Luisa Nardino Gazzola1; Maurício Zimmermann Carrion2; Alexandre Grandinetti3
DOI: 10.17545/eOftalmo/2017.97
RESUMO
Um caso de membrana neovascular subretiniana idiopática (CNVM) é descrito em um paciente de 12 anos, do sexo masculino. No exame inicial, sua visão era de 20/100 no olho esquerdo (OE). A angiografia por fluoresceína e a tomografia por coerência óptica (OCT) mostraram uma membrana neovascular coroidal clássica do tipo 2. O ranibizumab intravítreo foi injetado no OE, três vezes, com um intervalo de 30 dias entre as injeções. Em uma visita de acompanhamento, 3 semanas após a terceira injeção, sua acuidade visual melhor corrigida no olho esquerdo foi de 20/20, com resolução completa de fluido na OCT. Este caso é incomum, na medida em que a CNVM se desenvolveu em um paciente jovem sem história médica passada significativa e na ausência de um processo epitelial de pigmento coroideo ou retiniano que poderia estar associado a uma CNVM.
Palavras-chave: Neovascularização de Coroide; criança; Ranibizumab.
ABSTRACT
A case of idiopathic choroidal neovascular membrane (CNVM) is described in a 12-year-old male patient. On initial examination, his vision was 20/100 in the left eye (OS). Fluorescein angiography and optical coherence tomography scan (OCT) showed a classic type 2 choroidal neovascular membrane. Intravitreal ranibizumab was injected into the OS, three times, with an interval of 30 days between injections. At a follow-up visit, 3 weeks after the third injection, his best corrected visual acuity in the left eye was 20/20, with complete resolution of fluid on the OCT. This case is unusual, in that the CNVM developed in a young patient with no significant past medical history and in the absence of a choroidal or retinal pigment epithelial disease process that may be associated with a CNVM.
Keywords: Choroidal Neovascularization; child; Ranibizumab.
INTRODUÇÃO
A neovascularização coroidal (CNV) é caracterizada pelo crescimento de novos vasos sanguíneos que se originam da coróide através de uma ruptura na membrana de Bruch no epitélio do pigmento sub-retinal (sub-RPE) ou no espaço sub-retiniano1,2. A membrana neovascular geralmente ocorre na mácula ou na margem do disco óptico e, muitas vezes, libera sangue e fluido, resultando em morte de células fotorreceptoras1.
A causa mais comum da CNV em adultos é a degeneração macular relacionada à idade, que constitui a principal causa de cegueira na Europa e na América do Norte1,2. A neovascularização coroidal subfoveal em crianças é um evento raro, geralmente ocorrendo como uma complicação de doença coriorretinária inflamatória ou infecciosa3.
Outras causas de CNV pediátrica, incluindo anormalidades do desenvolvimento, distrofias e trauma, já foram descritas4,5,6. No entanto, um número significativo de pacientes jovens com CNV, sem nenhuma causa aparente detectada, apresenta CNV idiopática7,8. Essas membranas são geralmente unilaterais e os resultados visuais finais são considerados mais favoráveis do que aqueles da CNV devido à degeneração macular relacionada à idade (AMD) 8,9. Existem apenas alguns relatos na literatura descrevendo a CNV idiopática em pacientes jovens8,10. As opções atuais de controle da CNV subfoveal pediátrica incluem: observação, fotocoagulação a laser, terapia fotodinâmica, terapia com agentes anti fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF) e cirurgia submacular6,11.
Neste relato, descrevemos o caso de um menino de 12 anos diagnosticado com membrana neovascular coroóide idiopática no olho esquerdo, tratado com sucesso com três doses de ranibizumab intravítreo.
RELATO DO CASO
Um estudante de 12 anos, do sexo masculino, foi encaminhado para avaliação da diminuição da visão no olho esquerdo (OE). Não havia histórico de dor, vermelhidão, fotofobia ou trauma. O histórico médico pregresso não tinha nenhum dado digno de nota. Ao exame, sua acuidade visual melhor corrigida era de 20/20 no olho direito (OD) e de 20/100 no olho esquerdo (OE). O exame do segmento anterior apresentou-se normal em ambos os olhos (AO). Na biomicroscopia do pólo posterior do olho esquerdo, observou-se neovascularização coroidal subfoveal com hemorragia sub-retiniana. O exame de fundo do olho direito não revelou nada digno de nota. Em AO, não foram observadas drusas, nem alterações epiteliais do pigmento da retina ou exsudatos maculares.
A angiografia com fluoresceína (Figura 1) mostrou uma área hiperfluorescente bem definida, correspondente à CNV no olho esquerdo, com vazamento difuso na fase tardia. Uma tomografia de coerência óptica (OCT) mostrou uma membrana neovascular corooidal tipo 2 clássica (Figura 2). Após o consentimento informado, o paciente foi sedado com Propofol e o olho esquerdo foi anestesiado usando gotas tópicas de tetracaína a 1% e, em seguida, o ranibizumab intravítreo (Lucentis) foi injetado no olho esquerdo supratemporalmente 3,5 mm posterior ao limbo, a uma dose de 0,05 ml / 0,5 mg. Esse procedimento foi repetido três vezes com um intervalo de 30 dias entre as injeções. Em uma visita de acompanhamento, 3 semanas após a terceira injeção, sua acuidade visual melhor corrigida no olho esquerdo foi de 20/20, com resolução completa de fluido na OCT (Figura 3). O paciente permanece sob acompanhamento e seu último OCT, realizado 5 meses após a última injeção, demonstrou a ausência de líquido e cicatrizes da membrana neovascular coroidal na região parafoveal (Figura 4).
