretas a completas, a incidência de comprometimento ocular, cerebral, hormonal e outros pode apresentar um viés nas publicações, dependo se o foco é a oftalmologia, neurologia, radiologia, endocrinologia, psiquiatria ou pediatria12.
DEFICIÊNCIA VISUAL
O nistagmo geralmente aparece entre 1 e 3 meses de idade enquanto estrabismo, geralmente esotropia, aparece no primeiro ano. A HNO unilateral ou assimétrica pode apresentar o estrabismo anterior ao nistagmo1,4,9.
A HNO é bilateral em 80% dos casos, sendo assimétrica em dois terços1,4,9.
O risco de disfunção hipofisária de 81% e de atraso no desenvolvimento de 78% é encontrado na HNO bilateral, sendo o risco menor na unilateral.
A acuidade visual (AV) é muito variável, entretanto, 80% dos casos de HNO bilateral está na faixa de cegueira legal, podendo existir a ambliopia estrabísmica e anisometrópica associada. É importante ressaltar que a primeira manifestação clínica da HNO é o pobre comportamento visual da criança1.
A oclusão na HNO unilateral ou na bilateral muito assimétrica deve ser evitada1,2,4.
Algumas crianças apresentam melhora da acuidade visual nos primeiros anos de vida. Acredita-se que isso seja influenciado pela mielinização das fibras do nervo óptico (NO). Nos casos associados ao hipotireoidismo, essa melhora é infrequente1.
As alterações do campo visual são variadas, tendo sido descritos: escotoma cecocentral, defeito altitudinal inferior, defeito contíguo à mancha cega, hemianopsia bitemporal e hemianopsia homônima5.
Nos casos unilaterais ou com assimetria significativa, pode-se encontrar pupila de Maarcus-Gunn8.
DISFUNÇÃO HIPOTÁLAMO-HIPOFISÁRIA
A endocrinopatia afeta a maioria das crianças com HNO, independentemente da lateralidade e das alterações da neuroimagem do septo pelúcido e/ou corpo caloso1,3. O hipopituitarismo ocorre em aproximadamente 75% das crianças com HNO, necessitando de diagnóstico precoce e manejo adequado nos pacientes pediátricos1,18.
HIPOPITUITARISMO
Todos os hormônios podem estar afetados por alterações no hipotálamo, infundíbulo e na hipófise4. O hipopituitarismo é principalmente pela disfunção hipotalâmica do que a disgenesia da hipófise1,9.
A deficiência do hormônio do crescimento (GH) é a mais frequente (70%), seguida por hipotireoidismo (43%), insuficiência adrenal (27%) e diabetes insipidus (5%)1,4,9.
Sinais de ausência de GH incluem hipoglicemia, icterícia prolongada com ou sem hepatite de células gigantes. A deficiência de GH leva ao atraso na dentição, micropenis, atraso na puberdade, além da baixa estatura. Entretanto, são documentados casos com velocidade de crescimento normal na presença de deficiência de GH em paciente com HNO4.
O hipotireoidismo central foi correlacionado à deficiência visual aos 5 anos de idade.1 Hipotireoidismo central é definido como uma ruptura do eixo hipotálamo-hipofisário que leva a uma estimulação tireoideana insuficiente19.
Deficiência de ACTH pode levar ao colapso cardiovascular em situação de estresse e é a causa de morte súbita em 2% das crianças com HNO4.
Icterícia pode estar presente na deficiência de ACTH e hipotireoidismo enquanto o atraso da puberdade e do crescimento também existe neste último4.
O ACTH e hormônio tireoideano são necessários para excreção da água e a deficiência de um ou de ambos pode levar à hiponatremia1,4.
Hipopituitarismo em criança com HNO geralmente se acompanha de hiperprolactinemia1. Uma hiperpolactimenia discreta está presente em 50% dos casos, sendo considerado um marcador adjacente de disfunção hipotalâmica.
É importantíssimo ressaltar que a ausência de deficiência hormonal num determinado momento não implica na ausência de futuras endocrinopatias4.
SEDE/FOME
Pode existir hiperfagia, regulada pelo núcleo hipotalâmico lateral, com obesidade ou hipofagia, regulada pelo núcleo hipotalâmico ventromedial, com ou sem caquexia1,4.
A grande ingestão de água, com consequente poliúria, é comum e pode ser confundido com diabetes insipidus1,4.
SONO
Distúrbio no sistema circadiano acomete várias crianças com HNO, provavelmente por um input retinohipotalâmico inadequado. A irregularidade do sono/vigília geralmente resulta em alterações comportamentais e, frequentemente, acarreta estresse familiar1,4.
REGULAÇÃO DA TEMPERATURA
A temperatura corporal é regulada pela região preóptica medial do hipotálamo, sendo comumente afetada na criança com HNO. Os problemas para regulação da temperatura nessas crianças podem levar a internações para avaliar a possibilidade de sepses1,4.
