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Casos Clínicos Discutidos

Atropina em baixa concentração no tratamento do espasmo acomodativo: relatos de casos

Low concentration atropine in the treatment of accommodative spasm: case reports

Celso Marcelo Cunha1; Giovanna Marchezine1; Marcel Leão1; Gil Carlos Rodrigues Pinto1; Jessica Teixeira Cunha2; Pedro Lucas de Souza Cunha3; Ana Lívia Piovezan Oliveira4

DOI: 10.17545/eOftalmo/2019.0031

RESUMO

O espasmo acomodativo ocorre pela contração contínua da musculatura ciliar, resultando, consequentemente, em baixa acuidade visual de longe e astenopia. Existem algumas opções de tratamento, desde a redução de tempo prolongado em atividades com foco de perto, uso de lentes positivas (ou menos negativas nos míopes) e o uso de colírios cicloplégico, que, muitas vezes, são usados por semanas, nas concentrações comerciais encontradas, levando a efeitos colaterais frequentes e recidivas do espasmo. Apesar de existirem todas essas opções, não há um tratamento padronizado para esta condição. Relata-se, por sua vez, três casos tratados com atropina em baixas concentrações, associada à redução do excesso de tempo em atividades de perto, praticamente, sem efeitos colaterais reportados, com resolução do espasmo em cerca de quatro semanas, mostrando ser esta uma opção de tratamento eficaz.

Palavras-chave: Refração ocular; Espasmo; Atropina; Relatos de casos.

ABSTRACT

The accommodative spasm happens due to continuous contraction of ciliary muscle, thus resulting in low far visual acuity and asthenopic symptoms. There are some options for treatment, varying from the reduction of time of close-focus activities, the use of positive lenses (or less negative for the nearsighted) and the use of cycloplegic eye drops, which are often used as eye drops for weeks at the commercial concentrations, leading to frequent side effects and recurrence of spasms. In spite of all these treatments, there is no standardized treatment for this condition. In this work, it is reported three cases treated with low concentrations of atropine, associated with reduced overtime in close activities, with virtually no reported side effects, with spasm resolution in about four weeks, suggesting this approach as an option for effective treatment.

Keywords: Ocular refraction; Spasm; Atropine; Case reports.

INTRODUÇÂO

Espasmo acomodativo (EA) é a contração involuntária e sustentada da musculatura ciliar, com isso, não permitindo o retorno ao tônus normal dessa musculatura, desse modo, induzindo pseudomiopia (ou aumentando-a), que é abolida com a cicloplegia (ou reduzida)(1). Pode-se apresentar com alteração isolada da acomodação, ou associado à miose e/ou esoforia (às vezes, esotropia)(2). A origem funcional associada ao excesso de atividades de perto é a causa mais frequente, atingindo pacientes até a terceira década(3). No entanto existem casos que podem estar associados a causas orgânicas do EA ou somente da pseudomiopia, podendo-se citar patologias que afetam o mesencéfalo ou cerebelo, distúrbios psiquiátricos, diabetes mellitus, as iridociclites, e pós-trauma, por exemplo; ou associados à interação medicamentosa, com o uso prolongado de sulfas, anticolinesterásicos, topiramato ou pregabalina(3-5).

O mundo digital tem facilitado o desenvolvimento de diversas profissões, assim como diversificado cada vez mais o lazer e as interações sociais, fazendo com que a população use por mais tempo a visão de perto do que décadas passadas.

O tratamento dos EAs pode ser ambiental, óptico ou farmacológico. Ainda não existe uma padronização nesse tratamento, sendo que o tratamento farmacológico com colírios cicloplégicos (atropina 1%, ciclopentolato 1%) é frequentemente empregado, mas está associado a queixas em relação aos seus efeitos colaterais (midríase e cicloplegia)(3).

A atropina em baixa concentração (ABC) tem sido indicada, nesta última década, na diminuição da progressão da miopia (DPM) na infância e adolescência, com pouco efeito midriático e cicloplégico(6,7).

Sugere-se, nesses relatos de casos, o uso da ABC e a redução do tempo de atividades contínuas de perto para o tratamento dos EAs.

