Artigo

Acesso aberto Revisado por pares

208

Visualizações

 


Atualização

Esotropia para longe relacionada à idade

Age-related distance esotropia

Esotropía de lejos relacionada a la edad

Gustavo Henrique de Lima Melillo1; Marta Halfeld Ferrari Alves Lacordia2

DOI: 10.17545/eoftalmo/2019.0014

RESUMO

É cada vez maior a incidência de esodesvios para longe em pacientes adultos e idosos. Diferentes mecanismos etiopatogênicos já foram sugeridos para o seu desenvolvimento, sem contudo haver sido estabelecido consenso. Estudos recentes implicaram alterações involucionais dos tecidos conectivos da órbita no desequilíbrio entre ações da musculatura ocular extrínseca. Inicialmente, os portadores deste estrabismo acusam borramento visual para foco à distância, que progride para diplopia para longe. O esodesvio aumenta progressivamente e, com isso, a diplopia torna-se clinicamente significativa. Os casos podem ser conduzidos com a prescrição de prismas de base temporal ou cirurgia. Este artigo tem a proposta de revisar a literatura sobre o tema, sumarizando suas atualidades.

Palavras-chave: Esotropia; Transtornos da Motilidade Ocular; Diplopia.

ABSTRACT

The incidence of esodeviation at distance has been increasing in adult and elderly patients. Several etiopathological mechanisms have been suggested for its development, but a consensus has not yet been reached. Recent studies implicated involutional changes in the orbital connective tissues in the imbalance of extrinsic muscle actions. Initially, patients with this type of strabismus complain of blurred vision on distance fixation that progresses to diplopia at distance. The esodeviation increases gradually, and thus, diplopia becomes clinically significant. Cases may be managed by prescribing temporal prisms or with surgery. This paper presents a review of the literature on the topic and provides a summary of the current situation.

Keywords: Esotropia; Ocular Motility Disorders; Diplopia.

RESUMEN

Es cada vez mayor la incidencia de desvíos dirigidos hacia fuera en pacientes adultos y de edad. Diferentes mecanismos etiopatogénicos se sugirieron anteriormente para su desarrollo, sin haberse establecido un consenso. Estudios recientes implicaron alteraciones involucionales de los tejidos conectivos de la órbita en el desequilibrio entre acciones de la musculatura ocular extrínseca. Inicialmente, los portadores de este estrabismo acusan visión borrosa para enfocar distancia, que progresa a diplopía de lejos. El desvío hacia fuera aumenta progresivamente y, con eso, a diplopía se vuelve clínicamente significativa. Los casos pueden ser conducidos con la prescripción de prismas de base temporal o cirugía. Este artículo propone revisar la literatura sobre el tema, haciendo un resumen de sus actualizaciones.

Palabras-clave: Esotropía; Trastornos de la Motilidad Ocular; Diplopía.

INTRODUÇÃO

A comunidade oftalmológica reconhece pacientes adultos portadores de esotropia (ET) exclusivamente para longe desde o século XIX1,2. Diferentes mecanismos fisiopatogênicos já foram postulados, assim como distintas classificações e denominações foram propostas1–5.

Em 1883, Parinaud observou pacientes com completa incapacidade de divergência e associou o quadro a doenças neurológicas, cunhando o termo “paralisia de divergência” para o diagnóstico sindrômico1. Na década seguinte, Duane propôs o termo “insuficiência de divergência” ao observar um caso de esotropia maior para longe do que para perto com amplitude de divergência menor que cinco dioptrias prismáticas (Δ)2. Hoje, o termo mais apropriado para esta condição parece ser esotropia para longe relacionada à idade6,7 (ETLRI), uma vez que estudos de imagem da órbita mostram que alterações involucionais da musculatura ocular extrínseca (MOE) e tecidos conectivos poderiam ser a causa do desvio8–10 e a amplitude de divergência nem sempre está diminuída6.

As esotropias adquiridas podem ser classificadas como (1) tipo Swan, que ocorre após oclusão temporária de um olho11; (2) tipo Franceschetti, que ocorre sem causa aparente12; e (3) Bielchowsky, relacionada a olhos míopes13. A ETLRI se apropria das características dos tipos Franceschetti e Bielchowsky mantendo, porém, marcantes diferenças. Como o tipo Franceschetti, a ETLRI ocorre sem causa aparente; entretanto, a ETLRI é quase sempre apenas para longe. Já o tipo Bielchowsky normalmente afeta pacientes mais jovens do que a ETLRI, já possuidores de esoforia primária, tônus aumentado dos músculos retos mediais e falência do mecanismo fusional com diplopia constante6.

