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1961

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Revisão Narrativa de Literatura

Ambliopia: revisão da literatura, definição, avanços e tratamentos

Amblyopia: literature review, definition, advances and treatment

Ambliopía: revisión de la literatura, definición, avances y terapia

Roberta M. B. Zagui

DOI: 10.17545/eOftalmo/2019.0020

RESUMO

Pesquisas recentes sobre a ambliopia enfatizaram novos conceitos e levaram a uma melhor compreensão dessa condição clínica comum que compromete a visão. A disfunção primária no sistema visual ambliópico ocorre na área visual primária ou córtex estriado (V1) e o efeito ambliópico pode ser amplificado nas áreas superiores do processamento cerebral. Várias funções visuais simples e complexas são afetadas na ambliopia e existem diferenças clínicas e funcionais significativas nos padrões de perda visual entre as categorias clinicamente definidas da ambliopia. Entretanto, a plasticidade neural significativa no cérebro ambliópico fora do "período crítico" tem o potencial de abrir as portas para vários tratamentos para a ambliopia, mesmo em adolescentes e adultos.

Palavras-chave: Ambliopia; Estrabismo; Anisometropia; Visão Binocular.

ABSTRACT

Recent research on amblyopia has highlighted new concepts and a better understanding of this common vision-threatening clinical condition. The primary dysfunction within the amblyopic visual system occurs in the primary visual area or striate cortex (V1) area, and the amblyopic effect can be amplified in the higher areas of brain processing. Various simple and complex visual functions are affected in amblyopia, and significant clinical and functional differences exist in the patterns of visual loss among the clinically defined categories of amblyopia. Nevertheless, the substantial neural plasticity in the amblyopic brain beyond the "critical period" can potentially open the door for various treatments for amblyopia, even in teens and adults.

Keywords: Amblyopia; Strabismus; Anisometropia; Vision, Binocular.

RESUMEN

Investigaciones recientes sobre la ambliopía han puesto de relieve nuevos conceptos y así se ha alcanzado una mejor comprensión de esa condición clínica común que compromete la visión. La disfunción primaria en el sistema visual ambliópico ocurre en el área visual primaria también conocida como córtex estriado (V1) y el efecto ambliópico pode amplificarse en las áreas superiores del procesamiento cerebral. Se afectan varias funciones visuales sencillas y complejas en la ambliopía y hay distinciones clínicas e funcionales significativas en los estándares de pérdida visual entre las categorías clínicamente definidas de la ambliopía. Sin embargo, la plasticidad neural significativa en el cerebro ambliópico fuera del "período crítico" tiene el potencial de abrir puertas a varias terapias para el cuidado de la ambliopía, aun en adolescentes y adultos.

Palabras-clave: Ambliopía; Estrabismo; Anisometropía; Visión Binocular.

INTRODUÇÃO

Definição

Ambliopia é clinicamente definida como a redução da acuidade visual (AV) em um ou ambos os olhos, causada por interação binocular anormal durante o período crítico do desenvolvimento visual, que não pode ser atribuída a qualquer anormalidade no sistema ocular ou visual, ou corrigida somente com o uso de correção óptica adequada1. A Academia Americana de Oftalmologia considera ambliopia uma diferença interocular de duas ou mais linhas em tabela da AV (sem especificar qual), ou AV igual ou inferior a 20/30 com a melhor correção óptica2.

Com prevalência de 3% a 6%, a ambliopia é a segunda causa mais comum de baixa AV em crianças e adultos. Indivíduos com ambliopia tem grande impacto social e econômico3,4, com opções limitadas de carreira e qualidade de vida reduzida incluindo menos contato social, desconforto cosmético (se associado a estrabismo), baixa autoestima, desorientação visual e medo de perder a visão no olho contralateral5-8.

Fisiopatologia

Classicamente definida como redução na AV, alteração da sensibilidade ao contraste de altas frequências espaciais e déficit da visão binocular, a ambliopia também afeta o desenvolvimento de uma ampla gama de funções neurais, sensoriais, oculomotoras e perceptuais da visão9-11.

As diferentes funções visuais não estão completamente desenvolvidas ao nascimento; seu desenvolvimento completo durante o período crítico do desenvolvimento visual na primeira infância depende de três condições fundamentais: estímulos adequados recebidos por ambos os olhos, paralelismo ocular (imagens correspondentes) e integridade das vias visuais.