DISCUSSÃO
Embora o curso clínico da CNV subfoveal secundário à AMD esteja bem documentado na literatura, existe pouca informação sobre a história natural e o tratamento da CNV na faixa etária pediátrica. Devido à ocorrência rara dessa entidade, não há muitos relatos publicados na literatura, o que às vezes representa um desafio para o controle dessa condição3.
Diferentes abordagens de tratamento já foram descritas para pacientes com CNV: terapia a laser térmica, terapia fotodinâmica ocular com verteporfina, termoterapia transpupilar, cirurgia submacular, injeções intravítreas de agentes anti-VEGF8 ou observação1.
A fotocoagulação com laser da CNV extrafoveal e justafoveal geralmente pode ser realizada com segurança em adolescentes e crianças mais velhas que sejam colaborativas, utilizando-se técnicas similares às utilizadas em adultos1. Por outro lado, uma vez que o curso natural da CNV idiopática é melhor do que o observado na AMD, a terapia com laser térmico não parece ser uma opção de tratamento adequada devido ao risco de diminuição imediata da visão central. A terapia fotodinâmica é muito onerosa e normalmente requer sessões repetidas8.
Von Eiken et al. relataram sucesso com a terapia fotodinâmica em um caso de uma menina de 5 anos com CNV subfoveal12. Atualmente, a termoterapia transpupilar não é mais utilizada, pois pode ser perfeitamente substituída por agentes anti-VEGF8.
Estudos anteriores sobre a cirurgia submacular em CNV pediátrica relataram bons resultados visuais para membranas de várias etiologias, com 92% de pacientes apresentando melhora na acuidade visual. No entanto, alguns olhos nunca alcançaram visão melhor do que 20/400 e houve relatos de recorrências6. Em uma série de casos relatados por Goshorn et al., 58% dos pacientes não tratados apresentaram involução espontânea, com uma acuidade visual final superior a 20/50. No entanto, 90% dos pacientes com acuidade visual inicial inferior a 20/200 atingiram a acuidade visual final inferior a 20/80. As CNVs tinham múltiplas causas e 5 das 11 CNVs eram extrafoveais ou peripapilares13.
O uso bem sucedido de terapias anti-VEGF em pacientes mais jovens, principalmente em neonatos com retinopatia da prematuridade, permitiu a aplicação desse tratamento a outras condições pediátricas3. Cakir e colaboradores relataram a regressão de membrana neovascular coroidal, com melhorias documentadas na acuidade visual em duas crianças, após o tratamento com bevacizumab10. Kohly et al. apresentaram quatro casos em que o uso de agentes intravítreos anti-VEGF para o tratamento de CNVs pediátricas resultou em melhora ou estabilização de VA e resolução significativa de fluido em OCT11. Mandal et al. relataram resultados de bevacizumab intravítreo (1,25 mg / 0,05 mL) em 32 olhos com CNV subfoveal idiopática. Após 12 semanas de acompanhamento, 19 olhos (59%) apresentaram melhora no BCVA de três ou mais linhas, 11 olhos (34%) permaneceram estáveis e dois olhos (6%) perderam três ou mais linhas. Esses resultados sugerem que o uso a curto prazo do bevacizumab intravítreo é seguro e bem tolerado no controle da CNV idiopática5. A injeção de bevacizumab deve ser repetida se a OCT mostrar o distanciamento epitelial do líquido intraretinal/sub-retiniano e/ou pigmentar em um intervalo de 4-6 semanas8.
Embora as injeções intravítreas anti-VEGF parecem apresentar uma baixa taxa de complicações, possíveis complicações oculares incluem endoftalmite bacteriana, desprendimentos de retina e uveíte14. Os efeitos colaterais sistêmicos após injeções intravítreas anti-VEGF tem sido motivo de debate. Há relatos de elevação aguda da pressão arterial e de acidente vascular cerebral15. Tudo isso deve ser informado ao paciente e à sua família e o consentimento informado deve ser obtido antes da terapia8.
CONCLUSÃO
Os estudos em andamento sobre o monitoramento de toxicidades oculares e sistêmicas são vitais para o estabelecimento do perfil de segurança a longo prazo de drogas anti-VEGF em crianças. No caso do nosso paciente, a CNV regrediu com resolução completa do líquido intraretinal, a acuidade visual melhorou significativamente após injeções de ranibizumab e nenhum efeito adverso atribuível ao medicamento ou ao procedimento foi observado no período de acompanhamento. No entanto, o paciente continua sob acompanhamento e, caso haja recorrência de CNV, uma nova injeção será realizada. Não podemos comentar sobre a eficácia, as limitações e os efeitos colaterais a longo prazo do tratamento com base no presente caso. Para isso, recomendamos a realização de um estudo multicêntrico prospectivo randomizado controlado.
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Fonte de financiamento: declaram não haver.
Conflito de interesses: declaram não haver.
Recebido em:
5 de Março de 2017.
Aceito em:
12 de Abril de 2017.