Milton Ruiz Alves1; Daniela Lima de Jesus2; Flávio Fernandes Villela3; Gustavo Victor4; Marco Antônio Rey de Faria5; Keila Monteiro de Carvalho6
DOI: 10.17545/e-oftalmo.cbo/2015.27
RESUMO
Os erros de refração não corrigidos são a principal causa de baixa de visão e, depois da catarata, é a segunda mais importante causa de cegueira. No Brasil a maioria da população não tem acesso a serviços oftalmológicos e tratamentos, sendo fundamentais os programas de triagem ou rastreamento visual. Triagem baseada em instrumento é rápida, não é dependente de respostas comportamentais, requer cooperação mínima da criança e é especialmente útil para crianças na fase pré-verbal, analfabetos ou com atraso de desenvolvimento. Os métodos de rastreamento de erros refracionais baseados em instrumentos (autorrefratores portáteis e photoscreeners) podem ser empregados em exames de crianças com idades entre seis meses e três anos e crianças mais velhas com incapacidades ou não responsivas à apresentação dos cartões de acuidade visual. Esses métodos, comumente, identificam a presença e estimam a magnitude de anormalidades ópticas e anatômicas dos olhos, e fatores de risco para a ambliopia. A adoção dessa nova tecnologia é altamente dependente de políticas de pagamento a terceiros, o que pode representar uma barreira significativa para adoção.
Palavras-chave: Retina. Degeneração Macular. Drusas Retinianas. Acuidade Visual.
ABSTRACT
Uncorrected refractive errors are the main cause of decreases in visual acuity, and after cataracts, they are the second most important cause of blindness. In Brazil, most of the population lacks access to ophthalmology services and treatments; therefore, vision-screening programs are fundamental. Instrument-based vision screening is fast, does not depend on behavioral responses, requires minimal cooperation on the part of children, and is particularly useful for children in the pre-verbal phase, children who can't read, and children with developmental delays. Vision-screening methods to determine refractive errors using instruments (such as portable autorefractors and photoscreeners) may be used to examine children aged between 6 months and 3 years, as well as older children with disabilities or children who do not respond well to Teller visual acuity cards. As a whole, these methods identify the presence of optical and anatomical abnormalities, as well as risk factors for amblyopia, and estimate their magnitude. The use of this new technology is highly dependent on third-party payment policies, which may create a significant barrier to its implementation.
Keywords: Vision-screening programs. Ophthalmological diagnostic techniques. Children. Ocular refraction. Amblyopia.
INTRODUÇÃO
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que no mundo haja aproximadamente 314 milhões de pessoas com deficiência visual tanto por doenças oculares como por erros de refração não corrigidos. Há pelo menos 13 milhões de crianças com idades entre 05 e 15 anos e 45 milhões de pessoas com idades entre 16 e 49 anos afetadas por erros de refração não corrigidos. Essa estatística não inclui presbiopia não corrigida, cuja prevalência é desconhecida1. Portanto os erros de refração não corrigidos são a principal causa de baixa de visão e a segunda causa de cegueira após a catarata2.
No Brasil uma parcela significante da população não tem acesso a serviços oftalmológicos e tratamentos, sendo fundamentais os programas de triagem ou rastreamento visual. Estudar a comunidade, as peculiaridades de cada grupo etário para correção de erro refrativo, é vital para um planejamento exeqüível dos pontos de vista econômico, médico e social.
MÉTODOS DE RASTREAMENTO REFRATIVO NO GRUPO ETÁRIO 0 A 6 ANOS DE IDADE
O grande benefício do rastreamento refrativo nesse grupo etário é a detecção precoce de baixa visão e/ou de fatores de risco que podem comprometer o desenvolvimento visual (ambliopia, estrabismo, erros de refração significantes, catarata infantil, etc.).
Estima-se que 2% das crianças com idade entre 01 e 03 anos apresentem erros de refração que necessitam de correção com óculos3.