Distúrbios na recepção dos estímulos recebidos pelo córtex visual durante este estágio plástico e instável do desenvolvimento visual impedem o uso apropriado das informações visuais, levando a um processo de adaptação neurosensorial: a ambliopia. Os efeitos no sistema visual serão intimamente relacionados ao momento do surgimento do distúrbio visual, sua intensidade, tipo e duração.

Quando o distúrbio do estímulo visual acontece de forma precoce, grave e não identificado/revertido durante os primeiros meses ou anos de vida, ele pode provocar modificação estrutural profunda do circuito neuronal visual, causando alterações morfológicas permanentes nas estruturas corticais do núcleo geniculado lateral e do córtex visual, levando a alterações irreversíveis na função visual final12.

Todavia, quando o distúrbio do estímulo visual é mais tardio e com menor gravidade, a anatomia celular do sistema visual é preservada, embora com a possibilidade de os neurônios do olho dominante inibirem ativamente os neurônios do olho afetado, o que também resulta em ambliopia. Nesses casos, o mecanismo neurológico inibe a imagem formada no olho afetado para facilitar o processamento da informação proveniente do olho normal13.

Pelo fato de a ambliopia ser um distúrbio do desenvolvimento visual, o diagnóstico precoce das alterações oculares associadas a ela é indispensável para o prognóstico visual, ao permitir o tratamento em um estágio em que os circuitos visuais ainda são passíveis de estimulação, recuperação e reversão do dano cortical.

As principais alterações oculares que predispõem à ambliopia são a privação de estímulos visuais (oclusão pupilar por ptose, opacidades do meio óptico, entre outros); alteração da nitidez do estímulo visual por erro refracional (altas ametropias e/ou anisometropia) e imagens não correspondentes recebidas por cada olho (estrabismo).

 

TIPOS DE AMBLIOPIA

Ambliopia por privação visual

Ocorre privação visual quando doenças oculares impedem que o estímulo luminoso alcance a retina impossibilitando o processamento visual normal. Quando a privação ocorre durante o período crítico do desenvolvimento visual, poderá causar ambliopia. Dentre as principais causas de privação visual temos: blefaroptose, catarata congênita e opacidades corneanas e vítreas.

Estudos pioneiros de Hubel e Wiesel demonstraram que suturar a pálpebra de gatos recém-nascidos, privando um dos olhos de receber estímulo luminoso, levava a diversas alterações anatômicas e funcionais nas vias visuais corticais. Além disso, foi observado que essas alterações eram mais drásticas quando a privação visual ocorria mais precocemente e era mais intensa e prolongada14-21.

De modo semelhante, vários autores comprovaram que a privação visual causa diferentes déficits na visão das crianças e que o período de início, gravidade e tempo de privação tem relação direta com os diferentes quadros clínicos da função visual final22.23.

O período ideal para tratar as causas da privação visual em humanos é durante os seis primeiros meses de vida. Após, esse período a eficácia do tratamento e a possibilidade de se alcançarem resultados visuais normais diminuem rapidamente24. Em especial, a gravidade da privação faz diferença nesses primeiros 6 meses. Por exemplo, catarata bilateral densa não tratada até os 3 meses de idade quase que certamente levará ao desenvolvimento de nistagmo, que irá limitar a AV de forma permanente25.

Ambliopia por privação visual causa alterações anatômicas profundas no sistema visual e tem importante impacto na AV e todas as outras funções visuais. Seu tratamento é desafiador, com resultados piores em relação aos outros tipos de ambliopia e com alta taxa de insucesso4,24,26.

Ambliopia por anisometropia

Anisometropia é a diferença de estado de refração entre os dois olhos de pelo menos uma dioptria27. Tem prevalência de 2% a 4,7% em crianças e pode ser miópica, astigmática ou hipermetrópica.

Anisometropia hipermetrópica é a mais passível de causar ambliopia, pois a retina do olho mais amétrope nunca recebe uma imagem clara e definida já que a fóvea do olho emétrope está focada, não havendo estímulo acomodativo para ajustar o foco do olho mais hipermétrope. Na anisometropia miópica, o olho mais amétrope pode ser usado para visão de perto, prevenindo ambliopias mais profundas1,28,29.

