Andrea Pulchinelli Ferrari1; Marcelo Fernandes da Costa2
DOI: 10.17545/eOftalmo/2019.0028
RESUMO
Esse artigo busca iniciar a determinação de valores normativos para o comportamento oculomotor nos movimentos disjuntivos de convergência e divergência, para perto e para longe, na tentativa de nortear a avaliação ortóptica e os exercícios ortópticos.
Palavras-chave: Ortóptica; Astenopia; Convergência ocular; Visão binocular.
ABSTRACT
This article seeks to start the determination of paw normative values the oculomotor behavior in disjunctive movements of convergence and divergence near and far in trying to guide the clinical activities of orthoptics and ophthalmology.
Keywords: Orthoptics; Astenopia; Ocular convergence; Binocular vision.
INTRODUÇÃO
Valores das amplitudes fusionais utilizados como referência para a avaliação da motilidade ocular extrínseca tornaram-se motivo de discussão nos últimos anos, especialmente pela escassez de pesquisas científicas atualizadas. A maioria dos estudos que apresentam valores de normalidade ocorreu na década de 1980, momento cuja demanda visual principalmente para perto era muito menor do que a atual(1-2).
Observa-se empiricamente que os estímulos visuais, especialmente na visão para perto, tornaram-se mais precoces nas últimas gerações devido ao uso de computadores, videogames e celulares, além do processo de alfabetização iniciar-se mais cedo. Baseado nas observações empíricas, questionamos se os valores utilizados como referência para amplitudes vergenciais nos consultórios ortópticos necessitariam de atualizações. Adicionalmente, observamos que mesmo os valores regularmente utilizados não possuem estudos atualizados na literatura.
Os movimentos vergenciais, ou vergências, são movimentos oculares binoculares, coordenados e disjuntivos dos olhos, na mesma direção e em sentidos opostos, que buscam adaptar sua posição paralela relativa com a finalidade de permitir que as imagens situadas em diferentes distâncias do indivíduo estimulem binocularmente áreas retinianas correspondentes, possibilitando a fusão sensorial da imagem.
Sabe-se que o movimento ocular para a convergência fusional é o mais amplo, no qual valores de 30Δ ou mais são comumente demonstráveis. Em contrapartida, os movimentos oculares de divergência fusional são menores, alcançando valores de até 8Δ(3). Uma importante informação sobre estes movimentos oculares é que podem ser relativamente variáveis entre as pessoas mas que mediante exercícios ortópticos podem ser modificados em sua amplitude e estabilidade(4).
Duane(5) mediu a amplitude dos movimentos vergenciais em um grupo de sujeitos normais, com idade variando entre 16 e 40 anos. Em 60% dos sujeitos a amplitude fusional de convergência ficou entre os valores mínimos e máximos de 38Δ e 51Δ. No entanto, nos faltam importantes informações sobre as características das medidas aplicadas neste estudo. Assim, se tomarmos como base os valores apresentados neste estudo clássico(5), a hipótese mais provável é que tenha sido uma medida realizada para a condição de fixação visual de perto. Estes autores também concluíram que a idade pouco afeta os valores de amplitude fusional e que uma atividade ocular frequente por meio de exercícios ortópticos é o fator mais importante.
Joyce Mein(6) considera valores de normalidade para as amplitudes de convergência para longe de 15Δ/15Δ (valores de quebra de fusão e de refusão) e perto 35Δ a 40Δ; para divergência, valores para longe foram de 5Δ a 7Δ e perto de 15Δ a 15Δ. Neste trabalho os autores também não fazem referência ao método utilizado para a avaliação. Já Burian(7) faz referências apenas para as amplitudes para longe, considerando 20Δ/20Δ para convergência e 6Δ a 8Δ para divergência, sem referência ao método, semelhante aos trabalhos anteriores.
No estudo que demonstra uma mais completa descrição dos valores de amplitudes de convergência, os autores no capítulo de Monteiro(8) encontraram os valores de 20Δ a 25Δ para longe e de 30Δ a 35Δ para perto, avaliadas com a barra de prismas.
Todos esses valores referidos estão dispostos na tabela 1, na qual o primeiro e o segundo valores não podem ser confundidos com quebra/refusão, pois não há clareza na descrição dos métodos utilizados.
