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Anti-inflamatórios não hormonais e edema macular cistoide no pós-operatório de catarata

Cystoid macular edema and use of non-steroidal anti-inflammatory drugs after cataract surgery

Mário Carvalho1; Lelise Reis Borges2; Celso Boianovisky3; Jonathan Lake4

DOI: 10.17545/eOftalmo/2017.91

RESUMO

O edema macular cistoide pós-cirurgia de catarata (EMC) pode comprometer a recuperação visual piorando a qualidade de vida dos pacientes e, assim, frustrar a expectativa de melhora precoce da acuidade visual que a facoemulsificação proporciona. A utilização dos anti-inflamatórios não hormonais (AINH) para a prevenção e tratamento do EMC é um tema controverso. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa e Catarata (ABCCR/ BRASCS) com esta importante revisão sobre o tema oferece o que há de mais atual a respeito de AINH e EMC em pacientes submetidos à cirurgia de catarata.

Palavras-chave: Edema macular; Tomografia de coerência óptica; Anti-Inflamatórios; Acuidade visual.

ABSTRACT

Cystoid macular edema (CME) after cataract surgery may compromise visual recovery and worsen the quality of life, thereby preventing early improvement in visual acuity expected after phacoemulsification. The use of non-steroidal anti-inflammatory drugs (NSAIDs) for preventing and treating CME is a controversial topic. With an important review of this topic, the Brazilian Society for Cataract and Refractive Surgery offers the most recent information on the use of NSAIDs and cases of CME in patients who have undergone cataract surgery.

Keywords: Macular edema; Tomography, Optical coherence; Anti-Inflammatory agents; Visual acuity.

INTRODUÇÃO

Como todo evento cirúrgico, a facoemulsificação, por mais técnica e eficiente, desencadeia nos tecidos oculares a liberação de mediadores químicos do corpo ciliar e íris, em especial as prostaglandinas. A inflamação pós-operatória não controlada do seguimento anterior, é uma complicação comum e compromete o resultado da cirurgia da catarata1.

De maneira sucinta, o trauma cirúrgico libera fosfolípides de membranas celulares, e por intermédio das enzimas fosfolipases A2 e C, são desdobrados em ácido aracdônico. O ácido aracdônico é convertido em prostaglandinas e tromboxanos pela ação das enzimas cicloxigenases (CoX 1 e CoX 2) e em leucotrienos, pelas enzimas lipoxigenases. Assim, o trauma cirúrgico, induzido pela facoemulsificação, facilita a criação de um ambiente pró-inflamatório: as prostaglandinas promovem vasodilatação, estimulam a agregação plaquetária e aumento da sensibilidade dos nociceptores (dor) e, os leucotrienos, aumentam a permeabilidade vascular e quimiotaxia para leucócitos, ou seja, cria-se uma situação favorável à ruptura da barreira hemato-ocular1.

Uma das consequências da ruptura da barreira hemato-ocular, é o aumento da permeabilidade do epitélio pigmentado da retina facilitando o acúmulo de líquidos nos tecidos oculares, principalmente na região perifoveal e, eventualmente evoluir para a formação do edema macular cistoide (EMC), com prevalência entre 0,1% e 2,35% dos pacientes submetidos à facoemulsificação2.

O EMC tem uma fisiopatologia multifatorial, atribuída à inflamação pós-operatória por si só, como descrita anteriormente, amplificada pela manipulação cirúrgica excessiva como a perda vítrea, ou em portadores de uveíte, oclusões vasculares, membrana epirretiniana e diabetes. Um dos problemas relacionados ao EMC pós-operatório, é o comprometimento da recuperação visual e a piora da qualidade de vida dos pacientes operados, frustrando-se assim a expectativa de melhoria visual precoce que a facoemulsificação proporciona2.

Os anti-inflamatórios não hormonais (AINH) foram descritos em 1970 e, desde então há um consenso da importância desses na modulação dos eventos inflamatórios em nosso organismo, por inibirem diretamente a ação das enzimas CoX1 e CoX2, consequentemente a produção de prostaglandinas e tromboxanos no ambiente inflamatório e ou cirúrgico1,2,3.