A anisometropia pode ser considerada uma forma moderada de privação do estímulo visual, pois o olho mais amétrope é impedido de receber um estímulo de boa qualidade na retina. Pode-se, portanto, esperar alterações anatômicas e funcionais semelhantes à ambliopia por privação30,31.

A gravidade da ambliopia não é diretamente relacionada à magnitude do grau de refração em si e sim à diferença de grau entre os dois olhos, sugerindo que mecanismos além do borramento óptico, especialmente interações binoculares anormais, estão envolvidos no risco de ambliopia31,32.

Apesar da diferença na qualidade das informações visuais recebidas de cada olho, na anisometropia ambos os olhos recebem imagens congruentes, diferente do estrabismo33,34, e por isso, a ambliopia por anisometropia pura classicamente provoca déficits significativos na AV, compatíveis com a perda de sensibilidade ao contraste de todas as frequências espaciais, mas com preservação relativa da visão binocular10,35,36.

A ambliopia por anisometropia pura tem o prognóstico mais favorável entre todos os tipos de ambliopia, por vezes obtendo-se recuperação surpreendente da AV apenas com o uso de correção adequada e mesmo com tratamentos tardios37. Estudos demonstraram que a presença da função binocular preservada ou subnormal é fator determinante para a recuperação do sistema visual, embora esses estudos tenham demonstrado que além do tratamento oclusivo monocular convencional, outras formas de tratamento binocular balanceado (dicóptico) são ideais para restaurar todas as funções visuais normais38-40.

Ambliopia por estrabismo

Estrabismo é o desvio de um olho com perda do paralelismo entre os olhos.

Consequentemente, o córtex visual não recebe imagens iguais provenientes de cada olho obrigando o sistema visual a se adaptar a essa alteração1.

Quando o sistema visual está completamente formado (em adultos), a percepção de imagens não correspondentes pelos dois olhos resulta em diplopia, mas quando o sistema visual está em seu período crítico de desenvolvimento (na infância), o cérebro ainda é capaz de usar mecanismos para evitar a diplopia, através da inibição da ativação das vias retinocorticais que se originam na fóvea do olho desviado. Este mecanismo adaptativo previne a diplopia, mas causa reestruturação dos circuitos visuais corticais, que causam ambliopia.

Tychsen e colaboradores demonstraram várias alterações da função visual em macacos com estrabismo assim como perda das conexões binoculares em V117-19,41. Essas alterações foram mais intensas em função da duração do desvio, sendo que os animais tratados com até 3 semanas de descorrelação recuperaram as funções visuais comprometidas.

O estrabismo causa modificação ou perda da conectividade das vias corticais de informação espacial, alterando a somação espacial e as inibições laterais dos estímulos recebidos e, consequentemente, impedindo a integração de contorno e forma. Ocorre uma distorção da visão espacial que interfere em várias tarefas visuais discriminativas, incluindo a AV de resolução, AV de Vernier (precisão do alinhamento), crowding, entre outras42-47.

No estrabismo, não há facilitação binocular para nenhum tipo de estímulo, a supressão é constante e intensa34. Há supressão também na fóvea do olho normal quando o olho amblíope é o fixador, indicando que a perda da AV não é relacionada apenas à supressão. Assim, é a supressão que leva à ambliopia no indivíduo estrábico e não o contrário, pois a inatividade do sistema pode interferir no processo de desenvolvimento sináptico48.

No estrabismo, os diferentes estímulos recebidos pelos olhos impedem a fusão normal da imagem, comprometendo a somação e visão binocular, a capacidade de discriminação de disparidade e visão de profundidade com alteração da acuidade visual estereoscópica, (estereopsia) e até mesmo a estabilidade postural6,49-56.

A ambliopia causada pelo estrabismo tem impacto importante na AV e na visão binocular sendo que a sensibilidade ao contraste pode se manter relativamente poupada.

Ambliopia mista

A ambliopia mista ocorre quando dois fatores ambliopiogênicos estão envolvidos, sendo mais comum a combinação de anisometropia e estrabismo, observada principalmente na esotropia parcialmente acomodativa, microtropia e síndrome de monofixação1,36.

Clinicamente, a ambliopia mista é mais grave, com déficits semelhantes das diferentes funções visuais. Há exacerbação dos padrões de perda de AV e de sensibilidade ao contraste e tipicamente, extinção da estereopsia. A magnitude do déficit de cada função visual dependerá do início concomitante ou em diferentes momentos do início da cada alteração visual (anisometropia/estrabismo)6.

