Alisson Lima Andrade; Luiz Vieira Sá II
DOI: 10.17545/eOftalmo/2024.0017
RESUMO
O lenticone posterior é uma anomalia ocular rara que afeta o desenvolvimento do cristalino, podendo levar à ambliopia e estrabismo em crianças. Sua causa permanece desconhecida, entretanto diversas hipóteses têm sido estudadas. Reportamos um relato de caso de uma menina de 3 anos de idade sem achados sindrômicos, histórico ocular ou familiar. Ela desenvolveu reflexo opaco no olho esquerdo e o exame oftalmológico subsequente não evidenciou qualquer outra malformação. Foi submetida à lensectomia e implante de lente intraocular como prevenção contra ambliopia, sendo alcançado resultado pós-operatório satisfatório.
Palavras-chave: Cápsula posterior do cristalino; Catarata; Extração de catarata; Opacidade do cristalino.
ABSTRACT
Posterior lenticonus is a rare eye anomaly in children that affects the lens growth and may lead to amblyopia and strabismus. Although its cause remains unknown, numerous hypotheses have been proposed. Herein, we have reported the case of a 3-year-old female without syndromic findings or a family and ophthalmological history. A white reflex was observed in her left eye. Other ophthalmologic examinations did not reveal any other malformations or diseases. Lensectomy and intraocular lens placement was performed to prevent the development of amblyopia. A satisfactory postoperative outcome was achieved in the child.
Keywords: Posterior lenticonus; Cataract; Cataract extractions; Lens opacity.
INTRODUÇÃO
O lenticone posterior é uma rara anomalia cristaliniana de causa desconhecida, afetando entre 1 a 4 a cada 100 mil crianças, sendo descrita pela primeira vez por Fritz Meyer em 18881. O exame oftalmológico evidencia o formato cônico na região posterior em contato com a cápsula que se projeta para o vítreo anterior, assumindo o formato característico de "gota de óleo", por vezes associada à catarata.
Diversas teorias têm sido descritas para explicar a origem do lenticone posterior, incluindo-se a tração das artérias hialoideas na cápsula posterior do cristalino; o crescimento de células epiteliais na cápsula posterior; e fraqueza hereditária na cápsula posterior3. Makley Jr realizou uma investigação histológica em olhos com lenticone posterior e observou uma monocamada de células epiteliais abaixo da cápsula na área correspondente ao lenticone. Entretanto, um outro grupo de células sobre o ápice estava organizada como múltiplas camadas, sendo sua estrutura similar a das fibras cristalinianas4.
Como a progressão do lenticone posterior pode levar a alterações refracionais reduzindo a acuidade visual e causando ambliopia em crianças, seu tratamento geralmente envolve cirurgia para evitar a perda visual permanente.
RELATO DO CASO
Paciente feminina de 3 anos de idade compareceu ao nosso serviço hospitalar universitário acompanhada pela genitora, negavam diagnósticos sistêmicos e oftalmológicos conhecidos e referiam opacidade ocular à esquerda observada há 2 meses.
Ao exame oftalmológico realizado sob anestesia geral, revelou-se diâmetro corneano de 12,5 mm em ambos os olhos, espessura do cristalino de 3,75 mm no olho direito (OD) e 4,04 mm no olho esquerdo (OS). O comprimento axial era 21,11 mm em OD e 21,16 mm em OS, além disso as medidas ceratométricas foram 44,00 a 178° x 45,37 a 88°em OD e 43.37 a 170° x 45.50 a 80° em OS. Na biomicroscopia anterior, observou-se cristalino normal em OD e lenticone posterior à esquerda associado à opacificação central do cristalino, sem qualquer alteração ao exame fundoscópico. O ultrassom ocular revelou uma protuberância na cápsula posterior do cristalino compatível com o lenticone posterior (Figura 1).
Dessa forma, a paciente foi submetida à vitrectomia anterior, lensectomia, capsulotomia posterior com vitreófago e implante de lente intraocular de + 21,5D em saco capsular objetivando refração final de +5,00D. Após a cirurgia, foram prescritos óculos bifocais e oclusão ocular à direita.
