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Casos Clínicos Discutidos

Coriorretinopatia hemorrágica exsudativa periférica: resultados de crioterapia e aflibercepte intravítreo

Peripheral exudative hemorrhagic chorioretinopathy: cryotherapy and intravitreal aflibercept results

Carlos E. Veloso1; Sarah P. F. Cenachi1,2; Jacques R. Houly2; Arthur G. Reis3; Márcio B. Nehemy1

DOI: 10.17545/eOftalmo/2021.0008

RESUMO

O objetivo é descrever as complicações potenciais da crioterapia e a boa resposta ao aflibercepte intravítreo em uma paciente com diagnóstico de coriorretinopatia hemorrágica exsudativa periférica. Uma mulher de 83 anos com atrofia geográfica no polo posterior desenvolveu uma lesão exsudativa na periferia temporal de ambos os olhos. Sua melhor acuidade visual corrigida era de 20/80 no olho direito e 20/60 no esquerdo. Foram realizadas angiofluoresceinografia, tomografia de coerência óptica (OCT) e ultrassonografia modo B, e foi feito o diagnóstico de coriorretinopatia hemorrágica exsudativa periférica. Um novo exame 3 meses depois mostrou piora da acuidade visual para conta dedos no olho direito, devido à infiltração de líquido sub-retiniano na mácula. Inicialmente, a paciente submeteu-se à crioterapia, mas no dia seguinte ao tratamento, apresentou hemorragia sub-retiniana. Recebeu então três injeções intravítreas mensais de aflibercepte, com excelentes resultados. Uma nova OCT mostrou resolução completa do líquido sub-retiniano e a acuidade visual voltou a 20/80 no olho direito um mês após a terceira injeção intravítrea. Não se observou nenhuma lesão exsudativa em atividade nos três meses seguintes. A crioterapia pode ser um possível “gatilho” para hemorragia sub-retiniana em casos de coriorretinopatia hemorrágica exsudativa periférica e injeções intravítreas de aflibercepte mostraram ser um tratamento eficaz.

Palavras-chave: Crioterapia; Degeneração macular relacionada à idade; Injeções intravitreais; Corioretinopatia hemorrágica Periférica; Vasculopatia da coroide polipoidal.

ABSTRACT

To describe the potential complications of cryotherapy and the good response to intravitreal aflibercept in a patient diagnosed with peripheral exudative hemorrhagic corioretinopathy. An 83-year-old female with geographic atrophy in the posterior pole developed an exudative lesion in the temporal periphery of both eyes. Her best-corrected visual acuity was 20/80 in the right eye and 20/60 in the left eye. Fluorescein angiography, optical coherence tomography and B-scan ultrasonography were performed and the diagnosis of peripheral exudative hemorrhagic corioretinopathy was made. Reexamination 3 months later showed worsening of visual acuity in the right eye to count fingers due to sub-retinal fluid extension into the macula. She was initially submitted to cryotherapy. The patient showed sub-retinal hemorrhage in the first day after cryotherapy. She was then submitted to three monthly intravitreal injections of aflibercept with excellent results. Optical coherence tomography showed complete resolution of subretinal fluid and visual acuity returned to 20/80 in the right eye one month after the third intravitreal injection. No active exudative lesion was observed in the following three months. Cryotherapy may be a possible trigger for sub-retinal hemorrhage in cases of peripheral exudative hemorrhagic corioretinopathy and intravitreal injections of aflibercept showed to be an effective treatment.

Keywords: Cryotherapy; Age-related macular degeneration; Intravitreal injection; Peripheral exudative hemorrhagic corioretinopathy; Polypoidal choroidal vasculopathy.

RELATO DE CASO

Uma mulher de 83 anos com hipertensão arterial sistêmica e diabetes tipo 2 foi encaminhada com história de perda da acuidade visual central iniciada 5 anos antes. Sua melhor acuidade visual corrigida (MAVC) era de 20/80 no olho direito (OD) e 20/60 no olho esquerdo (OE). A paciente era pseudofácica e sua pressão intraocular era de 10mmHg em ambos os olhos (AO).

A oftalmoscopia revelou atrofia geográfica no polo posterior e lesão exsudativa na periferia temporal de AO (Figura 1A, B). A angiografia fluoresceínica (AF) mostrou hiperfluorescência devido a um defeito em janela na região perifoveal e uma hiperfluorescência tardia e irregular (vazamento) na periferia temporal de AO (Figura 1C-F). A ultrassonografia (USG) modo B mostrou um espessamento retinocoroideano discreto e irregular no setor temporal de AO com as seguintes dimensões no OD: 7,5 × 7,5 × 1,6mm (vertical × horizontal × altura) (Figura 1G, H).