 

OUTRAS ÁREAS CORTICAIS E FUNÇÕES COMPLEXAS AFETADAS PELA AMBLIOPIA

A ambliopia é, portanto, uma desordem neural provocada pela estimulação cerebral anormal durante o período crítico do desenvolvimento visual. Vários estudos indicam que a área cortical primariamente afetada pela ambliopia é V1. Indivíduos com ambliopia têm diminuição dos neurônios binoculares e dos neurônios responsáveis pelo olho amblíope em V1 além da supressão binocular ativa14,41,57-63.

Além dos déficits conhecidos no processamento visual, estudos recentes demonstraram que pacientes amblíopes apresentam também alterações no processamento de funções visuais corticais de alta ordem64, como deficiência na integração de movimento65, percepção e processamento de formas e contornos globais66-69, alteração na percepção de alinhamento (acuidade de Vernier) e simetria70,71. Além disso, foram observadas alterações em tarefas envolvendo componentes atencionais de alta ordem45,72-79, como enumeração de objetos, piscar atencional prolongado, fenômeno de crowding, processo de leitura e tomada de decisão visual. Evidências recentes mostram que a influência da ambliopia nos processos perceptivos se estende além da visão, atingindo o processamento multissensorial80, com anormalidades evidentes na percepção audiovisual da fala81-83, localização audiovisual espacial84 e tarefas de julgamento temporal85.

Esses déficits de alta ordem são também observados ao se examinar o olho contralateral45,86-88,89,90 e durante visão binocular75,80,91,92.

O elemento comum a todas essas tarefas sensoriomotoras é que não se limitam à AV, requerem processamento cortical tanto local quanto global67,93 e envolvem extração e segregação do sinal em relação ao ruído de fundo94-96, claramente implicando processos visuais de alta ordem35,97-99.

Estudos usando ressonância nuclear magnética funcional confirmaram os diferentes efeitos dos vários tipos de ambliopia sobre o córtex visual. Costa e colaboradores sugeriram desorganização mais profunda do arranjo cortical em pacientes com ambliopia por estrabismo, nos quais se notou perda da assimetria inter-hemisférica de processamento parvocelular e magnocelular dos estímulos visuais, ao passo que na ambliopia por anisometropia a assimetria cortical se mateve normal100-102.

 

DIAGNÓSTICO

Apesar das diversas deficiências da função visual, a ambliopia ainda é diagnosticada medindo somente a AV de resolução de optotipos. Crianças pré-verbais que não conseguem realizar essa tarefa podem ser diagnosticadas usando métodos comportamentais, tais como fixação preferencial, que é realizada observando-se o quanto a criança se opõe à oclusão de um olho em relação ao outro. Podem ser usados sistemas de classificação para medir a fixação preferencial103, assim como usar os cartões de acuidade de Teller104. O teste de AV por reconhecimento de optotipos (letras, números ou símbolos) deve ser feito assim que a criança for capaz de realizar essa tarefa de forma confiável105.

Visto que a ambliopia é uma deficiência visual comum e tratável, há grande preocupação com o seu diagnóstico precoce e com a determinação de tratamentos mais eficazes. A Academia Americana de Pediatria recomenda o screening precoce (3 a 5 anos de idade) da ambliopia, orientando pediatras ou médicos de família a testarem a visão das crianças como parte da consulta regular, incluindo o uso de técnicas de triagem com instrumentos para crianças pré-verbais106.

Estudos longitudinais randomizados demonstraram que a triagem melhora o prognóstico visual, reduzindo a prevalência da ambliopia em até 60%107. Novas tecnologias, como instrumentos de triagem visual, possibilitam que os profissionais de cuidados primários diagnostiquem a ambliopia nos estágios iniciais e encaminhem as crianças para tratamento oftalmológico especializado em tempo hábil para obter prognósticos mais favoráveis108-110,111.

 

TRATAMENTO

O padrão-ouro no tratamento da ambliopia é a oclusão do olho dominante para forçar o cérebro a usar os inputs provenientes do olho mais fraco, levando o córtex a superar a supressão para recuperar conexões e assim, melhorar o desenvolvimento das funções visuais do olho amblíope. Alternativas à oclusão são a penalização do olho dominante com uso de colírio de atropina, lentes filtrantes, borramento óptico com óculos ou lentes de contato e, mais recentemente, uso de estímulos binoculares (tratamento dicóptico).