O aumento progressivo da incidência da ETLRI tem sido notado nos últimos 10 anos. Um estudo retrospectivo mostrou que a ETLRI respondia por 10,6% dos estrabismos iniciados na fase adulta14. Especula-se que, devido ao envelhecimento populacional, este tipo de estrabismo fique cada vez mais prevalente14.

 

QUADRO CLÍNICO

O quadro clínico normalmente se inicia com diplopia, que pode ser intermitente ou constante, para longe15–17. Não são incomuns as queixas de percepção da visão dupla ao dirigir ou observar uma tela a distância15. Precocemente, ainda com esodesvios menores do que 4Δ, as queixas podem se restringir a borramento visual ou percepção de duplo contorno em objetos a distância16. O exame estrabológico resulta na observação de uma esotropia para longe e exoforia, esoforia ou, mais frequentemente, ortoforia para perto. Ao diagnóstico, o desvio médio encontrado é de 6Δ para longe17. Desvios verticais são raramente observados6. Gradualmente, a esotropia para longe tende a aumentar e a diplopia, além de tornar-se mais significativa, é percebida cada vez mais próxima17. A amplitude de divergência está reduzida em comparação com a população présbita não estrábica, ainda que possa, também, ser normal6,17. Não há doença neurológica associada nem limitação da ação dos músculos retos laterais15. A distribuição das ametropias não segue um padrão específico nos pacientes. A sétima e oitava décadas de vida compõem a faixa etária de risco para instalação6,17. Um estudo de coorte relatou idade média de 74.3 anos17, enquanto uma análise retrospectiva chegou à média de 77.5 anos6.

 

ETIOLOGIA

A fisiopatogenia da ETLRI tem sido objeto de discussão e estudos de variadas naturezas. A insuficiência de divergência pode ser secundária a enfermidades neurológicas como neoplasias e infecções do sistema nervoso central, trauma, hipertensão intracraniana, doenças desmielinizantes, neurotoxicidade e patologias neurovasculares16. Explicar a origem da insuficiência de divergência na ausência de afecções neurológicas, entretanto, é desafiador. Guyton hipotetizou que ocorreria encurtamento dos músculos retos mediais e alongamento dos retos laterais decorrentes do aumento do tônus de convergência nos présbitas, especialmente nos hipermetropes hipocorrigidos, em que o esforço acomodativo é maior18. Chaudhuri e Demer, estudando imagens de ressonância magnética das órbitas de pacientes idosos portadores de esotropia maior para longe e desvios cicloverticais, sugeriram que o processo de envelhecimento dos tecidos conectivos e musculares levaria à alteração do posicionamento dos músculos retos horizontais, gerando desequilíbrio entre suas funções. Ao conjunto de alterações provocadas por esse processo, ele denominou “sagging eye syndrome8–10.

 

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

Esotropia maior para longe de instalação progressiva pode estar relacionada a outras condições. Em altos míopes, o esodesvio pode advir do deslocamento dos músculos oculares extrínsecos secundário ao alongamento do globo ocular. Diferentemente da ETLRI, entretanto, a esotropia para longe dos altos míopes pode vir acompanhada de hipofunção muscular19.

O espasmo acomodativo também pode ser responsável por endodesvio no olhar para longe. Nesta condição, decorrente de intenso esforço visual para perto, a astenopia e a miopia podem ser confundidas com as queixas iniciais dos pacientes portadores da ETLRI. A diferenciação pode ser feita pela idade do paciente, pois o espasmo de acomodação ocorre mais frequentemente em adultos mais jovens, entre a terceira e quinta décadas de vida20.

Tratamento

Godts et al seguiram uma coorte de portadores da ETLRI por pelo menos cinco anos, a fim de analisar a evolução de longo prazo da doença17. Os autores confirmaram que houve aumento estatisticamente significativo da esotropia para longe no período. O decréscimo da amplitude de convergência, contrariando estudos prévios, não foi significativo. Na medida em que o desvio aumenta, mas a amplitude fusional permanece a mesma, os pacientes começam a perceber diplopia binocular a distâncias cada vez mais curtas. O acompanhamento clínico com a prescrição de prismas de base temporal é normalmente a preferência dos oftalmologistas para desvios de até 12Δ, embora haja casos de sucesso frente a desvios maiores, de até 18Δ16. O peso das lentes prismáticas, aberração cromática e aparência inestética são fatores dificultadores na adaptação aos prismas. Prismas de Fresnel podem ser incorporados à prescrição para pacientes com desvios maiores que não têm a cirurgia como opção. Exercícios ortópticos não mostraram benefício no manejo da insuficiência de divergência16.