 

RELATO DOS CASOS

Caso 1

Paciente 19 anos, masculino, estudante, com história de turvação na visão de longe, nos últimos 2 dias. Nega trauma ou ingestão de medicação. Exame oftalmológico: AV: sem correção: 0,2 e 0,15. AV com correção 1,0 em ambos os olhos (AO). Refração sem cicloplegia (ciclo): -3,00 e -2,50 DE. Refração com ciclo: +0,50 e +0,75 DE, com instilação de uma gota de colírio anestésico (cloridrato de proximetacaína), ciclopentolato 1%, e tropicamida 1%, com intervalos de 2 min entre eles. Cover teste: ortofórico/ortofórico’ de perto (orto/orto’). Biomicroscopia sem alterações. Fundo de olho normal. Indicou-se o uso de atropina 0,01% à noite, por duas semanas, reduzir tempo de atividades contínuas de perto para no máximo 30 min, com descansos de 10 min entre elas, se possível, sair de ambientes fechados (terapia funcional e ambiental - TFA). Retornou, 3 semanas depois, sem queixas relativas ao tratamento e com AV 1,0 sem correção óptica.

Caso 2

Paciente 30 anos, masculino, técnico de informática, com história de turvação na visão de longe, nos últimos 3 meses. Trauma frontal em acidente automobilístico há 1 ano. Nega ingestão de medicação. Óculos em uso -2,00 -0,75 160o e -2,25 -1,00 20o. Exame oftalmológico: AV: com óculos: 0,4 e 0,33. AV com nova correção 1,0 em AO. Refração sem ciclo: -3,25 -0,75 160o e -3,50 -1,25 20o. Refração com ciclo: +0,25 -0,75 155o e +0,25 -1,00 160o. Cover teste: orto/E’ 8 DP. Biomicroscopia: sem alterações. Fundo de olho: normal. Indicou-se o uso de óculos com poderes encontrados na refração com cicloplegia e o uso de atropina 0,01%, à noite, por quatro semanas, além disso, a TFA. Retornou, um mês depois, com queixas de dificuldade de visão de perto quando o livro estava posicionado a menos de 30cm, inicialmente; porém, a AV de longe estava normal. Recomendou-se, então, mais duas semanas do colírio e que retornasse depois de duas semanas sem o colírio. Retornou 3 semanas depois, não apresentando mais os sintomas.

Caso 3

Paciente 25 anos, feminino, universitária, com história de turvação na visão de longe, nos últimos 2 meses. Usava, anteriormente, óculos de descanso que, após perder, há 6 meses, não os usou mais. Nega trauma ou ingestão de medicação. Exame oftalmológico: AV: sem correção: 0,01 em AO. AV com correção 1,0 em AO. Refração sem ciclo: -7,00 e -6,50 DE. Refração com ciclo: -0,50 e -0,75 DE. Cover teste: orto/ orto’. Biomicroscopia sem alterações. Fundo de olho normal. Indicou-se o uso de atropina 0,01% à noite, por duas semanas, e a TFA. Retornou duas semanas depois com queixas ainda de turvação visual para longe, refração sem ciclo: -2,50 e -2,00 DE. Indicou-se, então, o uso de duas gotas a noite, com intervalo de 5min entre elas. Retornou, três semanas depois, sem queixas relativas ao tratamento e com AV 1,0, com correção óptica encontrada na refração com cicloplegia anteriormente. Foi prescrito o uso de óculos -0,50 e -0,75 DE e somente 1 gota da atropina 0,01% por mais 4 semanas. Paciente retornou, 2 meses depois, usando os óculos e com AV 1,0 em AO, com correção.

Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento informado para o uso de medicação off label.

