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Casos Clínicos Discutidos

Drusas familiares associadas à neovascularização coroideana e os desafios diagnóstico e terapêutico

Familial drusen associated with choroid neovascularization and its diagnostic and therapeutic challenges

Caroline dos Reis; Mariana Amaranto de Souza Damásio; Sarah Pereira de Freitas Cenachi; André Vasconcellos Diniz; Jacques Ramos Houly

DOI: 10.17545/eOftalmo/2021.0019

RESUMO

A malattia leventinese ou distrofia macular de Doyne é uma doença autossômica dominante rara, causada por uma mutação no gene EFEMP1, caracterizada pela presença de inúmeras drusas com distribuição radial no polo posterior. Trata-se de uma paciente de 39 anos de idade que apresentou, à consulta oftalmológica, queixa de baixa acuidade visual no olho esquerdo (OE) percebida há aproximadamente dois anos. Foi aventada a hipótese diagnóstica de malattia leventinese com neovascularização de coroide no olho esquerdo, após avaliação clínica e propedêutica complementar.

Palavras-chave: Distrofia macular de Doyne; Malattia Leventinese; Drusas retinianas.

ABSTRACT

Malattia leventinese or Doyne macular dystrophy is a rare autosomal dominant disease caused by a mutation in EFEMP1. It is characterized by the presence of numerous drusen with radial distribution at the posterior pole. Herein we present the case of a 39-year-old patient who underwent ophthalmological consultation and complained of low visual acuity in the left eye since approximately 2 years before. The diagnostic hypothesis of malattia leventinese with choroid neovascularization in the left eye was suggested after clinical evaluation and complementary investigation.

Keywords: Doyne macular dystrophy; Malattia leventinese; Retinal drusen.

INTRODUÇÃO

Malattia Leventinese (ML) é uma distrofia retiniana rara e de herança autossômica dominante descrita pela primeira vez, na Suíça, em 19251. Trata-se de uma doença macular caracterizada pela presença de depósitos amorfos entre o epitélio pigmentar da retina (EPR) e a membrana de Bruch, conhecidos como drusas. As drusas podem assumir um padrão em mosaico, motivo pelo qual a doença também recebeu o nome de distrofia em favo de mel ou distrofia de Doyne2,3.

A grande importância dessa doença está relacionada ao fato da principal alteração clínica, as drusas, ser característica marcante de outras distrofias retinianas e da degeneração macular relacionada à idade (DMRI)4,5.

A formação de membrana neovascular sub-retiniana (MNVSR) é uma complicação incomum, porém ameaçadora, já que pode acarretar dano visual irreversível e cegueira legal em adultos jovens6,7. O tratamento das complicações associadas às MNVSR deve ser analisado cuidadosamente, pois a abordagem conversadora está invariavelmente associada a um pior prognóstico7,8.

 

RELATO DO CASO

Trata-se de uma paciente de 39 anos de idade, que se apresentou à consulta oftalmológica com queixa de BAV no OE.

Relatava tratamento regular para hipotireoidismo. Negava história familiar de cegueira e/ou BAV.

Ao exame oftalmológico, informou acuidade visual (AV) com melhor correção de 20/25 no olho direito (OD) e conta dedos a 20 cm no esquerdo (OE). O exame biomicroscópico do segmento anterior e a tonometria de aplanação de Goldmann apresentaram-se normais em ambos os olhos (AO). A oftalmoscopia binocular indireta do OD revelou múltiplas lesões branco-amareladas de tamanhos variados, compatíveis com drusas maculares, principalmente temporais à fóvea, enquanto que no OE, além da presença de drusas difusas, havia espessamento retiniano secundário a tecido cicatricial possivelmente decorrente de uma MNVSR (Figura 1).

 


Figura 1. Retinografia do olho direito evidenciando múltiplas lesões branco-amareladas de tamanhos variados, principalmente temporais à fóvea e, no olho esquerdo, além da presença de drusas difusas, espessamento retiniano secundário a tecido cicatricial possivelmente decorrente de uma membrana neovascular sub-retiniana.

 

Diante dos achados clínicos, foi submetida à propedêutica complementar para melhor avaliação. A angiografia fluoresceínica (AGF) evidenciou vários pontos de hiperfluorescência acometendo toda a região da mácula devido a impregnação de contraste nas drusas no OD e extensa área de hiperfluorescência com impregnação tecidual de contraste na região macular do OE, compatível com cicatriz disciforme secundária a MNVSR (Figura 2). A autofluorescência mostrou pontos hiperautofluorescentes na região macular do OD e área hipoautofluorescente compatível com a atrofia retiniana na região macular do OE (Figura 3). O eletrorretinograma de campo total foi inconclusivo e o eletrooculograma mostrou comprometimento funcional macular e de cones em AO. A tomografia de coerência óptica (OCT) da região macular do OD mostrou lesões focais, hiperrefletivas, de localização subepitelial, sugestivas de drusas. No OE, a OCT revelou extensa área hiperrefletiva associada à desorganização da microarquitetura das camadas retinianas, correspondendo a tecido fibrótico cicatricial (Figura 4). A OCT de disco óptico não evidenciou alterações.