O manejo cirúrgico tem bons resultados no realinhamento ocular e resolução da diplopia em pacientes com grandes esodesvios ou intolerantes aos prismas. Inicialmente, a ressecção do músculo reto lateral foi estabelecida como o procedimento de escolha dos estrabólogos devido ao temor de que o recuo do músculo reto medial pudesse gerar insuficiência de convergência e hipercorreção para perto21. Stager et al trataram 57 pacientes com ressecção unilateral do reto lateral do olho não dominante, obtendo 86% de pacientes que não necessitaram procedimentos adicionais nem prismas, 10,5% que demandaram prismas para eliminação da diplopia residual e 3,5% que precisaram de nova abordagem cirúrgica22. Thacker et al realizaram 24 ressecções de retos laterais bilateralmente e 5 ressecções de reto lateral unilateralmente. Todos os pacientes obtiveram resultados satisfatórios, porém observou-se uma taxa de recorrência de 6,8% no decorrer do acompanhamento médio de 38,7 meses21.

O recuo do músculo reto medial também se mostrou uma opção bem sucedida em diversas séries de casos de correção cirúrgica de esotropia maior para longe relatadas na literatura. Bothun e Archer reportaram oito pacientes submetidos a recuo de retos mediais bilateralmente, dentre os quais três necessitaram de reoperação23. Insuficiência de convergência não foi observada no seguimento pós-operatório, mas exoforia média de 1,8Δ (intervalo de exoforia de 8Δ a esotropia de 10Δ) para perto foi reportada. Archer também revisou 267 casos de pacientes submetidos a recuo dos músculos retos mediais no tratamento de esotropia com padrão de incomitância longe-perto, e reportou 9% de exodesvios para perto como resultado24.

Chaudhuri e Demer revisaram resultados pós-operatórios de 93 pacientes submetidos a diferentes cirurgias para correção da sagging eye syndrome25. Os autores encontraram 14% de recorrência no grupo submetido a recuo do reto medial e 25% de recorrência naqueles em que foi realizada a ressecção do reto lateral. O trabalho envolveu também recorrência em grupos de pacientes submetidos a outros procedimentos, tais como imbricação do reto lateral ao reto superior com transposição superior do reto lateral (67%), tenotomia parcial dos retos verticais (17%) e recuo dos músculos verticais (22%), pois os pacientes tinham desvios cicloverticais associados. Os autores ponderaram que a recorrência deve ser interpretada levando-se em conta o progresso da deiscência dos tecidos conectivos da órbita.

A dose cirúrgica para a correção também é objeto de discussão. Alguns autores reportaram a necessidade de recuos dos retos mediais mais amplos que os preconizados pela tabela de Parks para os esodesvios26–28. Todavia, o sucesso terapêutico também foi relatado com recuos seguindo o planejamento padrão23.

 

CONCLUSÃO

A ETLRI é um diagnóstico em ascensão nos consultórios oftalmológicos. Embora alguns estudos responsabilizem o conjunto de alterações involucionais dos tecidos conectivos orbitários pelo esodesvio, a fisiopatogenia ainda permanece obscura. Ao diagnóstico, a exclusão de neuropatias é fundamental. A prescrição de prismas de base temporal pode ter resultados satisfatórios para desvios pequenos e moderados. A cirurgia é resolutiva na maior parte dos casos, sendo a ressecção dos retos laterais e o recuo dos retos mediais opções com bons resultados reportados na literatura.

 

REFERÊNCIAS

1. Parinaud H. Clinique nerveuse: Paralysis des mouvements associes des yeux. Arch Neurol (Paris). 1883;5:145-72.

2. Duane A. A new classification of the motor anomalies of the eyes based upon physiological principles, together with their symptoms, diagnosis and treatment. New York: Annals of Ophthalmology Otology; 1896 oct. p.969-1008.

