Sidney Julio Faria-e-Sousa1; Gleilton Carlos Mendonça2; Gustavo Victor3
DOI: 10.17545/e-oftalmo.cbo/2015.26
RESUMO
O objetivo deste trabalho é fornecer ao oftalmologista iniciante informações básicas sobre a técnica de comunicação audiovisual com slides, de forma a ajudá-lo a criar apresentações objetivas, criativas e eficazes.
Palavras-chave: Comunicação Audiovisual. Apresentação Científica. Apresentação de Slides. Uso de Slides.
ABSTRACT
This article aims to provide the beginner ophthalmologist with basic information on audiovisual communication techniques with slides, to help create objective, creative, and effective presentations.
Keywords: Audiovisual Communication. Scientific Presentation. Slide Show. Use of Slides.
INTRODUÇÃO
As técnicas de diagnóstico oftalmológico evoluíram fortemente nos últimos vinte anos. Fato importante é que essas melhorias têm-se tornado cada vez mais acessíveis ao médico que clínica em consultório.
Dentre as várias implicações desse fenômeno, destaca-se a mudança do papel do oftalmologista, que além de prestador de serviços, está se tornando um importante gerador de conhecimentos. Como conseqüência, tem participado cada vez mais de reuniões científicas como palestrante. Ocorre que a literatura científica é repleta de ensinamentos sobre a divulgação escrita, mas escassa sobre a comunicação oral do conhecimento. Esse é um problema para o palestrante iniciante. Uma provável explicação desse cenário é a falsa concepção de que a comunicação oral não necessita de base teórica; que o que vale é o bom senso e a aptidão natural de cada um. É a "filosofia do motorista de longo curso”. Este usa o veículo com tal frequência e descontração, que não se dá conta das barbáries que pratica no trânsito. Quando se depara com propostas como a da “direção defensiva”, as rejeita com desdém. Na sua concepção o que vale é a prática, o resto é divagação.
O objetivo deste trabalho é fornecer ao oftalmologista iniciante informações básicas sobre a técnica de comunicação audiovisual com slides, de forma a ajudá-lo a criar apresentações objetivas, criativas e eficazes.
PILARES DA APRESENTAÇÃO ORAL
Seis tópicos merecem destaque na preparação de uma apresentação oral: platéia, logística, assunto, criatividade, competição endógena e postura. A seguir, descrevemos cada um deles em detalhes.
I. PLATÉIA
A primeira informação que o palestrante deve colher é sobre a natureza da platéia. Ela pode variar, desde pessoas leigas em medicina até acadêmicos altamente especializados. Para que a comunicação seja eficaz é fundamental que a linguagem e a complexidade do assunto sejam adaptadas ao público. Linguagem afetada, exageradamente detalhada e cheia de jargões médicos tem pouca chance de interessar platéias leigas. Por outro lado, linguagem informal com conceitos superficiais e imprecisos tende a não satisfazer ouvidos aprimorados.
A situação mais difícil é quando o público é heterogêneo. É o caso do profissional que é convidado a falar sobre transplantes de córnea para um grupo de médicos e leigos. Ao explicar que a córnea se assemelha ao vidro do relógio, ele privilegia o leigo, porque a analogia o ajuda a entender a anatomia do olho, mas se afasta do médico, para o qual a comparação é exageradamente banal. A solução desse impasse é calibrar a linguagem e o conteúdo para os menos familiarizados com o assunto e explicar aos demais que essa opção está sendo tomada em benefício de todos. As pessoas costumam aceitar a explicação, sem conflitos. Se a palestra for boa, elas acabam por tomá-la como modelo para as suas próprias apresentações.
II. LOGÍSTICA
A segunda preocupação deve ser com os recursos disponíveis para a apresentação. É necessário o conhecimento prévio do local da palestra: sala, pátio, salão de clube, etc. Ele pode ser inadequado, por exemplo, para a exposição de slides, simplesmente por não poder ser escurecido. A lousa pode não caber no palco. O fio do projetor pode não alcançar a tomada elétrica, e assim por diante.
