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Tomografia de coerência óptica em pacientes submetidos à facectomia

Optical coherence tomography in patients undergoing phakectomy

Laurentino Biccas Neto1; André Correa Maia de Carvalho2; Guilherme Sturzeneker Cerqueira Lima3

DOI: 10.17545/e-oftalmo.cbo/2017.89

RESUMO

A Sociedade Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa (ABCCR/ BRASCS) escolheu este tema para atualização entendendo que a tomografia de coerência óptica (OCT) é hoje um recurso fundamental na avaliação pré e pós-operatória de rotina de todo paciente que será submetido à cirurgia eletiva de catarata. Os autores enfatizam nesta revisão o papel importante que a OCT tem para os casos que não obtiveram a melhora esperada da acuidade visual ou para o acompanhamento dos pacientes com DMRI e DM, pela possibilidade de agravamento da afecção macular.

Palavras-chave: Extração de catarata; Tomografia de coerência óptica; Fóvea central; Acuidade visual.

ABSTRACT

The Brazilian Association of Cataract and Refractive Surgery (ABCCR/BRASCS) chose to present an update on this topic because they currently consider optical coherence tomography (OCT) as an essential resource for the preoperative and postoperative evaluation of patients undergoing elective cataract surgery. In this review, the authors emphasize the important role of OCT in cases in which the expected improvement in visual acuity was not achieved or in the follow-up of patients with age-related macular degeneration and diabetes mellitus because of the possibility of worsening of the macular condition.

Keywords: Cataract extraction; Tomography; Optical coherence; Fovea centralis; Visual acuity.

1. INTRODUÇÃO

Cada vez mais a cirurgia de facectomia tem sido vista como um procedimento seguro, de bom êxito funcional e previsibilidade refracional. Com o uso de lentes intraoculares "premium" -asféricas, tóricas, multifocais -os pacientes cobram excelência de resultados e previsibilidade refrativa. Para identificar o potencial final de acuidade visual no pós-operatório, além de outras alterações que possam afetar tal resultado, diferentes testes podem serrealizados a depender da situação, como o Potencial de Acuidade Macular (PAM), Oftalmoscopia Binocular Indireta (OBI), entre outros. A tomografia de coerência óptica espectral (SD-OCT) é um valioso recurso a favor do cirurgião para detectar condições pré-operatórias que possam interferir negativamente no resultado almejado e também para identificar situações pós-operatórias que necessitem de intervenção. Algumas vezes a OCT pode inclusive sugerir a etiologia de um edema cistoide no pós-operatório, quando previamente à cirurgia não havia boa visualização do fundo de olho.

 

2. SITUAÇÕES PRÉ-OPERATÓRIAS QUE PODEM INTERFERIR NO RESULTADO VISUAL FINAL

2.1. Alterações na interface vitreomacular

As alterações que surgem com o envelhecimento da interface vitreomacular podem causar problemas como a síndrome da tração vitreomacular, membranas epirretinianas e buracos maculares veros e lamelares. Caso essas situações não sejam identificadas -e eventualmente tratadas -antes da abordagem da catarata, podem limitar o resultado final. Esse é um aspecto especialmente importante quando se implantam lentes intraoculares multifocais, que habitualmente causam um decaimento na sensibilidade ao contraste e cursam com fenômenos disfotópicos que podem ser ainda mais sintomáticos na vigência de problemas maculares. Além disso, a anteriorização do corpo vítreo que surge após a remoção do cristalino pode eventualmente agravar os quadros supramencionados, especialmente na tração vitreomacular.

 


Figura 1. Paciente candidata a implante de LIO multifocal tórica, encaminhada para mapeamento de retina pré-operatório.
Exame de OCT em olho direito mostra presença de membrana epirretiniana e buraco de mácula lamelar em instalação.
Essas alterações haviam passado despercebidas antes da tomografia.

 

 


Figura 2. Paciente de 72 anos com catarata bilateral, encaminhada para mapeamento de retina pré-operatório candidata a LIO multifocal. Exame de OCT mostra presença de tração vitreomacular bilateral. Na oftalmoscopia binocular indireta não foram percebidas as sutis alterações foveais.

 

2.2. Sínquises cintilantes

Patologia historicamente conhecida como cholesterolosis bulbi,1 são cristais degenerados de colesterol no humor vítreo que surgem em condições específicas após a quebra da barreira hemato-ocular, como trauma ocular, inflamação ocular crônica e descolamento de retina de longa data. Nesse cenário, o exame de SD-OCT permite um detalhamento anatômico da mácula, muito superior à avaliação clínica.

 


Figura 3. Paciente masculino de 70 anos com prejuízo importante do mapeamento de retina por sínquises cintilantes. Em contraste, exame de OCT apresentando-se com qualidade preservada (corte vertical e horizontal, respectivamente), possibilitando a detecção de patologia macular.