Nestas medidas a discrepância de valores normativos encontrados na literatura(5-7), associada à escassez de estudos recentes e com descrição apropriada dos equipamentos e procedimentos utilizados, sempre dificultou a classificação de amplitudes vergenciais, normais e reduzidas, além do diagnóstico de pacientes com visão binocular perturbada ou insuficiência de convergência. Somado a isso temos as mudanças nos comportamentos visuais atuais que exigem, desde muito cedo, uma maior demanda destes movimentos binoculares, fato que motivou a realização deste estudo.
Assim, temos por objetivo determinar valores normativos para o comportamento oculomotor das amplitudes fusionais de convergência e de divergência, para atividades realizadas longe (5m) e perto (33cm), em sujeitos moradores da cidade de São Paulo.
MÉTODOS
Foram selecionados 35 sujeitos, 24 do sexo feminino e 11 do sexo masculino, com idades variando entre 04 e 39 anos, média simples de 15,2 anos (dp=9,9; mediana=11 anos). O número amostral foi calculado considerando os valores médios dos estudos da literatura, para um poder amostral de 0,80 para o nível de significância de 0,05.
Os critérios de inclusão foram: indivíduos assintomáticos(9), ter acuidade visual de reconhecimento (optotipos) de 1,0 (decimal de Snellen) ou melhor em ambos os olhos para longe, acuidade visual de reconhecimento para perto de J1 (Jaeger), medida a 0,37m em ambos os olhos, sempre com a melhor correção óptica refracional (considerados de emetropia até 1.50DE e/ou 1.00DC); ortoforia ou com baixos valores de forias (valores de até 4Δ de exoforia para perto e até 3Δ para longe; até 2Δ de esoforia para perto e 1Δ para longe); ausência de hiper ou hipofunções nos músculos extrínsecos oculares; ponto próximo de convergência (PPC) de 6,0cm ou menor, considerado normal desta forma(10); acuidade estereoscópica 40’’ de arco medida com o Titmus Stereo Fly.
Excluímos de nosso estudo os pacientes com qualquer história de cirurgia ocular, referência a qualquer episódio de alteração oculomotora parética, paralítica ou restritiva ou ainda ter desvios oculares constantes ou intermitentes (heterotropias) em quaisquer posições do olhar.
A barra de prismas (Gulden Ophthalmics, Elkins Park, PA, USA) utilizada apresenta 15 prismas feitos de PMMA (acrílico) que variam de 2Δ a 45Δ (Figura 1), escalonadas em 2Δ, 4Δ, 6Δ, 8Δ, 10Δ, 12Δ, 14Δ, 16Δ, 18Δ , 20Δ, 25Δ, 30Δ, 35Δ, 40Δ e 45Δ .
Os sujeitos foram avaliados individualmente, em consultório equipado para realização de avaliação ortóptica, após avaliação oftalmológica e prescrição dos óculos se necessário, seguindo a seguinte ordem de exame:
1. Anamnese;
2. Acuidade visual perto e longe;
3. Verificação do posicionamento binocular em posição primária do olhar (PPO) com medidas utilizando o teste de cobertura e prismas;
4. Rotações binoculares;
5. Verificação do posicionamento binocular em todas as posições diagnósticas com o teste de cobertura e prismas;
6. PPC com régua milimetrada devidamente posicionada e mira com estímulo de figura acomodativa;
7. Acuidade estereocópica com Titmus Stereo Fly.
Medidas das amplitudes fusionais para perto em 33cm e para longe em 5m, de convergência e de divergência utilizando a barra de prismas, propositadamente com sequência intercalada convergência e divergência e nunca ultrapassando os valores máximos estabelecidos previamente, da seguinte forma: convergência para longe 25Δ e para perto 45Δ; de divergência para longe 8Δ e para perto 14Δ. Nas medidas foram considerados dois valores, sendo o primeiro registrado como quebra da fusão e o segundo como fusão restabelecida e sem estímulos adicionais, como piscar ou olhar para posição inferior, considerando que estímulos (encorajamento realizado pelo examinador) podem superestimar valores de convergência(11,12); também havendo a possibilidade de não ocorrer a quebra da fusão, indicado como sem quebra (SQ).
Nas medidas seguimos quatro sequências, intercalando convergência e divergência:
a) Longe nasal (LN), longe temporal (LT), perto nasal (PN) e perto temporal (PT), em um total de 11 pacientes neste grupo,
b) Perto temporal, longe nasal, longe temporal e perto nasal, com 6 pacientes neste grupo,
c) Perto nasal, perto temporal, longe nasal e longe temporal, com 11 pacientes e
d) Longe temporal, perto nasal, perto temporal e longe nasal, com 7 pacientes neste grupo.