Se for usada a lousa, é conveniente que o próprio palestrante leve reserva de giz ou de caneta apropriada. Se for usado computador, é necessário chegar bem antes do início do evento, para contornar os inevitáveis conflitos de software e hardware. Sempre que possível, deve-se evitar a gravação das apresentações digitais com a última versão do software disponível para esse fim. Se a versão utilizada for mais nova do que a do computador local, os dados podem não serão lidos. A informática é o reinado da lei de Murphy: “se algo puder dar errado, vai dar errado".
III. ASSUNTO
A pressuposição básica sobre quem ministra uma palestra é que conheça muito bem o assunto. Para tanto, o palestrante deverá buscar a informação em diversas fontes, uma vez que a pluralidade de informações estimula o julgamento crítico, elemento fundamental para a descoberta da “essência do assunto”. Cada assunto tem uma essência, uma mensagem básica. E essa mensagem que tem de ser extraída e depois transmitida de forma objetiva e inteligível. De posse dela, o ouvinte decide se quer ou não se aprofundar no assunto, mediante a consulta de novas fontes.
Vivemos numa época em que a velocidade de criação da informação é maior do que a capacidade individual de absorção. Então, somos forçados a ser seletivos. A capacidade de síntese é um processo desenvolvido lentamente, com treino. Numa troca de correspondência entre dois matemáticos do século XVII, um deles escreve: "desculpe-me por esta composição tão longa; dispunha de muito pouco tempo para escrevê-la."
IV. CRIATIVIDADE
É com a criatividade que imprimimos vida e personalidade à apresentação, marcando presença como seres pensantes e comunicativos. Uma forma agradável de treinar criatividade é exercitar o hábito de descobrir o lado não explorado de tudo o que se lê ou se vê. Por exemplo, se o assunto é habitualmente mostrado pelo lado clínico, tente explorar seus mecanismos fisiopatológicos; se é normalmente apresentado em seus aspectos teóricos, tente desvendar o seu valor prático, e assim por diante. Procure por informações inéditas, que venham a enriquecer o tema. Sobretudo, nunca repita integralmente a mesma apresentação oral.
Entretanto, é preciso lembrar que a ousadia leva tanto à glória quanto à desventura. Criatividade exige senso crítico redobrado. Como resultado, ideias ou informações muito afastadas do convencional devem ser vistas com suspeição. Elas só devem ser aceitas após muita reflexão. Para tanto, não hesite em pedir o auxílio de pessoas especializadas no assunto; elas habitualmente têm prazer em ajudar, porque isso lhes dá senso de utilidade.
V. COMPETIÇÃO ENDÓGENA
Numa apresentação oral, o principal veículo de comunicação é a fala. Textos e figuras são recursos auxiliares, que ajudam na ordenação e síntese das ideias. A inconveniência desses recursos é que eles tendem a disputar com o palestrante a atenção da platéia. É isso que chamamos de competição endógena. Quando ela ocorre, os ouvintes ficam divididos entre o que ouvem e o que veem, prejudicando a assimilação da informação. As maneiras mais efetivas de combatê-la são: o controle judicioso do número de slides e a simplificação do conteúdo deles. A seguir, são apresentadas nove sugestões no sentido de minimizar a competição endógena:
1. Não entulhe os slides. Slide entulhado é aquele com excesso de informação. O excesso dificulta a leitura, roubando a atenção do ouvinte. A solução é diminuir os dados do slide. Isto é feito de duas maneiras: usando apenas os dados mais importantes ou distribuindo toda informação por vários slides, sob um mesmo cabeçalho. Uma forma de nos condicionarmos a trabalhar com slides não poluídos é a seguinte: divida o slide em quatro áreas horizontais idênticas. Utilize a parte superior para o cabeçalho e deixe a inferior vazia. Restrinja a informação às duas áreas centrais (Figura 1).
2. Fuja das sentenças inteiras. Nos slides, o texto deve ser usado como lembrete, como índice remissivo. Como tal, deve conter o mínimo de palavras em cada linha (Figura 2). Sentenças inteiras exigem maior atenção. Por conseguinte, estimulam a competição entre o palestrante e o slide. A conversão de sentenças inteiras em um mínimo de palavras, sem a perda do sentido original, é provavelmente o maior desafio na construção de um slide.