3. Lyle DJ. Divergence insufficiency. AMA Arch Ophthalmol. 1954 dec;52(6):858-64.

4. Bruce GM. Ocular divergence: its physiology and pathology. Arch Ophthalmol. 1935 apr;13(4):639-60.

5. Scheiman M, Gallaway M, Ciner E. Divergence insufficiency: characteristics, diagnosis, and treatment. Optom Vis Sci. 1986 jun;63(6):425-31.

6. Oatts JT, Salchow DJ. Age-related distance esotropia – fusional amplitudes and clinical course. Strabismus. 2014 jun;22(2):52-7.

7. Mittelman D. Age-Related Distance Esotropia. J AAPOS. 2006 jun;10(3):212-3.

8. Clark RA, Demer JL. Effect of aging on human rectus extraocular muscle paths demonstrated by magnetic resonance imaging. Am J Ophthalmol. 2002 dec;134(6):872-8.

9. Chaudhuri Z, Demer JL. Sagging eye syndrome: connective tissue involution as a cause of horizontal and vertical strabismus in older patients. JAMA Ophthalmol. 2013 may;131(5):619-25.

10. Demer JL. Connective tissues reflect different mechanisms of strabismus over the life span. J AAPOS. 2014 aug;18(4):309-15.

11. Swan KC. Esotropia following occlusion. Arch Ophthal. 1947 apr;37(4):444-51.

12. Burian HM, Miller JE. Comitant convergent strabismus with acute onset. Am J Ophthalmol. 1958 apr;45(4 Pt 2):55-64.

13. Bielchowsky A. Das Einwärtsschielen der Myopen. Ber Dtsch Ophthalmol Ges. 1922;43:245-248.

14. Martinez-Thompson JM, Diehl NN, Holmes JM, Mohney BG. Incidence, types, and lifetime risk of adult-onset strabismus. Ophthalmology. 2014 apr;121(4):877-82.

15. Thomas AH. Divergence insufficiency. J AAPOS. 2000 dec;4(6):359-61.

16. Kirkeby L. Update on divergence insufficiency. Int Ophthalmol Clin. 2014 summer;54(3):21-31.

17. Godts D, Deboutte I, Mathysen DGP. Long-term evolution of age-related distance esotropia. J AAPOS. 2018 apr;22(2):97-101.

18. Wright WW, Gotzler KC, Guyton DL. Esotropia associated with early presbyopia caused by inappropriate muscle length adaptation. J AAPOS. 2005 dec;9(6):563-6.

19. Kohmoto H. Divergence insufficiency associated with high myopia. Clin Ophthalmol. 2010 dec;11-16.

20. Sarkies NJ, Sanders MD. Convergence spasm. Trans Ophthalmol Soc U K. 1985;104( Pt 7):782-6.

21. Thacker NM, Velez FG, Bhola R, Britt MT, Rosenbaum AL. Lateral rectus resections in divergence palsy: results of long-term follow-up. J AAPOS. 2005 feb;9(1):7-11.

22. Stager DR, Black T, Felius J. Unilateral lateral rectus resection for horizontal diplopia in adults with divergence insufficiency. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2013 jun;251(6):1641-4.

23. Bothun ED, Archer SM. Bilateral medial rectus muscle recession for divergence insufficiency pattern esotropia. J AAPOS. 2005 feb;9(1):3-6.

24. Archer SM. The effect of medial versus lateral rectus muscle surgery on distance-near incomitance. J AAPOS. 2009 feb;13(1):20-6.

25. Chaudhuri Z, Demer JL. Long-term Surgical Outcomes in the Sagging Eye Syndrome. Strabismus. 2018 mar;26(1):6-10.

26. Mittelman D. Surgical management of adult onset age-related distance esotropia. J Ped Ophthalmol Strabismus. 2011 jul/aug;48(4):214-6.

27. Chaudhuri Z, Demer JL. Medial rectus recession is as effective as lateral rectus resection in divergence paralysis esotropia. Arch Ophthalmol. 2012 oct;130(10):1280-4.

28. Repka MX, Downing E. Characteristics and surgical results in patients with age-related divergence insufficiency esotropia. J AAPOS. 2014 aug;18(4):370-3.

 


Gustavo Henrique de Lima Melillo
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5652746370496594
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3280-4738

Marta Halfeld Ferrari Alves Lacordia
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4777310256357609
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4296-4871
p>Financiamento: Declaram não haver

Conflitos de interesse: Declaram não haver

Recebido em: 18 de Dezembro de 2018.
Aceito em: 3 de Abril de 2019.


© 2024 Todos os Direitos Reservados