 


Figura 1. Fotografia do fundo do olhoRetinografia colorida (A, B), angiofluoresceinografia (C-F) e ultrassonografia em modo B (G, H) na apresentação da doença. Olho direito (A, C, D, G) e olho esquerdo (B, E, F, H).

 

Foi feito o diagnóstico de coriorretinopatia hemorrágica exsudativa periférica (CRHEP) e optou-se por apenas observar esta paciente, devido à falta de envolvimento macular.

A paciente retornou 3 meses depois, queixando-se de piora da acuidade visual no OD. Sua MAVC era de conta dedos no OD e permaneceu em 20/60 no OE. A oftalmoscopia revelou aumento da lesão temporal no OD (Figura 2A). A USG confirmou o aumento das dimensões da lesão 11,4 × 9,7 × 1,6mm (vertical × horizontal × altura) e a tomografia de coerência ótica (OCT) mostrou líquido sub-retiniano chegando até a mácula (Figura 2D).

 


Figura 2. Fotografia do fundo do olho Retinografia colorida (A, B, C) e tomografia de coerência ótica de domínio espectral - SD-OCT (D, E) antes (A, B, D) e um mês após o tratamento com injeção intravítrea de aflibercepte (C, E). Hemorragias sub-retiniana e vítreas observadas no dia seguinte à crioterapia (B).

 

Discutiram-se as opções de tratamento e seus potenciais benefícios e complicações com a paciente, que inicialmente se recusou a ser submetida a um procedimento intraocular. Foi então inicialmente tratada com crioterapia, durante a qual, após anestesia peribulbar, o cirurgião pressionou levemente a sonda na conjuntiva enquanto a retina era examinada com um oftalmoscópio indireto; a pressão da sonda pôde ser vista como uma indentação na retina afetada. Quando a sonda chegou à posição correta, o pedal foi pressionado e pôde-se ver a retina ficando branca ao congelar. O pedal foi então liberado e o procedimento repetido em outros locais da lesão periférica.

No entanto, uma hemorragia sub-retiniana importante e uma hemorragia vítrea discreta foram observadas no dia seguinte (Figura 2B). Devido a esse resultado adverso e à ausência de melhora nas três semanas seguintes, a paciente concordou em submeter-se a injeções intravítreas de um agente antifator de crescimento vascular endotelial (anti-VEGF). Recebeu então três injeções intravítreas mensais de aflibercepte, com excelentes resultados funcionais e anatômicos.

A MAVC voltou a 20/80 no OD um mês após a terceira injeção intravítrea. A oftalmoscopia revelou a absorção da hemorragia (Figura 2C) e a OCT mostrou a resolução completa do líquido sub-retiniano (Figura 2E). Não se observou nenhuma nova lesão exsudativa em atividade nos três meses seguintes.

 

DISCUSSÃO

A CRHEP é uma doença incomum da retina. Reese e Jones descreveram-na pela primeira vez em 1962(1) e esse transtorno foi nomeado historicamente por diversos termos até 1982, quando recebeu sua denominação atual(2).

O processo fisiopatológico subjacente à CRHEP ainda não foi completamente identificado. Foram relatadas alterações da mácula, consistentes com manifestações neovasculares, não neovasculares e atróficas da degeneração macular relacionada à idade (DMRI)(3,4). Também se sugeriu que a CRHEP pudesse compartilhar uma etiologia com a vasculopatia polipoidal da coroide (VPC). A angiografia com indocianina verde tem sido usada para evidenciar lesões polipoidais e redes neovasculares na coroide, semelhantes às observadas na VPC subjacente à CRHEP(5,6).

Foi demonstrada uma resposta anatômica e funcional favorável à terapia intravítrea com agentes anti-VEGF, como o ranibizumabe, o bevacizumabe e, mais recentemente, o aflibercepte(7). O melanoma da coroide é um importante diagnóstico diferencial da CRHEP e a possibilidade de malignidade deve ser descartada(3,4).