3. Evite listas compridas. Se a lista de itens é grande demais para caber em um único slide, a primeira pergunta a ser feita é se é necessário apresentar tanta informação (Figura 3). Na maior parte das vezes, a mensagem pode ser resumida mediante a seleção judiciosa dos dados (Figura 4). Quando a didática entra em conflito com a precisão, via de regra é mais efetivo ficar com a primeira. Nas raras situações em que todas as informações forem essenciais, nada impede que a lista seja distribuída por mais de um slide, com o mesmo cabeçalho. O importante é que tudo seja bem legível.
4. Cuidado com as tabelas. Tabelas só devem ser apresentadas em slides quando seu conteúdo for facilmente identificável. Por isso, é preciso que elas sejam pequenas, com dados bem visíveis. Quando isso for impossível, é melhor não apresentar tabela.
5. Cuidado com as figuras. Uma figura vale por mil palavras. Entretanto, em slides, isso só tende a ser verdadeiro quando a figura for simples. Procure sempre verificar se as suas figuras não estão complexas demais ou entulhadas de detalhes. Da mesma forma que nas tabelas, se a figura for complexa, ela pode ser distribuída em vários slides com o mesmo cabeçalho.
6. Escolha bem as fontes. Dê preferência às fontes não serifadas, que são mais fáceis de identificação. Evite escrever textos com todas as palavras em caixa-alta. Isso dá impressão de mensagem “gritada”. O tamanho da fonte não deve ser tão pequeno a ponto de dificultar a leitura, nem tão grande a ponto de passar a impressão de que a platéia seja deficiente visual. Na nossa experiência, fontes de 20 a 24 pontos são suficientes para garantir a boa legibilidade do texto e fontes de 28 a 32, suficientes para o destaque do cabeçalho. O espaçamento das linhas deve ser, no mínimo, uma vez e meia maior que o tamanho das fontes.
7. Evite fundos distrativos. O fundo do slide não deve dificultar a identificação do que estiver escrito ou desenhado sobre ele. Também não deve ser exageradamente atraente. Ambas as situações competem com sua fala pela atenção da platéia.
8. Contenha tendências carnavalescas. Cores podem tanto auxiliar como prejudicar a apresentação. Quando são muitas tendem a chamar atenção exageradamente, refletindo extravagância e amadorismo. O ideal é que não se use mais que três cores e que elas se harmonizem de modo a transmitir sensações sóbrias e agradáveis.
9. Cuidado com a redundância texto-imagem. Esse fenômeno é freqüente nas sessões nas quais textos e imagens se misturam. Por exemplo, o apresentador mostra um slide listando três características da conjuntivite viral: hiperemia conjuntival, reação folicular e gânglios pré-auriculares. Em seguida, mostra outro, onde aponta essas três características numa foto. Ora, se tivesse apresentado apenas o segundo slide, teria dado a mesma mensagem, com eficiência e sem redundância.
VI. POSTURA
Numa apresentação, além da qualidade do material apresentado, é preciso que o palestrante desperte a simpatia dos ouvintes. Só assim a mensagem se transmite com eficácia. Chamamos “postura” o conjunto das atitudes que visam atrair a simpatia e o respeito da platéia. Seguem-se abaixo oito sugestões sobre o tema:
1. Respeite o tempo. Compareça ao local da palestra com tempo suficiente para resolver todos os problemas que seguramente existirão, e iniciar a apresentação na hora marcada. Atrasos não são bem-vistos. Sobretudo, nunca ultrapasse o limite de tempo estipulado para a fala. Esse deslize poderá ser considerado desleixo ou desrespeito.
2. Não fuja do tema. As apresentações podem ser de vários tipos: aulas, temas livres, apresentações de casos, etc. Cada uma delas tem objetivo e formato característico. Aulas transmitem conceitos; temas livres geralmente se referem a trabalhos científicos; casos clínicos apresentam dados de pacientes para discussão. É fundamental, portanto, que você encaixe a sua apresentação no formato estipulado pelo evento. A não observância disso tende a causar sérios danos à fluidez da sessão e desprestígio ao transgressor. Uma violação típica é a de aproveitar o caso clínico para fazer uma revisão de literatura, o que só é cabível se esse tipo específico de formato foi combinado previamente.
