Milton Ruiz Alves1; Ricardo Noguera Louzada2
DOI: 10.17545/eOftalmo/2021.0001
“Quem estuda medicina sem livros navega num mar desconhecido, mas quem estuda medicina sem pacientes não vai ao mar.”
William Osler
A doença coronavírus-2019 (COVID-19) se espalhou rapidamente pelo mundo, causando graves implicações socioeconômicas e de saúde pública1. Somente no Brasil, no período de 01/03/2020 a 12/03/ 2021, foram aproximadamente 11,2 milhões de casos confirmados da doença e 270,6 mil mortes, com mais de 9,9 milhões de casos recuperados e 1,1 milhões em acompanhamento2.
A COVID-19 causou relevantes transtornos às rotinas hospitalares, aos serviços de saúde e às escolas médicas, com o cancelamento sistemático das aulas presenciais, substituídas por aulas a distância, colocando em evidência novas questões sobre a educação médica3-5. As universidades também foram fechadas, como parte das medidas do isolamento social, para achatar a curva do espraiamento da COVID-19 e o ensino presencial foi, então, substituído pela educação à distância e ferramentas on line foram aprimoradas para facilitar na integração em manter as atividades propostas e de forma a vencer as limitações impostas pelo contexto6.
A Oftalmologia, entre as especialidades, foi a que teve maior proporção de médicos residentes com COVID-19 confirmada em todos os programas de residência em Nova York7. Preocupações com esse possível aumento do risco de infecção na prática oftálmica requereram medidas extras de precaução8,9. A pandemia de COVID-19 interrompeu abruptamente os programas tradicionais dos cursos de aprimoramento em Oftalmologia voltados aos médicos residentes e fellows. A redução do número de atendimentos clínicos e cirúrgicos, especialmente dos procedimentos eletivos para favorecer os emergenciais ligados à COVID-19, criou lacunas significativas na educação médica da especialidade.
Nos EUA, no período de 01/03/2020 a 5/04/2020, a Oftalmologia sofreu uma redução abrupta de 79% no número das consultas clínicas – na comparação com as demais especialidades, foi a que sofreu a maior queda10. Todos as cirurgias eletivas, incluindo as de catarata, foram adiadas, resultando em diminuição repentina dos procedimentos cirúrgicos realizados por médicos residentes e fellows. Além disso, todas as reuniões acadêmicas e conferências foram alteradas para formato virtual5. Para reduzir o impacto negativo da pandemia de COVID-19 na educação médica dos residentes e fellows, os educadores tiveram que incluir nos currículos da especialidade novas estratégias educacionais11.
Um survey realizado na Índia, em 2020, com a participação de 716 médicos que recebiam treinamento em Oftalmologia, mostrou que 81% tiveram o treinamento cirúrgico prejudicado pela COVID-19; 55% perceberam aumento nos níveis de estresse; 77% relataram que seus familiares manifestaram preocupação aumentada com a sua segurança e bem-estar e 76% avaliaram como úteis as mudanças ocorridas no currículo que reforçaram estratégias virtuais, como aulas online e webinars12. Esforços de programas de treinamento oftalmológico na área de Nova York servem como exemplo do poder da colaboração, com implementação de programação de palestras compartilhadas, experiências de teleoftalmologia e serviços de apoio emocional para residentes e fellows13. Durante a pandemia a teleoftalmologia desempenhou papel relevante na prática oftálmica. Após a pandemia, com o desenvolvimento de protocolos padronizados e com a incorporação de testes objetivos para poder identificar casos que realmente necessitam de atendimento presencial, estima-se que a teleoftalmologia poderá poupar muitos pacientes de horas intermináveis em salas de espera13.
A introdução de novos métodos de aprendizagem, apoiados em soluções digitais modernas e em tecnologias emergentes, certamente, não conseguirá preencher todas as lacunas educacionais. Qual será o impacto real na formação dos residentes e fellows do número de horas que deixaram de ser gastas em treinamento clínico e cirúrgico durante a pandemia? Estas respostas somente virão com a construção de uma matriz de competência para que se possa avaliar e validar os impactos da pandemia nos mais de cem cursos de aprimoramento em Oftalmologia credenciados pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO).
Apesar das muitas disponibilidades de opções educacionais online, a diminuição do atendimento clínico direto e do treinamento cirúrgico representam um desafio educacional significante12,13. As plataformas online podem ser suficientes para a formação teórica de residentes e fellows , mas uma prática clínico-cirúrgica sólida requer contato físico com os pacientes e horas gastas de treinamento cirúrgico. Lee et al.14 levantaram 47 estudos que relataram modelos de wet lab para todos os tipos de cirurgias oftálmicas, embora a maioria deles não tenha avaliação formal de validade. Mesmo que esses treinamentos fossem feitos em simuladores cirúrgicos para cirurgia de catarata e/ou vitreorretiniana15, esta ferramenta poderosa não conseguiria substituir os cenários cirúrgicos na vida real. As palestras de vídeo online certamente continuarão após a pandemia. O acesso online a conferências continuará tendo impacto positivo e proporcionando maior exposição internacional a excelentes conteúdos, com custos reduzidos16. No entanto, deve-se notar que, a fim de garantir um aprendizado valioso, a experiência e o controle de qualidade sobre o conteúdo precisam ser garantidos16.
A necessidade de migrar para o ensino a distância gerou grande pressão, tanto sobre os alunos – preocupados com o desenvolvimento de habilidades – como sobre os educadores - forçados a se aventurar em território digital ainda desconhecido, apesar do uso crescente de recursos eletrônicos na prática médica e nos espaços educacionais3. As plataformas mais utilizadas durante a pandemia para o aprendizado virtual foram as seguintes: Microsoft Teams®, Google Meet®, Edmodo®, Moodle® e Blackboard®17,18, enquanto as plataformas de videoconferência foram as seguintes: Zoom®, Skype® para empresas, WebEx® e Adobe Connect®5,17,18. O Twitter® foi também muito utilizado como espaço de interação entre alunos e professores, especialmente para dirimir dúvidas e problemas médicos19.
Concluindo, a pandemia de COVID-19 abalou dramaticamente os pilares da educação tradicional em Oftalmologia e obrigou os educadores a reorganizarem as estratégias de aprendizagem. A resposta ao desafio da educação foi dada ou reforçando ou implementando plataformas de aprendizagem virtual. Nesse período, essa estratégia recebeu um alto nível de apreciação tanto dos alunos como dos professores envolvidos9,12,19. Dado que a educação online deverá ocupar cada vez mais o espaço da educação tradicional durante a pandemia que continuará presente nos próximos meses, torna-se imperativo o desenvolvimento, implementação e avaliação de novas estratégias que nos auxiliem a superar o maior número de dificuldades educacionais relacionadas à COVID-1920.
REFERÊNCIAS
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INFORMAÇÃO DOS AUTORES
Fonte de financiamento: Declara não haver
Conflito de interesses: Declara não haver
Recebido em:
14 de Março de 2021.
Aceito em:
15 de Março de 2021.