 

DISCUSSÃO

A onda digital tem invadido e mudado o estilo de vida de bilhões de pessoas por todo o mundo. Os eletrônicos portáteis (tabletes, smartphones) estão sendo apresentados cada vez mais cedo para as crianças, que vão crescendo e utilizando-os em um imensurável número de tarefas que, muitas vezes, conduzem ao uso do foco de visão ultraperto (cerca de 8 a 12cm dos olhos), por longo período, apesar das restritas recomendações relatadas pela Academia Americana de Pediatria e Sociedade Brasileira de Pediatria(8,9). Este excesso de uso tem predisposto à maior tendência de alguns transtornos oculares, como exemplos o EA e a maior progressão da miopia(10,11). Além disso, de forma geral, também, predispondo as crianças à obesidade e a alterações de comportamento(12).

Para o diagnóstico do EA, não se deve considerar, simplesmente, os dados refracionais pré cicloplegia fornecidos pelos autorrefratores, e sim a menor refração subjetiva que conseguiu a melhor visão do paciente, preferentemente, realizando-se manobras de miopização (fogging)(13).

Os pacientes com EA podem apresentar-se com queixas de cefaleia, astenopia, baixa acuidade visual de longe (pseudomiopia), oscilação visual, diplopia e macropsia. No exame clínico, encontra-se refração sem cicloplegia muito menor (valor absoluto, ou seja, mais míope) que a encontrada sob cicloplegia(3). Pode-se encontrar ainda miose e/ou esoforia. Existem relatos de casos de esotropia com limitação de abdução temporária(14). Nesses casos, o principal diagnóstico diferencial deve ser realizado com a paresia ou paralisia do sexto nervo, que não apresenta miose. Outros diagnósticos diferenciais devem ser lembrados, tais como ambliopia, esotropia adquirida, uso de drogas que fazem pseudomiopia, como as sulfas, o topiramato e a pregabalina(3-5).

Apesar de não existir um consenso sobre o tratamento dos EAs, a atropina 1 e 0,5% tem sido utilizada na prática clínica oftalmológica com esse propósito desde 1884(15). Outro cicloplégico empregado é o ciclopentolato 1%, ambos estando associados à recidiva dos EAs com relativa frequência, além do abandono do tratamento pelos efeitos colaterais(3,1).

A atropina para a DPM foi reportada desde 1921, mas foi tão somente com o uso da ABC que ela voltou a ser muito utilizada para esse fim, pela associação com poucos efeitos midriático e cicloplégico (concentração entre 0,01 e 0,05%)(6,7,16-20).

Os pacientes relatados usaram atropina a 0,01 e 0,02% (duas gotas seguidas do terceiro caso) e melhoraram sua sintomatologia em quatro semanas, porém utilizaram o colírio, por volta de 4 a 6 semanas, para se evitar o rebote precoce, sem relatos de efeitos colaterais, exceto a dificuldade de focalizar muito perto. Nos EAs funcionais, o fator desencadeante é o excesso de atividades contínuas de perto, logo, tornam-se obrigatórias as orientações para um melhor controle ambiental com as TFAs citadas(21).

O tratamento óptico do EA também tem sido sugerido, com melhores resultados publicados nos casos de pequena intensidade da pseudomiopia (em média 2,50 e 2,00 DE), com uso de hipocorreções temporárias nas miopias ou lentes positivas em pequenas hipermetropias(21,22).

Para ter-se um padrão inicial de tratamento, sugere-se que o tratamento do EA deva ser relacionado à sua severidade. EAs funcionais de pequena amplitude (≤3 DE de pseudomiopia) podem ser bem controlados, inicialmente, com a TFA, e uso de lentes positivas ou ocupacionais acomodativa, ou com ABC. Nos EAs de maiores amplitudes (>3 DE de pseudomiopia) beneficiar-se-ão, além dessas medidas ambientais, do uso da ABC por 4 a 6 semanas.

A ABC provou ser eficaz, bem tolerável e de baixo custo para o tratamento dos EAs no presente artigo. Novos estudos são necessários para se buscar a mais efetiva concentração para esse distúrbio.

 

REFERÊNCIAS

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INFORMAÇÃO DOS AUTORES

Financiamento: Declaram não haver

Parecer CEP: Não aplicável.

Conflito de interesses: Declaram não haver

Recebido em: 2 de Junho de 2019.
Aceito em: 21 de Outubro de 2019.


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