3. Respeite o idioma do evento. Os slides devem acompanhar a língua definida pela comissão cientifica do evento. Congressos internacionais geralmente definem duas ou três línguas. Seja qual for o idioma escolhido, o importante é que a escrita esteja em harmonia com a oração. É questão de coerência. Palestras em português com slides em língua estrangeira sugerem esnobismo. A desculpa de que os slides estão em inglês porque fazem parte de um curso ministrado na América do Norte não é aceitável.
4. Evite uso excessivo de palavras estrangeiras. Você não será condenado por usar o termo “stop-and-chop”, técnica comum de facoemulsificação. É um termo consagrado e a sua tradução não traz vantagens práticas. Entretanto, os termos “hinge”, “overcylinder”, “best sphere” e “in the bag” podem ser perfeitamente traduzidos, sem perda do sentido original. Não há razão para usá-los no idioma estrangeiro. Contudo, se isso for feito, é vital que eles sejam pronunciados corretamente.
5. Tenha visão de conjunto. Se a sua apresentação faz parte de uma seqüência, como num curso, fique atento para não repetir informações dadas pelos colegas que o antecederam. Não seja repetitivo. Pule os slides que se tornaram redundantes, explicando que o assunto já foi abordado dentro da sessão em curso.
6. Seja motivador. Recentemente, o violoncelista Yo-Yo Ma deu a seguinte resposta, quando questionado sobre como se sentia quando tocava para um teatro cheio: “Há uma linha mágica que separa o público do palco. A função do artista é quebrar esta linha e atingir o coração das pessoas...”. Apresentação oral é arte. Portanto, varie a tonalidade da voz, aumentando-a para ressaltar os pontos importantes da sua fala. Gesticule. Mova-se na sala. Sensibilize o coração das pessoas.
7. Não perca a linha. Existem pessoas que interrompem a palestra com o objetivo de travar polêmica. Se você der espaço a elas, sua aula estará destruída. A melhor forma de contornar essa situação é convidá-las, com calma e firmeza, para uma conversa particular, depois da apresentação.
8. Vista-se adequadamente. Procure vestir-se em sintonia com a platéia, uma vez que isso o aproxima dela. Algumas reuniões exigem paletó e gravata, enquanto outras, vestimenta casual. Não se engane imaginando que, com traje social, estará adequadamente trajado para todas ocasiões.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existem diferentes estratégias de preparação de comunicações orais com slides.1-5 Para localizá-las na Internet, basta digitar a frase “rules for slide presentation” num sítio de busca. A nossa, foi a de apresentar as ideias básicas, a essência da matéria. À medida em que você for adquirindo experiência com elas, encontrará novas e inesperadas situações que levarão a rever seu conhecimento. Essas revisões aperfeiçoarão seu desempenho. Entretanto, poderá chegar o dia em que você achará tudo isso inútil. Nesse estágio, estará praticando a "filosofia do motorista de longo curso". Cuidado! Você pode ter se tornado um palestrante enfadonho.
REFERÊNCIAS
1 Kelly PJ. The seven slide solutionTM: telling your business story in seven slides or less. Westport, CT: Silvermine Press; 2005.
2 Reimold C, Reimold P. The short road to great presentations. Hoboken, NJ: Wiley-IEEE Press; 2003. http://dx.doi.org/10.1109/9780470546611
3 t Esposito J. In the SpotLight, overcome your fear of public speaking and performing. 3nd ed. Bridewater, CT: The Spotlight LLC/Strong Books; 2003.
4 Princeton Language Institute, Laskowski L. Ten days to more confident public speaking. New York, NY: Warner Books Inc; 2001.
5 Leech T. How to prepare, stage and deliver winning presentations. 2nd ed. New York, NY: AMACOM; 1993.
Fonte de financiamento: declaram não haver.
Conflito de interesses: declaram não haver.
Recebido em:
12 de Julho de 2015.
Aceito em:
5 de Agosto de 2015.