Nos últimos 20 anos, grupos como PEDIG (Pediatric Eye Disease Investigator Group)112,113 e MOTAS (Monitored Occlusion Treatment of Amblyopia Study)114 conduziram ensaios clínicos randomizados para abordar as principais questões do tratamento oclusivo e tentar definir protocolos ideais de tratamento.

O PEDIG publicou 17 Estudos sobre o Tratamento de Ambliopia (ETA) que avaliaram o tratamento da ambliopia em crianças de 3 a 17 anos de idade, e os resultados mais significativos até o momento são:

1. A correção óptica isoladamente consegue melhorar a ambliopia em quase um terço dos pacientes37,115.

2. Oclusão é um tratamento eficaz para ambliopia116.

3. Foi avaliado o número ideal de horas de oclusão. Crianças de 3 a 17 anos de idade com ambliopia moderada foram randomizadas para uso de 2 horas de oclusão por dia, e comparadas com 6 horas diárias. Embora o grupo com oclusão de 6 horas tenha obtido resultado mais rápido, ao final de 4 meses de tratamento ambos os grupos alcançaram AV similar (AV de 20/30 ou pelo menos melhora de três linhas em relação aos valores iniciais), sem diferença estatisticamente significativa entre os grupos117. Outro trial avaliou ambliopia grave (20/100 a 20/400) e comparou o uso de 6 horas diárias de oclusão à oclusão em tempo integral. Ao final do período de tratamento, ambos os grupos obtiveram resultados favoráveis na AV de 4,8 linhas (6 horas) e 4,7 linhas (tempo integral), sem diferença estatisticamente significativa entre os grupos118. Entretanto, um número maior de horas de oclusão foi associado à pior adesão ao tratamento, com apenas 6% dos pacientes cumprindo o tempo prescrito119. Estes estudos não levaram em consideração tipos diferentes de ambliopia e outras variáveis e, portanto, não devem ser interpretados como novos guidelines de prescrição de oclusão; seus dados nos fornecem principalmente, informações úteis quanto ao efeito do número de horas prescrito sobre a AV. Ainda é indispensável personalizar o tratamento oclusivo para cada paciente, com base no momento de início da ambliopia e nas suas diferentes etiologias assim como adesão e resultado do tratamento3.

4. A penalização com atropina provou ser tão eficaz quanto a oclusão. Embora o grupo de oclusão tenha tido melhora mais rápida na AV, ao final de 6 meses de tratamento ambos os grupos obtiveram melhora equivalente na AV, que foi mantida durante longo período de seguimento (até 15 anos). Além da atropina diária, o uso de atropina uma vez por semana levou à melhora na AV com melhor adesão ao tratamento por parte dos pacientes120.

5. O tratamento da ambliopia é mais eficaz em pacientes com menos de 7 anos de idade. Apesar disso, crianças de até 13 anos de idade tiveram melhora significativa na AV com oclusão, embora com taxa mais lenta de resposta ao tratamento, recuperação incompleta e necessidade de maior quantidade de oclusão121.

6. O tratamento da ambliopia tem alta taxa de recidiva ao final do tratamento com taxas semelhantes para oclusão ou atropina (aproximadamente 25%). A taxa foi quatro vezes mais elevada em crianças que não passaram por redução gradual da oclusão por pelo menos 5 semanas após resolução da ambliopia. Outros fatores associados a altas taxas de recidiva foram: melhor AV no final do tratamento, maior número de linhas de melhora e histórico anterior de recidiva122,123.

7. Crianças que realizaram oclusão associada a atividades para visão de perto obtiveram melhor resultado que as crianças que não realizaram essas tarefas124,125.

Os resultados desta série de estudos devem ser analisados com cautela, pois não houve análise individual para cada tipo de ambliopia ou comparando ambliopias de início mais precoce ou mais tardio, fatores que, sabidamente, causam disfunções distintas nas funções visuais com prognósticos diferentes.

Reforçando, mais do que simplesmente propor novos regimes de tratamento oclusivo, os dados dos estudos do PEDIG ajudam-nos a entender o efeito do número prescrito de horas de oclusão. Sendo assim, os regimes terapêuticos convencionais permanecem válidos e cada caso deve ser analisado e tratado individualmente.