O êxito de métodos de rastreamento visual por apresentação de cartões de acuidade visual é altamente dependente da idade da criança e da experiência do examinador. Há poucos profissionais habilitados para examinar adequadamente a visão de crianças com menos de três anos de idade. De tal forma que, em projetos sociais, a estratégia utilizada para a detecção de fatores de risco de ambliopia em crianças pré-verbais tem sido o emprego de métodos de rastreamento refrativo baseados em equipamentos (por exemplo, autorrefrator portátil e/ou photoscreener)4.
Triagem baseada em instrumento é rápida, não é dependente de respostas comportamentais, requer cooperação mínima da criança e é especialmente útil em exames de criança pré-verbal, de analfabetos ou com atraso de desenvolvimento. Geralmente identifica a presença e magnitude das anomalias ópticas e físicas dos olhos, e produz uma cópia impressa ou registro digital para inclusão no prontuário do paciente.
O photoscreener utiliza imagens ópticas do reflexo do olho vermelho para estimar o erro refrativo, opacidade de meios, o alinhamento ocular e outros fatores, como deformidades de anexos oculares (por exemplo, blefaroptose) e todos os que colocam a criança em risco de desenvolver ambliopia.
O autorrefrator é outro equipamento que pode ser utilizado para o rastreamento refrativo de crianças. Foi desenhado para detectar miopia, hipermetropia e astigmatismo (com seu eixo), em passos de 0,25 D (podendo ser alterado para passos de 0,12D). O equipamento é portátil, fácil de utilizar e a refratometria automática objetiva é realizada na distância de 35 cm da criança.
Arnold e Armitage5, em estudo recente, avaliaram crianças atendidas consecutivamente em uma clínica de oftalmologia pediátrica e submetidas a exame ocular completo e, também, a quatro photoscreeners: PlusoptiX, SPOT, ¡Screen e GoCheckKids para iPhone 4s com Delta crescente. A população do estudo incluiu 108 crianças com idades entre um e 12 anos; 58% delas apresentavam fatores de risco para ambliopia e 10% eram autistas. Os resultados obtidos no uso dos quatro equipamentos, no que se refere à sensibilidade, especificidade e resultados inconclusivos foram os seguintes: PlusoptiX (83%, 86%, 23%); SPOT (80%, 85%, 4%); ¡Screen (75%, 88%, 13%), ¡Screen com Delta Center Crescent (92%, 88%, 0%) e GoCheckKids com Delta Center Crescent (81%, 91% 3%). Os autores concluíram que todos os quatro photoscreeners foram capazes de identificar, em crianças jovens, fatores de risco para ambliopia.
MÉTODOS DE RASTREAMENTO REFRATIVO NO GRUPO ETÁRIO 7 A 14 ANOS DE IDADE
A triagem visual realizada com tabela de optotipos nesse grupo etário (escolar do ensino fundamental) tem como objetivo a detecção de problemas oculares por erros refrativos não corrigidos e outras afecções oculares.
A medida da acuidade visual pode ser feita nas campanhas comunitárias, por professores treinados, no próprio estabelecimento de ensino. Essa triagem deve ser realizada anualmente e os casos suspeitos devem ser encaminhados para exame com o oftalmologista.
Deve-se garantir a provisão de óculos de boa qualidade e esteticamente aceitáveis para aumentar a adesão ao tratamento. Outro fator importante é a monitorização do uso dos óculos e seu resultado na melhora do rendimento escolar das crianças pelos professores.
As campanhas são muitas vezes a primeira oportunidade de exame ocular das crianças, variando de 67,8% a 94,2%, entre os escolares que compareceram aos projetos6,7,8. No entanto, apesar da oferta de exame oftalmológico gratuito, tem-se observado alto absenteísmo aos projetos (31,3% a 68,7%)6. Um dos motivos seria a necessidade de se encaminhar as crianças triadas pelos professores na escola para exame oftalmológico em outro local e em outra data.
Os photoscreeners são compactos, fáceis de serem utilizados e apresentam grande portabilidade. O rastreamento refrativo com esses equipamentos pode ser realizado na própria escola da criança, reduzindo o absenteísmo.