Importante ressaltar que um prisma colocado em frente a um dos olhos projeta uma segunda imagem deslocada para o lado da base deste prisma, provocando diplopia. Sendo assim, um prisma com base nasal projeta uma segunda imagem nasalmente, obrigando o paciente a divergir para obter a fusão das imagens; temos então a amplitude fusional de divergência determinada no máximo valor prismático que o paciente foi capaz de fundir as imagens diplópicas. De outro modo, um prisma colocado com base temporal projeta uma segunda imagem temporalmente obrigando o paciente a convergir para obter a fusão das imagens diplópicas resultando na amplitude fusional de convergência.
RESULTADOS
A convergência fusional média para perto foi 45Δ tendo no entanto, 52,77% dos pacientes não apresentaram quebra da fusão (sem quebra – SQ) até este valor e os demais tiveram a média da refusão em 43,13Δ (dp=2,4, mediana=45,0). A divergência fusional média para perto foi 14Δ, no entanto, 66,66% dos pacientes não apresentaram quebra da fusão(SQ) até este valor e os demais tiveram a média da refusão em 13,64Δ (dp=0,8, mediana=14,0). A convergência fusional média para longe foi 24,8Δ (dp=0,8, mediana=25,0) apresentando 44,44% dos pacientes sem quebra da fusão (SQ) até este valor e os demais tiveram a média da refusão em 21,6Δ (dp=2,3, mediana=20,0). A divergência fusional média para longe foi 7,9Δ (dp=0,3, mediana=8,0) e obtiveram a média de refusão em 6,3Δ (dp=0,7, mediana=6,0). A tabela 2 mostra os valores obtidos nas avaliações.
Não há efeito da idade (p>0,05) ou da sequência (p>0,05) utilizadas. Não encontramos também correlações entre idade e valores de amplitude fusionais. Desta forma, em uma primeira análise fica estabelecido que as amplitudes fusionais normais, medidas com a barra de prismas, fiquem como dispostas na tabela 3 da seguinte forma:
DISCUSSÃO
Clinicamente considera-se uma amplitude de convergência normal para longe entre 20Δ e 25Δ e para perto entre 35Δ e 45Δ; de divergência normal para longe entre 8Δ e 6Δ e para perto de 14Δ, avaliadas com barra de prismas na maioria dos consultórios ortópticos no Brasil. Estes valores foram apurados mediante entrevista rápida e informal com ortoptistas brasileiros, através de uma pesquisa não devidamente registrada, fato que despertou o interesse em determinar os valores normativos. Nosso estudo estabelece valores normativos para convergência e divergência, tanto para quebra como para a refusão. Com o estabelecimento destes valores e seus respectivos usos, o diagnóstico de amplitude e estabilidade fusional poderão ser de maior eficácia na prática clínica, agora com base em evidências científicas atuais.
Sintomas astenopeicos, relacionados à visão binocular, podem estar associados à uma redução da amplitude fusional, até mesmo antes do aparecimento de outros sinais clínicos como redução do ponto próximo de convergência ou heteroforias de controle difícil ou ainda heterotropias intermitentes. Os valores de normalidade que estabelecemos serão de grande apoio diagnóstico e terapêutico para estas condições sintomatológicas visuais, cada vez mais frequentes pelo uso de dispositivos eletrônicos para perto.
Importante considerarmos diferenças metodológicas relacionadas às medidas de vergências fusionais. Empiricamente sabe-se que também são encontrados valores maiores de amplitudes vergenciais quando utilizado o sinoptóforo, uma vez que permite uma modificação mais gradual e lenta entre valores de convergência e divergência, mesmo com a maior dissociação natural causada pela artificialidade dos estímulos utilizados. De forma similar, valores menores são encontrados quando utilizamos prismas isolados e em usos intermediários com a barra de prismas, uma vez que a retirada e a colocação dos prismas exigem esforço oculomotor extra que impacta negativamente nas medidas das amplitudes.
Escolhemos a barra de prismas para nossas medidas por ter a vantagem de maior portabilidade se comparada ao sinoptóforo e por ser mais prático o manuseio que a caixa de prismas isolados, além de evitar esforços extras que implicam em aumento de variabilidade na medida por desgaste adicional. Por escolha e limitação do instrumento utilizado foi decidido não verificar os limites das amplitudes, ou seja, de não se ir além dos valores máximos do equipamento, fato que levou a considerar a possibilidade de encontrarmos valores maiores que os encontrados neste estudo. No entanto, apenas parar nos valores que propomos como referências apresentam adesão àqueles utilizados há anos na prática do consultório pela ortoptista examinadora, ressaltando que devemos considerar que a limitação metodológica pode ter hipoestimado os valores encontrados por ter estabelecido previamente um teto para as medidas.