DISTÚRBIO DO METABOLISMO DA GLICOSE
A hipoglicemia neonatal pode ocorre em alguns casos, e hipoglicemia recorrente pode levar a dano neurológico irreversível20. As publicações chamam atenção para a hipoglicemia neonatal como um importante sinal de alerta para suspeitar de disfunção hipofisária. Registram, também, um atraso de 2 a 6 anos no diagnóstico de SOD em paciente com déficit visual e de crescimento, mesmo naqueles com história de hipoglicemia neonatal e diagnostico de anormalidade visual no primeiro ano de vida21.
DISTÚRBIOS NEUROPSICOLÓGICOS
ALTERAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO
Atraso no desenvolvimento é comum tanto na HNO bilateral como unilateral, sendo estimado entre 71% a 75%. Esse atraso varia de um defeito focal isolado a um atraso global1. A parte motora é afetada em 75% e a comunicação em 44% dos casos. São considerados fatores de risco: hipoplasia do corpo caloso, hipotireoidismo e HNO bilateral4,9.
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
Transtorno do Espectro Autista (TEA) ocorre em aproximadamente 25% das crianças com deficiência visual9. A prevalência de TEA parece ser maior nas crianças com HNO, mas são necessárias modificações nos testes de diagnóstico de autismo em deficientes visuais para se conhecer a sua real prevalência9. Jutley-Nielson et al. recomendam a avaliação para TEA em toda criança com HNO e DSO e, para que esta seja efetiva, é necessária a criação de testes específicos para criança com deficiência visual e intelectual22.
Williams et al. utilizaram dois testes para autismo sistematicamente modificado para criança com acuidade visual pior ou igual a 20/800 e verificaram que os resultados eram animadores23.
OUTRAS ANORMALIDADES SISTÊMICAS NÃO ENDOCRINOLÓGICAS
Garcia et al relataram, em 2006 em um estudo retrospectivo, que anormalidades sistêmicas não endocrinológicas ocorrem em 47% dos casos de crianças com HNO. São elas: dimorfismo facial, refluxo gastroesofagiano, má formação cardíaca e/ou dos grandes vasos, hérnia inguinal e deficiência auditiva. Existem, também, relatos de gastrosquise, onfalocele, fenda palatina, lábio leporino e outras síndromes como síndrome de Williams e síndrome de Donnai_Barrow2.
É importante estar alerta, pois a HNO pode ser encontrada em paciente com outras anormalidades sistêmicas e síndromes e o seu diagnóstico evita atraso na avaliação e tratamento2.
NEUROIMAGEM
CORPO CALOSO
A presença de hipoplasia do corpo caloso, agenesia do septo pelúcido ou más formações hipofisárias são altamente suspeitas, principalmente se associados à imagem do NO afinado.
Estudos retrospectivos e prospectivos evidenciaram que, em vários casos, a agenesia do septo pelúcido é acidental e não associada a alterações do NO ou endocrinológicas9. Tampouco se associa à lateralidade da HNO, deficiência da visão, alteração hipofisária ou do desenvolvimento9.
Outras alterações da RNM aparecem em menos de 15% dos casos de HNO: esquizencefalia, heterotopia cortical, hipoplasia da matéria branca, paquigiria, holoprosencefalia e cisto aracnóideo4.
A hipoplasia do corpo caloso é a anormalidade da neuroimagem mais prevalente em associação à HNO, sendo que a ocorrência dessas duas alterações é relatada em menos de 10% dos casos1,9. Essa alteração do corpo caloso tem sido associada ao atraso de desenvolvimento mas não ao hipopituitarismo em criança com HNO1,9. 49% dos pacientes com hipoplasia do corpo caloso têm outras anormalidades do sistema nervoso central(SNC), incluindo aqueles defeitos que não são da linha média e que estão tipicamente associados a HNO (hidrocefalia, heterotopia cortical, paquigiria, esquizencefalia, hipoplasia da matéria branca, polimicrogiria e cisto aracnoide)1,9. Pode ocorrer, também, a agenesia parcial /completa do corpo caloso. Cardiopatia é mais encontrada na agenesia completa do corpo caloso (25%)24.
Achados anormais na RNM não são preditivos para endocrinopatia, assim como neuroimagem normal não afasta a possibilidade de anormalidades endócrinas3,25. Entretanto, esses achados anormais são fatores de risco para convulsões e atraso do desenvolvimento3.
GLÂNDULA HIPÓFISE
As anormalidades na neuroimagem da hipófise são: sela vazia, ectopia posterior, infundíbulo não identificado, hipófise posterior; e ocorrem entre 13% e 34% das crianças com HNO1,9. Já o hipopituitarismo ocorre em 75% das pacientes com HNO, o que leva a inferir que a ausência de neuroimagem patológica na região da hipófise não descarta o mal funcionamento desta9.
NERVO ÓPTICO
O RNM de alta resolução pode ser usado para distinguir HNO da atrofia óptica, principalmente por acessar a porção intracraniana deste1,9.