MÉTODOS DE RASTREAMENTO REFRATIVO NO GRUPO ETÁRIO 15 OU MAIS ANOS DE IDADE
No grupo etário 15 ou mais anos de idade o uso de photoscreeners (SPOT Vision ScreeningTM PediaVision, PlusoptiX S09TM, NearEye Tool for Refractive Assessment -NETRA) pode ser útil em campanhas de rastreamento refrativo em populações sem acesso regular a serviço de saúde ocular. O emprego desses equipamentos constitui uma nova opção viável e, associada à telemedicina, pode ampliar o acesso dessa população à saúde ocular.
BARREIRAS PARA O USO DOS INSTRUMENTOS DE RASTREAMENTO REFRATIVO
Embora todos os instrumentos mencionados estejam disponíveis para cuidados de saúde primários, envolvem custos substanciais para a prática da atenção primária. Além dos custos de impressoras e suprimentos para cada teste realizado, existem custos adicionais indiretos, incluindo espaço e tempo pessoal necessário para realizar esses testes, bem como o tempo médico para interpretá-los. O investimento do capital para esses instrumentos pode ser reduzido se os fornecedores oferecerem uma opção de leasing como uma alternativa para a compra de equipamentos, mas esses custos ainda devem ser calculados sobre os custos totais de realização do teste4.
Independentemente do tipo de photoscreening ou sistema de autorrefração utilizado, recomenda-se que o avaliador saiba como aplicar a tecnologia e compreenda as limitações do teste.
CONCLUSÃO
O uso dos equipamentos photoscreeners e autorrefratores portáteis favorece o rastreamento refrativo de crianças pré-verbais, iletradas, ou com retardo no desenvolvimento neuropsicomotor. As crianças com idades entre seis meses e três anos se beneficiam da triagem visual com esses equipamentos que permitem a detecção precoce de condições que podem levar à ambliopia. Em crianças com idades entre três e cinco anos o rastreamento refrativo com um desses equipamentos é considerado boa alternativa à triagem visual com cartão. Em crianças com cinco ou mais anos de idade a triagem visual com esses equipamentos não mostrou superioridade em relação à triagem visual feita com o emprego da tabela de optotipos.
REFERÊNCIAS
1 World Health Organization. VISION 2020 Action Plan for 2006-2011 Planning Meeting. Geneva, 11-13 July 2006.
2 Alves MR, Jesus DL, Villela FF e Victor G. MÉTODOS DE RASTREAMENTO REFRATIVO BASEADOS EM EQUIPAMENTOS. In Alves MR; Nishi M; Carvalho KM; Ventura L; Schellini S e Kara-José N. REFRAÇÃO OCULAR: UMA NECESSIDADE SOCIAL. Cultura Médica, RJ; 2014: 84-104.
3 Muller AG. Ambliopia. In Alves MR, Nakashima Y, Tanaka T (eds): Clínica Oftalmológica. Condutas práticas em Oftalmologia. Rio de Janeiro: Cultura Médica, Gen-Guanabara Koogan, 2013, p.691-693.
4 Policy Statement: Instrument-Based Pediatric VisionScreening. Pediatrics; November 2012; Vol 130 (5): 983 -986. Disponivel em: (acesso em 30/01/15)American Academy of Pediatrics. Instrument-Based Pediatric Vision Screening Policy Statement, pediatrics.aappublications.org. [ 9/1/2014].
5 Arnold RW, Armitage D. Performance of four photoscreeners on pediatric patients with high risk amblyopia. J Ped Ophthalmol Strabismus 2014.
6 Noma R, de S. Carvalho R, Kara-José N. Why are there defaulters in eye health projects? Clinics. 2011;66(9):1585-1589.
7 Estácia P, Stramari LM, Schuch SB, Negerllo D, Donato L. Prevalência de erros refrativos em escolares da primeira série do ensino fundamental da região nordeste do Rio Grande do Sul. Arq Bras Oftalmol 2007;66(5):297-303.
8 Alves MR, Temporini ER, Kara-José N. Atendimento oftalmológico de escolares do sistema público de ensino no município de São Paulo - aspectos médico-sociais. Arq Bras Oftalmol 2000;63(5):359-363.
Fonte de financiamento: declaram não haver.
Conflito de interesses: declaram não haver.
Recebido em:
3 de Agosto de 2015.
Aceito em:
3 de Setembro de 2015.