Com base na fisiopatologia do processo inflamatório, postulou-se na prática oftalmológica a utilização de AINH no pré e pós-operatório da catarata com o propósito prevenir o aparecimento do EMC, além de facilitar a midríase pupilar e exercer analgesia2,3,4. Essa conduta tem sido adotada em média por 90% dos cirurgiões de catarata entrevistados na Academia Americana de Oftalmologia (ASCRS) 5. Se por um lado a utilização dos AINH parece prevenir a formação do EMC pós-cirúrgico, por outro, isso representa um custo adicional aos pacientes. O mercado global de AINH, considerando somente a Oftalmologia, movimenta cifras vultosas. Apesar da adesão da maioria dos oftalmologistas à utilização de AINH, a relação entre sua utilização e a prevenção do aparecimento de EMC ainda é um tema controverso. Os estudos de metanálise não evidenciam um consenso sobre esse problema. Isso porque, de maneira geral o EMC pós-cirúrgico imediato é autolimitado, de solução espontânea, e a maioria dos estudos sobre esse assunto concentra-se no período pós-operatório imediato, no qual geralmente o EMC teria uma evolução independente da utilização de AINH e desconsideram sua eficácia no pós-operatório tardio. Portanto, muitos estudos que avaliam esse processo tendem a maximizar o efeito benéfico do AINH no pós-operatório precoce, ou seja, cria-se um viés nos resultados publicados5,6,7.

Há evidências subjetivas de que os AINH são eficazes na melhoria do conforto e dor no pós-operatório da facoemulsificação. Estudos objetivos, como o realizado por Bucci & Waterbury em 2011, que mediram a concentração de prostaglandina (PGE2) na câmara anterior de pacientes que iriam ser submetidos à facoemulsificação e usaram três moléculas de AINH no pré-operatório (ketorolac de trometamina a 0,45%, bromfenac a 0,09% e nepafenac a 0,1%), concluíram que os AINH foram eficazes na redução de PGE2 na câmara anterior, com maior eficácia para o ketorolac3. Em estudo realizado por Sahu et al8, comparando o efeito dos mesmos anti-inflamatórios (ketorolac de trometamina a 0,4%, nepafenac a 0,1% e bromfenac a 0,09%,) no pós-operatório de facoemulsificação e avaliando a eficácia pelo flare na câmara anterior, quantificado pela fotometria a laser, observou-se que todos foram eficientes na diminuição da inflamação pós-operatória, mas obteve-se maior redução do flare na câmara anterior no pós-operatório de 4 semanas com a utilização do nepafenaco a 0,1%, porém não se relacionou a eficiência na diminuição do flare da câmara anterior à menor incidência de EMC no pós-operatório.

Por outro lado, a capacidade dos AINH em inibir a concentração de prostaglandinas no seguimento anterior poderá ser de grande importância na facoemulsificação associada ao laser de femtosegundo. Sabe-se que há uma maior liberação de prostaglandina na câmara anterior, talvez pela ação do laser sobre a cápsula anterior, o que explicaria a miose imediata à aplicação do laser de femtosegundo observada em pacientes submetidos a esse procedimento9. Portanto, a utilização pré-operatória dos AINH poderia prevenir essa complicação descrita nesse grupo de pacientes, no entanto essa evidência depende de estudos controlados para sua confirmação. Mas a grande questão é: a ação dos AINH no seguimento anterior, reduzindo a produção de prostaglandinas, será traduzida em benefício direto na incidência do EMC pós-cirúrgico?

Em 2013, Corrêa et al10 observaram que sempre há um aumento da espessura macular no pós-operatório da facoemulsificação, considerando exclusivamente as métricas obtidas pelo OCT, ou seja, edema, porém essa variação do volume macular não refletia na alteração da acuidade visual. Tzelikis et al11 em 2015, conduziram um estudo prospectivo controlado e randomizado, comparando placebo com ketorolac de trometamina a 0,4% e nepafenac a 0,1%, associado à prednisolona a 1,0% em sistema de regressão de dose por 4 semanas, para avaliar o efeito dos AINH na profilaxia do EMC no pós-operatório de facoemulsificação não complicado. A incidência de EMC foi medida pela variação da espessura macular e foveal, por meio da tomografia de coerência óptica nos períodos pós-operatórios de 1, 4 e 12 semanas. Os autores concluíram que os AINH não foram eficazes na prevenção do EMC no pós operatório da facoemulsificação, quando comparados ao grupo placebo. Em estudo publicado no Ophthalmology em dezembro de 2015, Shorstein et al 7 estimaram a taxa de EMC (acuidade visual < 20/40, e aumento da espessura macular medida pelo OCT), em 0,73%, principalmente em negros e em portadores de comorbidades predisponentes. Observaram também que a associação de AINH ao acetato de prednisolona reduziu o risco do EMC em 55%, nesse grupo específico.