Após 3 anos de acompanhamento, a paciente e sua mãe referiam estar sem queixas e bem adaptadas aos óculos, alcançando a acuidade visual corrigida de 20/20 em OD e 20/30 em OS. O exame oftalmológico revelou que a lente intraocular estava bem-posicionada e sem anormalidades.
DISCUSSÃO
O lenticone posterior se apresenta esporadicamente na maioria dos casos e ocorre de forma geralmente unilateral, sendo mais frequente que o lenticone anterior e, por vezes, associado a catarata5. Entretanto, alguns estudos demonstraram herança genética ligada ao X em pacientes com forma unilateral e doença não sindrômica, além de uma possível transmissão autossômica dominante com expressão variável6.
Vivian et al. relatou que a apresentação bilateral do lenticone posterior teria maior associação com a hereditariedade que a forma unilateral7. Raramente está associada a outras malformações como microcórnea, microoftalmia, colobomas uveais e a persistência da vasculatura fetal. Além disso, por vezes, está associada a síndrome de Alport, uma desordem ligada ao X que se apresenta com nefrite progressiva, alterações auditivas neurossensoriais e alterações oftalmológicas. Halawani et al. relatou um caso clínico de um paciente diagnosticado com síndrome de Alport e lenticone anterior bilateral que desenvolveu lenticone posterior 8 anos após5,8.
Nosso paciente apresentou lenticone posterior unilateral sem qualquer história familiar de doença ocular, malformação ocular ou doença sistêmica, parecendo um caso esporádico não relacionado à herança ligada ao X ou autossômica dominante.
Escolhemos a realização da lensectomia e implante ocular por causa da alta probabilidade da progressão do lenticone posterior associado à catarata levando a um grande erro refrativo que reduziria significativamente a acuidade visual em uma criança de 3 anos. Esta abordagem permite evitar a ambliopia e o estrabismo, como relatado por Chen et al. a comparação entre crianças com catarata polar posterior (≤3 mm) e lenticone posterior que foram submetidas a lensectomia e tiveram acuidade visual final melhor que aquelas submetidas ao manejo conservador2,9.
REFERÊNCIAS
1. Reese WS. Posterior Lenticonus. Trans Am Ophthalmol Soc. 1928;26:339-45.
2. Cheng KP, Hiles DA, Biglan AW, Pettapiece MC. Management of posterior lenticonus. J Pediatr Ophthalmol Strabismus. 1991;28(3):143-9; discussion 150.
3. Khalil M, Saheb N. Posterior lenticonus. Ophthalmology. 1984;91(11):1429-30, 43A.
4. Makley Jr. TA. Posterior lenticonus; report of a case with histologic findings. Am J Ophthalmol. 1955;39(3):308-12.
5. Halawani LM, Abdulaal MF, Alotaibi HA, Alsaati AF, Dakhil TAB. Development of Posterior Lenticonus Following the Diagnosis of Isolated Anterior Lenticonus in Alport Syndrome. Cureus. 2021;13(1):e12970.
6. Russell-Eggitt IM. Non-syndromic posterior lenticonus a cause of childhood cataract: evidence for X-linked inheritance. Eye (Lond). 2000;14(Pt 6):861-3.
7. Vivian AJ, Lloyd C, Russell-Eggitt I, Taylor D. Familial posterior lenticonus. Eye (Lond). 1995;9(Pt 1):119-23.
8. Khokhar S, Dhull C, Mahalingam K, Agarwal P. Posterior lenticonus with persistent fetal vasculature. Indian J Ophthalmol. 2018;66(9):1335-1336.
9. Chen H, Chen W, Wu XH, Lin ZL, Chen JJ, Li XY, et al. Visual outcomes of surgical and conservative treatment in children with small posterior polar cataracts and posterior lenticonus. Int J Ophthalmol. 2021;14(1):64-71.
INFORMAÇÃO DOS AUTORES |
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» Alisson Lima Andrade https://orcid.org/0000-0001-6067-1656 https://lattes.cnpq.br/4884165924641981 |
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» Luiz Vieira Sá II https://orcid.org/0000-0002-4164-8714 https://lattes.cnpq.br/6324350500089081 |
Financiamento: Declaram não haver.
Conflitos de Interesse: Declaram não haver.
Recebido em:
27 de Março de 2023.
Aceito em:
14 de Junho de 2024.