Artigo

Acesso aberto Revisado por pares

1320

Visualizações

 


Casos Clínicos Discutidos

Recidiva de necrose aguda de retina por citomegalovírus

Relapse of acute retinal necrosis by cytomegalovirus

Eliza Antonieta Rosana Negrão Grangeiro1; Simone Cristine Hermes Hoff2; Aline Cristina Fioravanti Lui3; Mário Henrique Camargos de Lima4

DOI: 10.17545/e-oftalmo.cbo/2016.70

RESUMO

A necrose aguda de retina (NAR) é uma rara uveíte causada por infecção viral que se apresenta como uma retinite necrotizante e pode resultar em grave perda visual se não for diagnosticada e tratada corretamente. É relatado aqui o caso de uma paciente com história de tratamento completo prévio, realizado há três meses, para necrose aguda de retina, que apresentou recidiva embora seja imunocompetente. A confirmação da recidiva foi documentada com dosagem de IgM no humor aquoso visto que a sorologia sanguínea apresentava-se apenas com IgG positiva. São descritos seus achados oftalmológicos, a evolução clínica, o tratamento (incluindo a profilaxia) e o seguimento.

Palavras-chave: Retinite; Citomegalovírus; Retina

ABSTRACT

Acute retinal necrosis (ARN) is a rare form of uveitis caused by a viral infection. It manifests as necrotizing retinitis and can result in serious vision loss if not correctly diagnosed and treated. This article reports the case of a patient with a history of previous treatment for ARN, which was completed 3 months ago, who had a relapse in spite of being immunocompetent. The relapse was confirmed and documented by measuring IgM levels in the aqueous humor as blood serology only showed positive IgG. The ophthalmic findings, clinical evolution, treatment (including prophylaxis), and follow-up are described.

Keywords: Retinitis; Cytomegalovirus; Retina

INTRODUÇÃO

A necrose aguda de retina (NAR) é uma uveíte causada por infecção viral que se manifesta como uma retinite necrotizante e pode resultar em perda visual devastadora se não for diagnosticada e tratada corretamente.1,2,3 Pode ser causada por múltiplos membros da família do herpes vírus, sendo mais frequente o Herpes simplex e Herpes zoster, e, menos frequentemente, pelo Citomegalovírus.2

É uma doença rara, que acomete tipicamente pacientes imunocompetentes,4,5,6 causando uma extensa retinite progressiva.7 Os critérios diagnósticos de NAR são uveíte posterior, necrose retiniana, vasculopatia oclusiva e progressão da retinite, se não tratada.3 Análise do PCR do humor aquoso pode ser utilizada para identificar a etiologia viral da NAR tendo sensibilidade e especificidade maior que 90% e pode ser utilizada para confirmação diagnóstica. O tratamento consiste no uso de anti-retroviral, conforme a etiologia.3,8

Detalhamento do Caso

Paciente do sexo feminino, 51 anos, deu entrada com queixa de baixa da acuidade visual do olho direito (OD) há 1 semana. Realizado tratamento há 3 meses para necrose aguda de retina (NAR) no OD por 15 dias (ganciclovir 700mg/dia), sem profilaxia após a alta.

Ao exame oftalmológico apresentava acuidade visual (AV) com correção OD de conta dedos a 1m e OE 20/20. Na biomicroscopia o OD apresentava córnea com precipitados ceráticos não granulomatosos no endotélio, presença de raras células na câmara anterior e midríase paralítica, biomicroscopia do OE sem alterações. A tonometria aferida foi 18/14mmHg (09:00). Na fundoscopia do OD apresentava nervo óptico pálido, presença de vasos fantasmas superiormente e inferiormente, além da retinite ativa temporal inferior com retinite cicatricial temporal superior e vitreíte 2+/4+ (figura 1) e OE normal (figura 2).

 


Figura 1: Retinografia OD com nervo óptico pálido, presença de vasos fantasmas superiormente e inferiormente, retinite ativa temporal inferior com retinite cicatricial temporal superior e vitreíte 2+/4+.

 

 


Figura 2: Retinografia OE com fundo de olho normal.

 

Para diagnóstico da uveíte posterior por doenças infecciosas, foram realizados os seguintes exames: hemograma, coagulograma, VDRL, FTAbs, PPD, Rx tórax, TC crânio, sorologia para hepatite B e todos sem alterações. A sorologia para toxoplasmose e citomegalovírus mostrou-se IgM negativa e IgG positivo não evidenciando atividade. Sendo assim, se fez necessário a análise do humor aquoso através da punção na câmera anterior para pesquisa de CMV com presença de IgM positivo (89,40).