Há evidências que os AINH são eficientes na prevenção do EMC clínico, porém em função do pequeno número das amostras estudadas, na dificuldade em se estabelecer os critérios padrão para o diagnóstico do EMC e, porque muitos estudos publicados estão ligados às indústrias farmacêuticas, a credibilidade dos resultados muitas vezes é inconsistente7,11. Os AINH desempenham papel importante no arsenal medicamentoso da Oftalmologia, considerando-se o impacto negativo que o EMC clínico provoca no pós- operatório de pacientes submetidos à facoemulsificação, devemos procurar alternativas para prevenir essa complicação2,3,4,5,6,7. A utilização dos AINH pode se justificar, porém como descrito anteriormente necessitamos de estudos críveis para dar segurança ao médico na prescrição ampla ou seletiva dos AINH, o que justificaria o custo adicional dos AINH no pós-operatório desses pacientes.

 

REFERÊNCIAS

1. Carrasquillo AM, Goldstein DA. Chapter 55: Postoperatve uveites. In: Tasman W, Jaeger EA, editors. Duane Clinical Ophthalmology. Volume 4. Philadelphia (PA): Lippincott-Raven; 2004.

2. Henderson BA, Kim JY, Ament CS, Ferrufino-Ponce ZK, Grabowska A, Cremers SL. Clinical pseudophakic cystoid macular edema. Risk factors for development and duration after treatment. J Cataract Refract Surg 2007;33(9):1550–8. https://doi.org/10.1016/j.jcrs.2007.05.013

3. Bucci FA Jr, Waterbury LD. Prostaglandin E2 inhibition of ketorolac 0.45%, bromfenac 0.09%, and nepafenac 0.1% in patients undergoing phacoemulsification. Adv Ther 2011;28(12):1089–95. https://doi.org/10.1007/s12325-011-0080-7

4. Yonekawa Y, Kim IK. Pseudophakic cystoid macular edema. Curr Opin Ophthalmol 2012;23(1):26–32. https://doi.org/10.1097/ICU.0b013e32834cd5f8

5. Kim SJ, Schoenberger SD, Thorne JE, Ehlers JP, Yeh S, Bakri SJ. Topical nosteroidal anti-inflamatory drugs and cataract surgery: A report by the American Academy of Ophthalmology. Ophthalmology 2015;122(11):2159–68. https://doi.org/10.1016/j.ophtha.2015.05.014

6. Duong HV, Westfield KC, Chalkley TH. Ketorolac tromethamine LS 0.4% versus nepafenac 0.1% in patients having cataract surgery. Prospective randomized double-masked clinical trial. J Cataract Refract Surg 2007;33(11):1925–9. https://doi.org/10.1016/j.jcrs.2007.07.017

7. Shorstein NH, Liu L, Waxman MD, Herrinton LJ. Comparative effectiveness of three prophylactic strategies to prevent clinical macular edema after phacoemulisfication surgery. Ophthalmology 2015;122(12):2450–6. https://doi.org/10.1016/j.ophtha.2015.08.024

8. Sahu S, Ram J, Bansal R, Pandav SS, Gupta A. Effect of topical ketorolac 0.4%, nepafenac 0.1%, and bromfenac 0.09% on postoperative inflammation using laser flare photometry in patients having phacoemulsification. J Cataract Refract Surg 2015;41(10):2043–8. https://doi.org/10.1016/j.jcrs.2015.10.061

9. Corrêa EP, Oliveira LF, Serracarbassa PD, Oshima A, Castro EF. Avaliação do edema macular após cirurgia não complicada de facoemulsificação com implante de lente intra-ocular por meio da tomografia de coerência óptica spectral domain. Arq Bras Oftalmol 2013;76(3):357–62. https://doi.org/10.1590/S0004-27492013000600008

10. Schultz T, Joachim SC, Szuler M, Stellbogen M, Dick HB. NSAID pretreatment inhibits prostaglandina release in femtosecond laser-assisted cataract sugery. J Refract Surg 2015;31(12):791–4. https://doi.org/10.3928/1081597X-20151111-01

11. Tzelikis PF, Vieira M, Hida WT, Motta AF, Nakano CT, Nakano EM, Alves MR. Comparison of ketorolac 0.4% and nepafenac 0.1% for the prevention of cystoid macular oedema after phacoemulsification: prospective placebo-controlled randomised study. Br J Ophthalmol 2015;99(5):654–8. https://doi.org/10.1136/bjophthalmol-2014-305803

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte de financiamento: declaram não haver.

Conflito de interesses: declaram não haver.

Recebido em: 20 de Fevereiro de 2017.
Aceito em: 25 de Fevereiro de 2017.


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