 

NOVAS PERSPECTIVAS EM AMBLIOPIA

O estudo da ambliopia ao longo desses anos possibilitou melhor compreensão da função cerebral. Desde que as pesquisas de Hubel e Wiesel demonstraram alterações anatômicas e funcionais no córtex visual primário em consequência da ambliopia em modelos animais, muito tem sido explicado sobre os efeitos da ambliopia no córtex visual e a importância do período crítico de plasticidade cerebral na efetividade do seu tratamento.

Duas grandes mudanças de paradigma no que diz respeito à ambliopia que esses anos de pesquisas trouxeram foram: a perspectiva de que o tratamento bem-sucedido da ambliopia é possível fora do período crítico clássico e de que a ambliopia é uma doença binocular e não somente monocular126.

Tratamento da ambliopia fora do período crítico

É sabido que o cérebro jovem tem maior plasticidade do que o cérebro adulto, mas também que o cérebro adulto ainda é capaz de aprender e se recuperar após uma lesão. Sendo assim, está claro que há plasticidade nos níveis sináptico, celular e da representação cortical no cérebro adulto. Uma interpretação deste contexto é que o período crítico termina com o aumento do limiar para plasticidade, mas não com seu fechamento completo; portanto, é necessário encontrar estímulos e estratégias de estimular a plasticidade de forma mais específica para o cérebro adulto11,126.

Foi descoberto que o circuito inibitório intracortical é fator fundamental na definição dos limites da plasticidade cortical. Foi demonstrado que uma breve redução da inibição GABAérgica em cérebros de ratos foi capaz de reabrir uma janela de plasticidade no sistema visual mesmo após o término do período crítico127. Desde então, várias formas intrínsecas e extrínsecas de estímulo da plasticidade foram empregadas para tentar facilitar o tratamento da ambliopia após o período crítico do desenvolvimento.

A estimulação intrínseca pode ser conseguida por meio da manipulação ambiental ou comportamental dos sistemas de neurotransmissores que regulam a plasticidade sináptica. É possível estimular este sistema através do enriquecimento ambiental (exercícios e melhora do ambiente visual), exposição prolongada ao escuro, restrição calórica e tarefas visuais novas ou desafiadoras (perceptual learning)11,128-132.

A estimulação extrínseca envolve a manipulação exógena do sistema neuromodulador endógeno. Um destes métodos é farmacológico, e o fármaco mais comumente usado para esta finalidade é a levodopa. Contudo, um ensaio clínico randomizado e controlado com placebo conduzido pelo PEDIG, mostrou que a melhora na AV com a levodopa não apresentou diferença estatisticamente significativa quando comparada ao placebo e que a melhora da AV no grupo tratado não se manteve durante o acompanhamento após a interrupção da medicação133.

Outra possibilidade seria o uso de substâncias que alteram a expressão dos genes para, remover os "obstáculos" moleculares sobre a plasticidade cortical134-137.

O sistema neuromodulador também pode ser acessado através de ativação direta e não invasiva com uso de correntes elétricas sublimiares ou estimulação magnética transcraniana. A estimulação transcraniana por corrente direta e a estimulação magnética transcraniana têm sido empregadas para facilitar a plasticidade em pacientes que sofreram acidente vascular cerebral (AVC) e em pacientes com ambliopia. Embora ambas as técnicas tenham demonstrado melhora na sensibilidade ao contraste e estereopsia os efeitos não foram clinicamente significativos138.

A ambliopia como doença binocular

A ambliopia tipicamente afeta a AV em um olho e por muito tempo foi considerada uma doença monocular. Por essa razão, o principal tratamento consiste na oclusão do olho dominante para melhora da função monocular do olho amblíope. Todavia, vários estudos demonstraram que a deficiência visual na ambliopia se estende além do comprometimento da AV monocular e afeta funções visuais de alta ordem, tais como visão binocular, estabilidade da fixação e atividades visomotoras, devido às interações interoculares anormais10,139,140. O elemento comum a essas alterações na ambliopia é que elas não são diretamente relacionadas a alteração da AV, mas requerem integração de informações através de regiões grandes de espaço e tempo, e envolvem a extração de um sinal a partir do ruído de fundo62. Essas deficiências não são corrigidas com o tratamento monocular e se mantem mesmo quando a AV se recupera após a oclusão.

