Artigo

Acesso aberto Revisado por pares

1255

Visualizações

 


Casos Clínicos Discutidos

Cisto de íris estromal primário em adulto tratado com Nd:YAG laser: relato de caso

Use of Nd:YAG laser to treat a primary iris stromal cyst in an adult: a case report

Quiste estromal de iris primario en adulto tratado con láser Nd:YAG: relato de caso

George Alencastro de Carvalho Paes Landim1; Rayssa Medeiros Léda2; Vinícius Stival Veneziano Sobrinho1

DOI: 10.17545/eOftalmo/2019.0024

RESUMO

Relata-se um caso de cisto estromal iriano primário tratado com laser em paciente de 62 anos. Paciente do sexo feminino com queixa de sensação de corpo estranho e diminuição da acuidade visual em olho esquerdo, com evolução de dois meses. O exame oftalmológico e complementar demonstrou lesão cística compatível com cisto estromal iriano primário. O tratamento de escolha foi com o laser tipo Neodymium:Yttrium-Aluminum-Garnet com baixos parâmetros, evoluindo com regressão do conteúdo cístico, melhora da acuidade visual e dos sintomas. Não foram observadas complicações em seis meses de acompanhamento. A literatura não revela descrição terapêutica com laserterapia específica para cistos do tipo estromal, sendo este modo de tratamento uma alternativa no manejo da patologia. Estudos prospectivos e com maior número de casos para avaliar os potenciais benefícios e efeitos colaterais são necessários.

Palavras-chave: Doenças da Íris; Fotocoagulação a Laser; Neoplasias da Íris; Relatos de Casos.

ABSTRACT

We report the case of a 62-year-old patient with primary iris stromal cyst that was treated with laser. A female patient presented with a complaint of foreign body sensation and decreased visual acuity in the left eye for last 2 months. Ophthalmologic and additional examinations showed a cystic lesion exhibiting features compatible with a primary iris stromal cyst. The treatment of choice was neodymium-doped yttrium aluminum garnet laser with low parameters, leading to regression of the cystic contents and improvement of visual acuity and symptoms. No complications were observed during 6 months of follow-up. The literature does not describe the specific laser therapy for stromal cysts, but this mode of treatment is an alternative to manage this condition. Further prospective studies with a greater number of cases to assess potential benefits and side effects are necessary.

Keywords: Iris Diseases; Laser Coagulation; Iris Neoplasms; Case Reports.

RESUMEN

Se relata un caso de quiste estromal de iris primario tratado con láser en paciente de 62 años. Paciente del sexo femenino con quejas de sensación de cuerpo extraño y disminución de la acuidad visual en ojo izquierdo, con evolución de dos meses. El análisis oftalmológico y complementar demostró lesión quística compatible con quisto estromal de iris primario. El tratamiento elegido fue con láser tipo Neodymium:Yttrium-Aluminum-Garnet con bajos parámetros, evolucionando con regresión del contenido quístico, mejora de la acuidad visual y de los síntomas. No se observaron complicaciones en seis meses de seguimiento. La literatura no revela descripción terapéutica con laserterapia específica para quistes del tipo estromal, siendo este modo de tratamiento una opción en el manejo de la patología. Se hacen necesarios estudios prospectivos y con mayor número de casos para evaluar los potenciales beneficios y efectos colaterales.

Palabras-clave: Enfermedades del Iris; Coagulación con Láser; Neoplasias del Iris; Informes de Casos.

INTRODUÇÃO

Cistos primários do estroma iriano são incomuns e seu manejo clínico e prognóstico de longo prazo quanto às abordagens cirúrgicas ou conservadoras são objetos de estudo ainda sem consenso. São definidos como estruturas que surgem dentro do estroma iriano anterior ao epitélio pigmentado da íris em olhos sem história prévia de cirurgia ou trauma ocular1,2. Geralmente são unilaterais e solitários, aderindo ao epitélio e com crescimento progressivo3. Possuem uma aparência clínica característica com superfície lisa, transiluminação positiva e ocasionalmente apresenta níveis líquidos com partículas suspensas em seu conteúdo fluido4,5.