Segundo os dados da literatura para as amplitudes fusionais de convergência para perto, medidas com barra de prismas, Scheiman(11) encontrou 19Δ em crianças de 6 anos e 23Δ em crianças entre 7 e 12 anos, Chen(13) encontrou 19,4Δ em crianças de 7 a 12 anos, Wesson(14) referiu 19Δ em crianças entre 7 e 12 anos e Jimenez(15) 18Δ em crianças de 6 a 12 anos, ou seja, os valores encontrados neste estudo não estão de acordo com estes dados encontrados na literatura. Já na amplitude fusional de divergência para perto os valores encontrados neste estudo estão de acordo com a literatura referida, pois Scheiman(11) encontrou 12Δ em crianças de 6 anos e em crianças de 7 a 12 anos, Chen(13) não reportou valores, Wesson(14) referiu 13Δ em crianças entre 7 e 12 anos e Jimenez(15) 11Δ em crianças de 6 a 12 anos.
Considerando outros recentes dados, Fray(12) estabeleceu valores avaliados com a barra de prismas que se aproximaram dos valores determinados neste estudo. Fray encontrou valores máximos de amplitudes fusionais de convergência para perto de 35Δ, de amplitudes fusionais de divergência para perto de 16Δ , de amplitudes fusionais de convergência para longe de 26Δ e de amplitudes fusionais de divergência para longe de 7Δ .
Na mais recente publicação em 2019, em uma revisão sistemática(16), estudos envolvendo indivíduos saudáveis têm mostrado que as amplitudes vergenciais variam da seguinte forma: convergência para perto, a mais referenciada na literatura dentre as vergências, de 19Δ a 57Δ; convergência para longe variando entre 11Δ e 33Δ; divergência para perto variando de 8Δ a 22Δ e divergência para longe de 5Δ a 10Δ. Desta forma deixando nossos valores próximos aos encontrados na pesquisa atual.
Devemos considerar também que estabelecer uma sequência aleatória, ainda que intercalada de convergência e divergência, pode ter hipoestimado valores, especialmente os de divergência, pois sabemos que a divergência avaliada após a convergência pode ter sido influenciada pela ausência da completa dissipação do estímulo inervacional tônico utilizado na medida da convergência.
Concluímos nosso trabalho com a construção de valores de normalidade para amplitude de fusão medidas para perto e para longe que poderão guiar diagnósticos e condutas terapêuticas mais eficientes, pois serão realizadas com base em evidências científicas. Os valores normativos também são atualizados e cobrem a faixa da população que mais utiliza dispositivos móveis e tem apresentado maiores queixas visuais astenopeicas.
REFERÊNCIAS
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4. Souza-Dias CR. Os estrabismos: teoria e casos comentados / Carlos R. Souza-Dias, Mauro Goldchmit. – Rio de Janeiro: Cultura Médica: Guanabara Koogan, 2011.
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6. Mein J, Harcourt B. Diagnosis and management of ocular motility disorders. Blackwell Scientific Publications, Londres,1986.
7. Burian HM. Anomalies of the convergence and divergence functions and their treatment. Transactions of the New Orleans Academy of Ophthalmology. 1971;223-32.
8. Carlos Souza-Dias, Henderson Celestino de Almeida e Colaboradores - Ed. Roca - 1998 - Capítulo 11, Heteroforias, Keila Mirian Monteiro de Carvalho.
9. Convergence Insufficiency. AAPOS. http://www.aapos.org/terms/conditions/38 (acessado em 07/06/2019).
10. Scheiman MS. Treatment of symptomatic convergence insufficiency in children with a home-based computer orthoptic exercise program. J AAPOS. 2011;15(2):123-4. Doi: 10.1016/j.jaapos.2011.03.001.
11. Scheiman MS, Herzberg H, Frantz K, Margolies M. (1989) A normative study of step vergence in elementary schoolchildren. J Am Optom Assoc. 1989;60:276–80.
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16. Lança CC, Rowe FJ. (2019): Measurement of fusional vergence: a systematic review, Strabismus, DOI: 10.1080/09273972.2019.1583675
INFORMAÇÃO DOS AUTORES
Financiamento: Declaram não haver
Conflitos de interesse: Declaram não haver
Recebido em:
18 de Fevereiro de 2019.
Aceito em:
21 de Outubro de 2019.