A paciente foi tratada com ganciclovir 700mg/dia EV por 15 dias. Evoluiu com AV OD: 20/100, biomicroscopia com sinéquia posterior de 3 as 9h e na fundoscopia evidenciou-se nervo óptico pálido, presença de vasos fantasmas e área de atrofia cicatricial correspondente ao local da retinite temporal inferior (figura 3). Realizou-se profilaxia com o ganciclovir 700mg/dia 3 vezes por semana, por 10 semanas e no seguimento de um ano não ocorreram novas recidivas ou acometimento do olho contralateral.

 


Figura 3: Retinografia OD com nervo óptico pálido, presença de vasos fantasmas e área de atrofia cicatricial correspondente ao local da retinite temporal inferior e superior

 

DISCUSSÃO

A NAR por citomegalovírus é uma afecção rara, que evolui com extensa área de necrose retínica e grande perda visual caso não seja feito tratamento adequado. Embora o diagnóstico seja baseado nas alterações retínicas, também podem ser utilizadas sorologias e PCR do Humor Aquoso para auxílio na terapêutica específica.3

A paciente relatada apresentava história de NAR há 3 meses, com tratamento prévio com ganciclovir, sem profilaxia após a alta. Mesmo sem imunodeficiência, a paciente apresentou recidiva do quadro, sendo confirmada a etiologia com a dosagem de IgM no humor aquoso positivo para CMV. Assim, instituiu-se novamente a terapia com ganciclovir 700mg/dia por 15 dias, com completa cicatrização da área de retinite e consequente melhora da AV. Optou-se por manter a paciente com dose profilática de ganciclovir 700mg/dia 3 vezes por semana, por 10 semanas e, desde então, a mesma seguiu por um ano sem outro episódio de recidiva ou acometimento contralateral.

 

REFERÊNCIAS

1. Rayess N, Rahimy E, Dunn JP. Bilateral neuroretinitis and retinal hemorrhages in an immunocompetent patiente. JAMA Ophthalmol. 2014; 132(10): 1243-44. http://dx.doi.orn/10.1001/iamaophthalmol.P014.3341

2. chaal S, Kagan A, Wang Y, Chan C-C, Kaplan HJ. Acute retinal necrosis associated with epstein-barr virus. JAMA Ophthalmol. 2014; 132(7):881-2. httD://dx.doi.orn/10.1001/iamaoDhthalmol.2014.266

3. Shantha JG, Weissman HM, Debiec MR, Albini TA, Yeh S. Advances in the management of acute retinal necrosis. Int Ophthalmol Clin. 2015;55(3):1-13. Disponível em: httDs://www.ncbi.nlm.nih.nov/Dmc/articles/PMC4567584/-http://dx.doi.org/10.1097/IIO.0000000000000077

4. Asano Y, Kagawa H, Kamo Y, Shiohara T. Cytomegalovirus disease during severe drug eruptions: report of 2 cases and retrospective study of 18 patients with drug-induced hypersensitivity syndrome. Arch Dermatol. 2009;145(9):1030-6. http://dx.doi.org/10.1001/archdermatol.2009.195

5. Stewart MW, Bolling JP, Mendez JC. Cytomegalovirus retinitis in an immunocompetent patient. Arch Ophthalmol. 2005;123(4):572-4. http://dx.doi.org/10.1001/archopht.123.4.572

6. Pathanapitoon K, Tesavibul N, Choopong P, Boonsopon S, Kongyai N, Ausayakhun S, et al. Cytomegalovirus-associated posterior uveitis and panuveitis in patients without human immunodeficiency virus infection. JAMA Ophthalmol. 2013;131(5):638-45. http://dx.doi.org/10.1001/jamaophthalmol.2013.2860

7. Karavellas MP, Lowder CY, Macdonald JC, Avila CP Jr, Freeman WR. Immune recovery vitritis associated with inactive cytomegalovirus retinitis. Arch Ophthalmol. 1998; 116(2): 169-75. http://dx.doi.org/10.1001/archopht.116.2.169

8. Limaye AP, Kirby KA, Rubenfeld GD, Leisenring WM, Bulger EM, Neff MJ, et al. Cytomegalovirus reactivation in critically III immunocompetent patients. JAMA. 2008;300(4):413-22. http://dx.doi.org/10.1001/jama.300.4.413

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte de financiamento: declaram não haver.

Conflito de interesses: declaram não haver.

Recebido em: 3 de Novembro de 2016.
Aceito em: 28 de Novembro de 2016.


© 2024 Todos os Direitos Reservados