As lesões císticas da íris respondem por 21% de todos os tumores irianos, e são divididas em duas grandes categorias, que incluem os cistos estromais e cistos do epitélio pigmentado. Os tumores estromais adquiridos após cirurgia ou trauma em pacientes maiores de 60 anos tem prevalência de 11%6, no entanto sua ocorrência de forma espontânea como o do presente caso é rara2. Na literatura há relatos de casos para tratamento de cisto do epitélio pigmentar iriano com laserterapia utilizando-se baixos parâmetros7, porém, em nosso melhor conhecimento, não há descrição terapêutica específica para cistos estromais com esse método de abordagem.

A biomicroscopia ultrassônica é essencial no diagnóstico e na diferenciação entre cistos irianos e outras lesões do segmento anterior que podem simular melanoma e tumores sólidos8. O laser tipo Neodymium:Yttrium-Aluminum-Garnet (Nd:YAG) surge como alternativa de tratamento no manejo dos tumores císticos da íris.

 

RELATO DE CASO

Paciente de 62 anos do sexo feminino procurou assistência oftalmológica com queixa de sensação de corpo estranho, hiperemia ocular e discreta turvação visual em olho esquerdo (OE), sem queixas em olho direito (OD). Não possuía história de cirurgias ou traumas oculares prévios em ambos os olhos, e tinha diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica em acompanhamento cardiológico com quadro controlado. A melhor acuidade visual corrigida era de 1,0 logMAR em OD e 0,9 logMAR em OE. Exame do segmento anterior do olho direito não era digno de nota e o olho esquerdo evidenciava cisto iriano único e exuberante com transiluminação positiva medindo 5,5mm de diâmetro vertical e 3,0mm de diâmetro horizontal, com inserção periférica e acometendo terço temporal (Figura 1).

 


Figura 1. Exame do segmento anterior em lâmpada de fenda: lesão cística única e exuberante com transiluminação positiva medindo 5,5mm de diâmetro vertical e 3,0mm de diâmetro horizontal, com inserção periférica e acometendo terço temporal de olho esquerdo.

 

Microscopia especular de olho esquerdo não mostrou alterações significativas de celularidade e morfismo celular. Curva tensional diária de OE obteve média de 10,2 milímetros de mercúrio (mmHg), com variação máxima de 02mmHg. O exame de campimetria computadorizada não evidenciou defeitos escotomatosos, e à oftalmoscopia o polo posterior demonstrava região macular, nervo óptico e retina periférica sem alterações.

Tomografia de câmara anterior de olho esquerdo foi realizada (Pentacam®,Oculus, Alemanha), ressaltando a característica cística da lesão e ausência de tumorações intralesionais (Figura 2).

 


Figura 2. Tomografia de câmara anterior Ultrassonografia Biomicroscópica evidenciando característica cística da lesão e ausência de tumorações intralesionais.

 

A Biomicroscopia ultrassônica realizada demonstrou a característica cística da lesão e partículas suspensa em seu conteúdo, que se movimentavam no espaço intralesional durante o exame dinâmico (Figura 3).

 


Figura 3. A Ultrassonografia Biomicroscópica demostrava lesão cística com paredes bem delimitadas e partículas suspensas em seu conteúdo.

 

A paciente foi submetida à sessão única com 532 nanômetros (nm) Neodymium:Yttrium-Aluminum-Garnet (Nd:YAG) laser (Iridex Corporation, Mountain View, Califórnia, Estados Unidos da América) para ruptura da borda da lesão (cistotomia) e drenagem do conteúdo lesional. Foram utilizados baixos parâmetros em comparação aos reportados na literatura para fotocoagulação com laser de argônio. Para disrupção do estroma iriano foram realizados dois disparos de 280 miliwatt (mW) por 0,2 segundos, com alvo de 50 micrômetros localizado nas porções inferiores do cisto. Uma gota de Brimonidina 0,2% foi administrada trinta minutos previamente ao procedimento. A paciente evoluiu sem complicações pós-operatórias imediatas e sem alteração na pressão intraocular. A paciente foi avaliada semanalmente durante o primeiro mês, e já ao fim de trinta dias relatava melhora do incômodo ocular e a acuidade visual do olho esquerdo melhorou de logMAR 0,79 para logMAR 1,00. Ao final do sexto mês de seguimento a paciente apresentava-se sem sintomas de sensação ocular de corpo estranho ou incômodo e manteve acuidade visual de logMAR 1,00. A figura 4 demonstra o aspecto da câmara anterior seis meses após a fotocoagulação, com redução parcial do volume cístico e discreto aumento do diâmetro pupilar em sua região temporal.