 


Figura 2. Angiografia fluoresceínica mostrando vários pontos de hiperfluorescência acometendo toda a região da mácula devido a impregnação de contraste nas drusas no olho direito e extensa área de hiperfluorescência com impregnação tecidual de contraste na região macular do olho esquerdo, compatível com cicatriz disciforme secundária a membrana neovascular sub-retiniana.

 

 


Figura 3. Autofluorescência evidenciando pontos hiperautofluorescentes na região macular do olho direito e área hipoautofluorescente compatível com a atrofia retiniana na região macular do olho esquerdo.

 

 


Figura 4. Tomografia de coerência óptica da região macular do olho direito mostrando lesões focais, hiperrefletivas, de localização subepitelial, sugestivas de drusas e, do olho esquerdo, extensa área hiperrefletiva associada à desorganização da microarquitetura das camadas retinianas, correspondendo a tecido fibrótico cicatricial.

 

Diante das alterações clínicas e dos exames complementares, foi aventada a hipótese diagnóstica de Malattia Leventinese. Entretanto, a confirmação diagnóstica com o teste genético ainda não foi realizada.

 

DISCUSSÃO

A ML é uma doença macular rara, hereditária e degenerativa caracterizada pela presença de drusas num padrão característico, o que pode auxiliar na suspeição diagnóstica dessa patologia9,10. Não há características patognomônicas da doença, entretanto a diferenciação entre outros distúrbios maculares é importante, pois o diagnóstico exato pode ter implicações que envolvem o aconselhamento genético e estratégias terapêuticas.

Estudos identificaram o EFEMP1 como gene responsável4, o que permite a confirmação diagnóstica da ML por meio do teste genético. Apesar da indisponibilidade da avaliação genética neste caso em particular, as alterações clínicas marcantes evidenciadas na fundoscopia, o surgimento de múltiplas drusas numa idade mais precoce e dispostas numa configuração peculiar permitiram o diagnóstico presumido da doença.

O diagnóstico diferencial da ML envolve um grupo heterogêneo de doenças retinianas que cursam com drusas maculares e são caracterizadas por diferentes modos de herança, idade de início, achados eletrofisiológicos e grau de deficiência visual5,6. Entre elas, a DMRI é uma doença crônica e progressiva da retina que pode estar associada a dano visual irreversível da visão central na população idosa4. Em contrapartida, a ML quando associada à extensas alterações do EPR, atrofia geográfica ou MNVSR pode ser um fator de risco para cegueira legal numa população mais jovem e economicamente ativa6.

No caso relatado a paciente já apresentava uma cicatriz disciforme no OE possivelmente secundária à neovascularização coroideana prévia (sem sinais de atividade à admissão) e, por esta razão, foi apenas indicado tratamento conservador.

 

REFERÊNCIAS

1. Vogt A. “Die Ophthalmoskopie im rotfreien licht.” Die Untersuchungsmethoden. Springer, Berlin, Heidelberg, 1925.

2. Marmorstein LY, Munier FL, Arsenijevic Y, Schorderet DF, McLaughlin P, Chung D, et al. Aberrant accumulation of EFEMP1 underlies drusen formation in Malattia Leventinese and age-related macular degeneration. Pro Natl Acad Sc U S A. 2002; 99(20):13067-72.

3. Doyne RW. Peculiar condition of choroiditis occurring in several members of the same family. Trans Ophthalmol Soc UK. 1899;19: 71.

4. Marmorstein LY. Association of EFEMP1 with malattia leventinese and age-related macular degeneration: a mini-review. Ophthalmic Genet. 2004;25(3):219-26.

5. Saksens NTM, Fleckenstein M, Schmitz-Valckenberg S, Holz FG, den Hollander AI, Keunen JEE, et al. Macular dystrophies mimicking age-related macular degeneration. Prog Retin Eye Res. 2014 Mar;39:23-57.

6. Marano F, Deutman AF, Leys A, Aandekerk AL. Hereditary retinal dystrophies and choroidal neovascularization. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2000;238(9):760-4.

7. Sohn EH, Patel PJ, MacLaren RE, Adatia FA, Pal B, Webster AR, et al. Responsiveness of Choroidal Neovascular Membranes in Patients with R345W Mutation in Fibulin 3 (Doyne Honeycomb Retinal Dystrophy) to Anti-Vascular Endothelial Growth Factor Therapy. Arch Ophthalmol. 2011;129(12):1626-8.

8. Pager CK, Sarin LK, Federman JL, Eagle R, Hageman G, Rosenow J, et al. Malattia leventinese presenting with subretinal neovascular membrane and hemorrhage. Am J Ophthalmol. 2001;131(4):517-8.

9. Zweifel SA, Maygar I, Berger W, Rschuor P, Becker M, Michels S. Multimodal imaging of autosomal dominant drusen. Klin Monbl Augenheilkd. 2012;229(4):399-402.

10. Querques G, Guigui B, Leveziel N, Querquessss L, Bandello F, Souied EH. Multimodal morphological and functional characterization of Malattia Leventinese. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol.2013; 251(3):705-14.

 

INFORMAÇÃO DOS AUTORES

Financiamento: Declaram não haver

Conflitos de Interesse: Declaram não haver

Recebido em: 7 de Maio de 2020.
Aceito em: 15 de Dezembro de 2020.


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