 

2.3. Degeneração Macular Relacionada à Idade (DMRI)

Degeneração macular relacionada à idade (DMRI) e catarata são causas comuns de baixa visual na população em envelhecimento. Avanços recentes no tratamento da DMRI exsudativa têm sido bem sucedidos em estabilizar e/ou até melhorar a visão em uma grande proporção de casos.2,3,4,5 Não é, portanto, incomum nos depararmos com pacientes portadores de DMRI que desenvolvem catarata visualmente significativa. Entretanto, existe preocupação a respeito do risco de exacerbar a neovascularização de coroide ou acelerar a evolução da atrofia geográfica.

Uma análise dos olhos com DMRI seca incluídos no estudo AREDS (Age-Related Eye Disease Study) que foram submetidos à facectomia foi realizada por Chew e colaboradores,6 que definiram piora da doença como conversão para a forma exsudativa, aparecimento de atrofia geográfica ou atrofia geográfica com envolvimento central. Os resultados não demonstraram efeito claro da cirurgia de catarata que contribuísse para a progressão.

Já no âmbito da DMRI exsudativa, estudos retrospectivos não comparativos encontraram uma melhora da acuidade visual após a cirurgia de catarata, com um aumento transiente da espessura macular média na OCT -associado ou não à presençade cistos - nos três primeiros meses,7 com retorno progressivo aos níveis basais.8 É, portanto, possível que as características vistas na OCT possam estar inibindo os oftalmologistas a expandirem os intervalos entre as injeções após a cirurgia. Até o momento não se prosseguiu metodicamente com o acompanhamento por OCT além desse período, sendo ainda incerto se essas mudanças anatômicas representam uma contribuição transitória do edema macular cistoide do pseudofácico ou uma piora da DMRI exsudativa. De qualquer maneira, tratamentos com anti-VEGF são benéficos para ambas as doenças.9,10,11

Angiografia fluoresceínica pós-operatória não foi realizada rotineiramente para distinguir um edema macular cistoide pós-operatório de neovascularizaçãode coroide secundária a DMRI exsudativa. Se essas mudanças representarem edema macular cistoide, talvez o uso combinado mais uniforme de esteroides tópicos, esteroides subconjuntivais e anti-inflamatórios não-esteroidais (AINEs) tópicos poderia reduzir oueliminar esses achados.12,13 O edema macular persistente poderia ter implicações mais profundas além da perda da acuidade visual, como diminuição da sensibilidade ao contraste ou da percepção de cores. A preservação dessas habilidades é de fundamental importância em casos de DMRI exsudativa avançada com potencial visual limitado.

Apesar do uso intraoperatório corriqueiro de Bevacizumab intravítreo com bons resultados visuais e tomográficos,14,15 esses estudos não possuíam grupo-controle, dificultando a elucidação entre a eficácia de uma dose intraoperatória versus a necessidade de terapia mais intensiva no perioperatório. Além do mais, um melhor entendimento das mudanças observadas na OCT pode ajudar a esclarecer se a terapia intraoperatória com anti-VEGF é superior ao uso perioperatório de esteroides e AINEs em olhos com DMRI exsudativa.

Os estudos citados alegam que a cirurgia de catarata pode ser realizada com segurança no contexto da DMRI exsudativa. Porém, nossos resultados refletem um padrão cauteloso da prática, na qual apenas os olhos com doença mais estável procedem à realização da facectomia. As aplicações clínicasdesses achados devem acontecer num contexto similar, considerando que o efeito da cirurgia de catarata em olhos com DMRI exsudativa não foi ainda estudado em ensaios clínicos randomizados, e que tal tipo de estudo seriaprovavelmente antiético.

2.4. Glaucoma

A presença de opacidade dos meios pelas cataratas pode dificultar a observação de dano glaucomatoso, especialmente em nervos ópticos ”saucerizados” e nos portadores de danos focais. A SD-OCT permite um diagnóstico preciso e inequívoco desses cenários, o que pode sinalizar um mau candidato a receber lentes multifocais ou, em casos de dano glaucomatoso avançado, mudar a estratégia da cirurgia - realizar combinada com cirurgia antiglaucomatosa, usar parâmetros pressóricos mais baixos na facoemulsificação ou reforçar o controle pressórico pré-operatório.

 


Figura 4. Paciente encaminhada para facectomia bilateral com implante de LIO. Exame de ambos os olhos prejudicado pela importante opacidade de meios. Não havia referência do glaucoma instalado com índices discais, de camada de fibras nervosas retinianas eda espessura do complexo ganglionar alterados, nem do dano focal inferior (Hoyt) em olho direito.

 

3. CONDIÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS QUE NECESSITAM DE ATENÇÃO

3.1. Edema cistoide pós-facoemulsificação

O edema macular cistoide (EMC) pós-facoemulsificação, também conhecido como síndrome de Irvine-Gass, é uma causa comum de baixa visual inesperada após cirurgia de catarata. A patogênese exata do EMC é incerta; entretanto, permeabilidade vascular aumentada por mediadores inflamatórios pode ter um papel central.16 Atualmente na literatura, não há um método validado ou universalmente aceito para o diagnóstico de EMC do pseudofácico.17,18 Apesar da angiografia fluoresceínica ainda ser o padrão-ouro,19 o diagnóstico pode ser realizado clinicamente através de biomicroscopia de fundo com lâmpada de fenda e, mais recentemente, com tomografia de coerência óptica (OCT).