 


Figura 4. Aspecto da involução cística 6 meses após fotocoagulação com Nd:YAG laser.

 

DISCUSSÃO

Os cistos irianos podem ser classificados como primários e secundários, sendo que as lesões císticas surgem do epitélio pigmentado da íris ou do estroma tecidual1,2. Estes respondem por apenas 11% dos cistos primários, podendo ser congênitos ou adquiridos6. A experiência acumulada acerca do tratamento desta patologia é baseada em relatos de caso ou pequena série de casos majoritariamente3,5,10-12. A maioria dos casos de cistos irianos adquiridos é reportada em pacientes crianças e adultos jovens até os 40 anos, correspondendo 65% dos casos6. Usualmente os cistos estromais primários da íris permanecem estáveis nos adultos, com tendência de crescimento e comprometimento do eixo visual em crianças13. Não foi descrita predileção por sexo9,12, e o envolvimento típico é unilateral com lesão cística única acometendo principalmente as regiões inferior e temporal da íris1.

Cistos estromais possuem aparência clínica característica com superfície lisa, transiluminação positiva e ocasionalmente apresenta níveis líquidos com partículas suspensas em seu conteúdo fluido14,15. A lesão pode crescer progressivamente e chegar à ruptura, levando a quadro secundário de irite, fotofobia, dor e aumento da pressão intraocular. Este fator é especialmente importante em recém-nascidos, em que cistos podem manifestar-se dentro das primeiras semanas de vida causando fotofobia e buftalmo16.

Embora permaneça controversa a patogenia na literatura, a maioria dos cistos resulta de uma separação das camadas epiteliais da íris, enquanto o cisto espontâneo do caso descrito surge de um aprisionamento de células do ectoderma superficial dentro do estroma, sugerindo uma origem embriológica, e a consequente classificação de cisto iriano estromal primário. Paridaens e colaboradores demonstraram queratina de alto peso molecular e ausência de proteína S-100 por anticorpos mono e policlonais, indicando uma superfície ectodérmica em vez de neuroectodermal (Figura 5)17.

 


Figura 5. Corte histológico de cisto estromal iriano: tanto a borda pupilar da íris quanto o músculo esfíncter estão intactos. O cisto intraestromal é recoberto anteriormente por uma delgada camada de estroma, refletida a partir da superfície iriana. Fonte: Paridaens et al.Spontaneous congenital non-pigmented epithelial cysts of the iris stroma.

 

A biomicroscopia ultrassônica desempenha papel fundamental no diagnóstico e na diferenciação entre cistos irianos e lesões do segmento anterior que simulam melanoma e tumores sólidos. Os cistos primários de epitélio pigmentar de íris e corpo ciliar caracterizam-se por apresentarem uma parede fina, regular, lisa, de média refletividade e conteúdo anecóico. Cistos do estroma iriano projetam-se para a câmara anterior e apresentam parede de maior espessura18. Em uma série de casos com 108 pacientes adultos nos quais se analisava diagnósticos diferenciais para lesões císticas do segmento anterior, apenas um caso foi identificado como cisto estromal, demostrando a infrequência desta patologia8.

Na literatura há relatos de casos para tratamento de cisto do epitélio pigmentar iriano com laserterapia utilizando-se de baixos parâmetros16, porém não há descrição terapêutica específica para cistos estromais com este método de abordagem. O diagnóstico acurado dos cistos irianos e sua correta classificação etiológica são essenciais para uma intervenção que promova redução dos sintomas e melhora da acuidade visual. O Nd:YAG laser surge como alternativa de tratamento no manejo da patologia, sendo necessário estudos prospectivos com maior número de casos para avaliar os potenciais benefícios e efeitos colaterais desta terapêutica.