Maresky et al. estabeleceram uma escala de referência utilizando RNM para as medidas do NO (orbital e prequiasmático), trato óptico e quiasma, relacionando-os a cinco faixa etárias de 0 a 18 anos de idade26. Identificaram que o diâmetro das vias ópticas aumentava com a idade em uma correlação positiva entre nervo e trato em todas as idades26.
OUTROS
Hipoplasia da ponte, medula oblonga e vermis é significante, encontrados em torno de 50% dos casos de DSO27. Os bulbos olfatórios podem ser ausentes ou hipoplásicos27.
CONDUTA CLÍNICA
Deve-se estar atento aos sinais de disfunção hipofisária e aos problemas visuais em crianças com HNO pois essa alteração do NO raramente ocorre isoladamente1,4,9. A avaliação completa de todo paciente com HNO deve ser feita, independente do tamanho do NO, acuidade visual ou lateralidade28.
Toda criança com icterícia prolongada, hipoglicemia recorrente e/ou instabilidade na temperatura deve ser submetida à avaliação fundoscópica1,2,16.
O mesmo é indicado para criança com nistagmo, estrabismo e comportamento visual pobres percebidos antes dos 3 meses de idade para descartar HNO.
Se HNO for confirmada, a criança deve ser encaminhada para RNM cerebral e para estudo endocrinológico4,9. Isso é importante para detectar condições tratáveis como: hidrocefalia, prevenção de convulsões e deficits focais em esquizencefalia ou polimicrogiria, tratamento da disfunção hipofisária e não somente para identificar a ausência do septo pelúcido9. A hipoplasia do corpo caloso e outras más formações maiores pode antecipar o atraso do desenvolvimento, com um planejamento de intervenção mais precoce1.
Os hormônios a serem pesquisados são: cortisol matinal, hormônio tireoestimulante (TSH), T4 livre, hormônio do crescimento (GH) e seus substitutos (insulin-like growth factor 1 (IGF-1) and insulin-like growth factor binding protein 3 (IGFBP-3))1,9.
O hormônio luteinizante(LH), hormônio folículo estimulante (FSH), estradiol e testosterona devem ser testados antes de 6 meses de idade e na puberdade, e o micropenis (sinal de atraso da puberdade) pode ser tratado com testosterona na infância1,2,9. Salienta-se que os distúrbios na puberdade são as endocrinopatias menos estudadas na HNO29.
A prolactina deve ser avaliada após o sexto mês de idade2.
É importante ressaltar que função hipofisária normal na avaliação inicial não exclui endocrinopatia futura1,4. Entretanto não há consenso por quanto tempo a criança deve ser monitorada se ela apresentar função hipotálamo-hipofisária normal2. É recomendado o follow-up prolongado em razão de relatos de hipotireoidismo central, deficiência de GH subclínica e associação de hipotireoidismo não tratado com o atraso do desenvolvimento e, até mesmo, com a morte29.
O crescimento e peso devem se monitorados semestralmente; e avaliação tireoideana semestral deve ser mantida nos 3-4 primeiros anos de vida1,4,9. Se o crescimento desacelerar deve-se fazer GH e o seu teste provocativo, avaliação tireoideana e avaliação do IGF-1 e IGFBP-3.
Se houver deficiência do cortisol pelo teste provocativo, deve ser administrado glicocorticoide durante doenças e/ou estresse físico.
Fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional são necessárias para melhora da linguagem e da alimentação, assim como a estimulação visual precoce em criança com HNO1,4,9.
A melatonina pode ser utilizada nos distúrbios do sono.
A avaliação oftalmológica deve ser anual com prescrição, quando necessários, de óculos e oclusão4. Alerta-se que a oclusão na HNO unilateral ou na bilateral muito assimétrica deve ser evitada1,2,4.
O manuseio do TEA deve ser avaliado por especialista, de preferência especialista experiente em criança deficiente visual1,4,9.
CONCLUSÃO
Manejo da HNO requer uma abordagem multidisciplinar4. É uma alteração provavelmente não hereditária que vem aumentando a sua prevalência e que leva à deficiência visual. A HNO pode ser considerada uma síndrome que inclui anormalidades hipotalâmicas, neuroanatômicas e de desenvolvimento. A ausência do septo pelúcido é pouco importante tanto para o diagnóstico quanto para o prognóstico9. É a presença de HNO que indica a necessidade de cuidados como o monitoramento para antecipar as anormalidades endocrinológicas, sistêmicas e neurológicas que fazem parte desta patologia1.
O oftalmologista encontra-se na posição privilegiada de, assim que reconhecer a HNO, iniciar a investigação clínica, o encaminhamento para exames e para outras especialidades médicas, a fim de que as intervenções que se fizerem necessárias não sejam retardadas.
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Financiamento: Declaram não haver
Conflitos de interesse: Declaram não haver
Recebido em:
31 de Janeiro de 2019.
Aceito em:
7 de Março de 2019.