Vários fatores pré e pós-operatórios podem aumentar a incidência de EMC após a facectomia: trauma de íris ou ruptura da cápsula posterior, perda vítrea, fixação iriana da lente intraocular, retinopatia diabética, oclusões venosas retinianas, membrana epirretiniana ou uveítes.19,20,21,22,23

A síndrome de Irvine-Gass não é frequentemente encontrada após facoemulsificação realizada com pequenas incisões, com uma incidência de 0,1% a 2,4% quando diagnosticada clinicamente e de 4 a 11% quando avaliada com exame de OCT.24

Não é incomum, entretanto, encontrarmos EMC em olhos outrora saudáveis após cirurgia de facoemulsificação realizada sem intercorrência.25,26

Clinicamente, a baixa visual subsequente é geralmente autolimitada. Entretanto, essa condição permanece um desafio terapêutico, especialmente porque a doença pode persistir por vários meses com dano estrutural irreversível e o EMC crônico pode ter influência na integridadeda junção dos segmentos internos e externos dos fotorreceptores.

3.2. Edema macular diabético

Enquanto que na síndrome de Irvine-Gass acredita-se que o edema macular seja causado pela liberação de citocinas pró-inflamatórias, no cenário do diabetes ele é justificado pelo stress oxidativo induzido pela hiperglicemia, deposição de produtos glicados, fluxo sanguíneo prejudicado, hipóxia, perda de pericitos, perda de células endoteliais e, também, pela inflamação.27,28 Na maioria das vezes, a anamnese e apresentação clínica facilmente selam o diagnóstico, mas ocasionalmente essa diferenciação pode se tornar difícil, como por exemplo, nos pacientes diabéticos com edema macular após cirurgia de catarata.

De acordo com a patologia de base, estuda-se que a aparência morfológica do edema macular possa serdiferente. Em estudo recente usando SD-OCT,29 foram encontradas características mais típicas que facilitam essa diferenciação diagnóstica por exame de imagem. Aumento do índice espessura macular central/volume retiniano, ausência de membrana epirretiniana e presença de cistosintrarretinianos predominantemente na camada nuclear interna fortalecem a hipótese de Irvine-Gass, enquanto que aumento do índice espessura da camada nuclear externa/nuclear interna, ausência de fluido subrretiniano, presença de exsudatos duros ou microaneurismas e cistos concentrados na camada de células ganglionares e/ou na camada de fibras nervosas reforçam a hipótese de edema diabético.

 


Figura 5. Exemplos representativos para a diferenciação diagnóstica por imagem de OCT entre o edema macular diabético (A) e a síndrome de Irvine-Gass (B).

 

Em 2009, Hayashi e colaboradores30 realizaram OCT (Stratus) em pacientes diabéticos que foram submetidos a facectomia com implante de lente intraocular. A amostra final continha 34 olhos sem e 34 olhos com retinopatia diabética. O exame foi realizado um dia antes da cirurgia e três, seis e doze meses depois: houve aumento da espessura foveal em ambos os grupos, porém mais significativo nos portadores de retinopatia.

Outro estudo em 2010, também com OCT de domínio temporal,31 comparou a espessura foveal de 18 olhos com retinopatia diabética em relação a 36 olhos hígidos, no pré e no pós-operatório (um, sete, trinta e sessenta dias), sempre utilizando o olho contralateral como controle. Foram excluídos os pacientes com qualquer outra patologia ocular, além dos casos de retinopatia diabética não proliferativa grave e formas proliferativas. Um aumento da espessura foveal foi encontrado em ambos os grupos, sugerindo que nãohouve influência estatisticamente significativa do diabetes no espessamento macular após cirurgia de catarata não complicada.

Portanto, ainda há carência de estudos clínicos controlados e bem desenhados nesse assunto, especialmente na atual era dos aparelhos de tomografia de coerência óptica.

 

4. CONCLUSÃO

A realização da tomografia de coerência óptica é um recurso fundamental na avaliação de rotina de todo paciente que será submetido à cirurgia eletiva de catarata. O fato de ser um exame tecnicamente simples, rápido e não invasivo corrobora ainda mais o seu uso em maior escala. Ademais, à medida que esse equipamento se torna mais popular, subsequentemente seu custo será menor.

Além da maior acurácia durante a avaliação pré-operatória, a OCT ainda permite o monitoramento detalhado da mácula no pós-operatório, sendo de suma importância para os casos que não obtiveram a melhora esperada da acuidade visual ou rotineiramentenos pacientes com DMRI e DM, pela possibilidade de agravamento da patologia macular.

 

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Fonte de financiamento: declaram não haver.

Conflito de interesses: declaram não haver.

Recebido em: 16 de Dezembro de 2016.
Aceito em: 23 de Dezembro de 2016.


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