 

REFERÊNCIAS

1. Rao A, Gupta V, Bhadanghe Y, Sharma R, Shields JA. Iris cysts: a review. Semin Ophthalmol. 2011 Jan;26(1):11-22.

2. Lois N, Shields CL, Shields JA, Mercado G, Potter P. Primary iris stromal cysts. A report of 17 cases. Ophthalmology. 1998 Jul;105(7):1317-1322.

3. Capó H, Palmer E, Nicholson DH. Congenital cysts of the iris stroma. Am J Ophthalmol. 1993 Aug;116(2):228-32.

4. Shields JA. Primary cysts of the iris. Trans Am Ophthalmol Soc. 1981;79:771-809.

5. Shields J, Shields C, Lois N, Mercado G. Iris cysts in children: classification, incidence and management. Br J Ophthalmol. 1999 Mar;83(3):334-8.

6. Shields CL, Kancherla S, Patel J, Vijayvargiya P, Suriano MM, Kolbus E, et al. Clinical survey of 3680 iris tumors based on patient age at presentation. Ophthalmology. 2012;119(2):407-14.

7. Costa JCL, Montenegro ACP, Santos AV, Dias MBC, Dias TJ, Stenio R. Symptomatic primary iris cysts treated with frequency-doubled Nd:YAG laser photocoagulation. Rev Bras Oftalmol. 2017;76(4):198-201.

8. Marigo FA, et al. Differential diagnosis of anterior segment cysts by ultrasound biomicroscopy. Ophthalmology. 1999 Nov;106(11): 2131-35.

9. Shields JA, Kline MW, Augsburger JJ. Primary iris cysts: review of the literature and report of 62 cases. Br J Ophthalmol. 1984 Mar;68(3):152-166.

10. Sugar HS, Nathan LE. Congenital epithelial cysts of the iris stroma. Ann Ophthalmol. 1982 May;14(5):483-5.

11. Coburn A, Messemer EP, Boniuk M, Font RL. Spontaneous intrastromal iris cyst: a case report with immunohistochemical and ultrastructural observations. Ophthalmology. 1985 Dec; 92(12):1691-95.

12. Mullaney J, Fitzpatrick C. Idiopathic cyst of the iris stroma. Am J Ophthalmol. 1973 Jul;76(1):64-8.

13. Georgalas I, Petrou P, Papaconstantinou D, Brouzas D, Koutsandrea C, Kanakis M. Iris cysts: a comprehensive review on diagnosis and treatment. Surv Ophthalmol. 2018 May/Jun;63(3):347-64.

14. Shields JA, Shields CL, Lois N, Mercado G. Iris cysts in children: classification, incidence and management. Br J Ophthalmol. 1999;83(3):334-8.

15. Shields CL, Arepalli S, Lally EB, Lally SE, Shields JA. Iris stromal cyst management with alcohol-induced sclerosis in 16 patients. JAMA Ophthalmol. 2014 Jun;132(6):703-8.

16. Shields CL, Shields PW, Manalac J, Jumroendararasame C, Shields JA. Review of cystic and solid tumors of the iris. Oman J Ophthalmol. 2013 Sep;6(3):159-64.

17. Paridaens AD, Deuble K, McCartney AC. Spontaneous congenital non-pigmented epithelial cysts of the iris stroma. BrJ Ophthalmol. 1992 Jan;76(1):39-42.

18. Ayres B, Allemann N, Nakanami C, Adan CBD. Cistos primários do epitélio pigmentar da íris e corpo ciliar: aspectos de biomicroscopia ultra-sônica. Arq Bras Oftalmol. 2000 Oct;63(5):337-343.

 

Financiamento: Declaram não haver.

Conflitos de Interesse: Declaram não haver.

Recebido em: 2 de Maio de 2019.
Aceito em: 13 de Agosto de 2019.


© 2024 Todos os Direitos Reservados