Na maioria dos casos, a CRHEP é uma condição autolimitada, mas pode ser prejudicial à visão devido à hemorragia sub-retiniana e à infiltração de líquido sub-retiniano na mácula. Nesses casos, pode ser recomendado o tratamento. As opções de tratamento relatadas na literatura incluem terapia anti-VEGF, crioterapia, fotocoagulação a laser, terapia fotodinâmica (PDT) e vitrectomia(7-10).

Este relato de caso descreve uma paciente idosa, branca, com diminuição da acuidade visual, atrofia geográfica secundária a DMRI e exsudação sub-retiniana no quadrante temporal de AO. Durante o acompanhamento, foi observada uma infiltração do líquido sub-retiniano para a mácula do OD. O diagnóstico de CRHEP foi feito devido à presença de características epidemiológicas e clínicas desta doença. A falta de uma angiografia com indocianina verde no caso atual impede a identificação de lesões polipoidais.

O primeiro tratamento instituído foi a crioterapia, pois a paciente inicialmente se recusou a ser submetida a procedimentos intraoculares. No entanto, no período pós-operatório imediato ocorreram uma hemorragia sub-retiniana e uma discreta hemorragia vítrea. Houve uma relação temporal entre a crioterapia e as hemorragias relatadas, mas uma relação causal continua presumida, uma vez que a própria CRHEP também pode acarretar este efeito adverso. Em seguida, a paciente recebeu três injeções intravítreas mensais de aflibercepte, com excelentes resultados funcionais e anatômicos.

Embora a crioterapia seja considerada um possível tratamento para a CRHEP, nenhum estudo anterior mostrou seus resultados ou suas possíveis complicações no tratamento dessa condição. Além de mostrar esses efeitos adversos da crioterapia, nosso caso reforça a boa resposta ao aflibercepte intravítreo que foi recentemente demonstrada(7). Nesse ínterim, são necessárias pesquisas adicionais sobre essa entidade mórbida, para identificar mais completamente sua fisiopatologia e tratamento.

 

REFERÊNCIAS

1. Reese AB, Jones IS. Hematomas under the retinal pigment epithelium. Am J Ophthalmol. 1962 Jun;53:897-910.

2. Annesley WH Jr. Peripheral exudative hemorrhagic chorioretinopathy. Trans AM Ophthalmol Soc. 1980;78:321-64.

3. Shields CL, Salazar PF, Mashayekhi A, Shields JA. Peripheral exudative hemorrhagic chorioretinopathy simulating choroidal melanoma in 173 eyes. Ophthalmology. 2009;116(3):529-35.

4. Mantel I, Uffer S, Zografos L. Peripheral exudative hemorrhagic chorioretinopathy: a clinical, angiographic, and histologic study. Am J Ophthalmol. 2009;148(6):932-8.

5. Mantel I, Schalenbourg A, Zografos L. Peripheral exudative hemorrhagic chorioretinopathy: polypoidal vasculopathy and hemodynamic modifications. Am J Ophthalmol. 2012;153(5):910- 22.

6. Goldman D, Freund K, McCannel C, Sarraf D. Peripheral polypoidal choroidal vasculopathy as a cause of peripheral exudative hemorrhagic chorioretinopathy: a report of 10 eyes. Retina. 2013; 33(1):48-55.

7. Sax J, Karpa M, Reddie I. Response to intravitreal aflibercept in a patient with peripheral exudative hemorrhagic. Retin Cases Brief Rep. 2018; Aug 1. Doi: 10.1097/ICB.0000000000000787

8. Seibel I, Hagar A, Duncker T, Riechardt AL, Nürnberg D, Klein JP, et al. Anti-VEGF therapy in symptomatic peripheral exudative hemorrhagic chorioretinopathy (PEHCR) involving the macula. Graefe’s Archive Clin Exp Ophthalmol. 2016;254(4):653-9.

9. Cebeci Z, Dere Y, Bayraktar Ş, Tuncer S, Kir N. Clinical features and course of patients with peripheral exudative hemorrhagic chorioretinopathy. Turk J Ophthalmol. 2016:46(5):215-20.

10. Mashayekhi M, Shields C, Shields J. Peripheral exudative hemorrhagic chorioretinopathy: a variant of polypoidal choroidal vasculopathy? J Ophthalmic Vis Res. 2013;8(3):264-7.

 

INFORMAÇÃO DOS AUTORES

Financiamento: Declaram não haver

Conflitos de Interesse: Declaram não haver

Recebido em: 21 de Junho de 2020.
Aceito em: 5 de Agosto de 2020.


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