Com base nesses achados, tem-se argumentado que a ambliopia é intrinsecamente um problema binocular, e que a supressão visual deve ser abordada durante o tratamento da ambliopia, em vez de se esperar pela melhora da visão binocular após a melhora da AV monocular com a terapia oclusiva. Com base nesta sugestão novos tratamentos binoculares foram propostos. Hess, Mansouri e Thompson propuseram um tratamento baseado no fortalecimento da combinação binocular das imagens através da redução gradual da supressão38,141,142. A estratégia utilizada foi apresentar imagens com diferentes contrastes para cada olho (máximo contraste na imagem apresentada ao olho amblíope e mínimo para o olho dominante) para combater a supressão; com essa abordagem binocular, indivíduos com ambliopia por estrabismo conseguiram combinar a informação dos dois olhos6. Baseado nesses achados, esses autores propuseram um novo tipo de tratamento para a ambliopia, comumente chamado de tratamento dicóptico. O objetivo, portanto, é estimular os dois olhos simultaneamente, promovendo a possibilidade de melhora da AV monocular do olho amblíope, enquanto combate a supressão e possibilita a normalização das interações binoculares para recuperar também a visão binocular.

Este conceito tem sido aplicado em formas ativas e passivas de treinamento para ambliopia. As modalidades de treinamento passivo incluem assistir filmes sob condições de visualização dicóptica39. O treinamento ativo usa jogos de videogame que requerem combinação binocular para completar o objetivo do jogo40,143-145. Ambas as estratégias do tratamento dicóptico, ativa e passiva, demonstraram resultados favoráveis com melhora da AV e em vários casos, normalização ou melhora da visão binocular, inclusive em indivíduos adultos.

Dados esses resultados promissores, o PEDIG conduziu um ensaio controlado e randomizado de grande porte em pacientes de 5 a 13 anos de idade, comparando os efeitos de jogar 1 hora diária do jogo Tetris com os da oclusão por duas horas diárias ao longo de 16 semanas. O estudo revelou baixa adesão ao regime de jogo prescrito e a melhora na AV com este jogo específico, não foi tão boa quanto com as 2 horas de oclusão diária146. Resultados similares foram observados em outro ensaio clínico randomizado multicêntrico (estudo BRAVO)147.

Apesar destes resultados desanimadores, os autores incentivam novas pesquisas usando outras estratégias e jogos mais atrativos para melhorar a adesão ao tratamento. como jogos de aventura e ação, jogos de tiro, realidade virtual e plataformas de jogos tridimensionais148-150. Isso porque, embora o tratamento dicóptico não tenha mostrado melhora superior à oclusão da AV e da estereopsia, todos os protocolos mostraram melhora no desempenho dos pacientes durante os jogos, o que sugere melhor interação binocular e menor supressão. Portanto, é fundamental avaliar a melhora de outras funções visuais que são alteradas na ambliopia, as quais dependem diretamente da interação binocular normal, como acuidade de Vernier, sensibilidade ao contraste de diferentes níveis de complexidade, tarefas de movimento global, estabilidade da fixação e até mesmo a qualidade de vida, a fim de avaliar a percepção subjetiva de cada indivíduo com relação às mudanças na sua visão.

Um estudo global e mais cuidadoso de indivíduos com ambliopia poderia ajudar-nos a definir, entender e classificar melhor a ambliopia, auxiliando na determinação de um tratamento mais personalizado e efetivo para cada paciente e explicar a grande variabilidade e falência da resposta ao tratamento151.

 

CONCLUSÃO

Pesquisas recentes sobre ambliopia introduziram novos conceitos e forneceram uma melhor compreensão dessa condição clínica comum que compromete a visão. Está definido que a disfunção primária no sistema visual do indivíduo amblíope ocorre na área V1 e que o efeito causado pela ambliopia pode estar presente e até ser amplificado em áreas de processamento de alta ordem. Comprovaram-se as diferenças significativas de natureza clínica e funcional entre os padrões de perda visual de cada uma das categorias clinicamente definidas da ambliopia. A descoberta de que há plasticidade neural significativa no cérebro amblíope após o "período crítico" potencialmente abriu portas para o estudo de novas modalidades de tratamento mesmo durante a adolescência e a vida adulta.

 

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Financiamento: Declaram não haver.

Conflitos de Interesse: Declaram não haver.

Recebido em: 29 de Abril de 2019.
Aceito em: 13 de Agosto de 2019.


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