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Editorial

Sobre a triagem visual de escolares matriculados na rede oficial do ensino público fundamental

On the visual screening of schoolchildren enrolled in the official elementary-school system

Milton Ruiz Alves

DOI: 10.17545/eOftalmo/2019.0027

“A primeira tarefa da educação é ensinar a ver...”
Rubem Alves

É importante a descoberta o mais precoce possível de problemas visuais, como forma decisiva para a correção e minimização de problemas futuros graves. Em idade escolar, cerca de 20-25% das crianças apresentam algum tipo de problema ocular, sendo dignos de nota os erros de refração não corrigidos, a ambliopia e o estrabismo.1,2 Toda criança deveria ser submetida à exame oftalmológico completo antes do seu ingresso na escola, ainda na idade pré-escolar, de forma a poder corrigir ou minimizar distúrbios visuais que poderão interferir intimamente com a aprendizagem.1,2 Do ponto de vista da saúde pública, o exame oftalmológico de rotina nas crianças é dispendioso e mesmo inexequível. Assim, a aplicação de teste de acuidade visual (TAV) em escolares, bem como a observação de sinais e sintomas indicativos de problemas oculares pelo professor em classe, no nosso meio, apresentam-se como as formas mais aconselháveis para a detecção de problemas oculares na escola.1,2

No Estado de São Paulo, desenvolveu-se o Plano de Oftalmologia Sanitária Escolar (POSE), no período de 1973 a 1976, junto às escolas da rede de ensino oficial estadual, que se propunha a detectar distúrbios visuais de escolares, prover a devida assistência, respaldado por atividades educativas e proceder a levantamento de dados sobre a problemática oftalmológica existente.3 Temporini et al.4 apontaram a necessidade de treinamento do professor e dificuldades em relação ao aluno de interpretação do TAV, timidez, falta de atenção, simulação – como aspectos que devem merecer todo o cuidado, a fim de se conseguir a real informação. O maior elemento de triagem de escolares nos anos de 1974-1976 foi a aplicação e reaplicação do TAV que contribuiu com 92,29%; 87,46% e 88,76% do encaminhamento à consulta médica oftalmológica. Complementando o TAV, os alunos foram selecionados, também, através da observação do professor, quanto à presença de sinais e sintomas de problemas visuais, 7,71%; 12,54% e 11,24%, respectivamente. Portanto, o encaminhamento do caso a exame médico oftalmológico foi baseado nestas duas fontes de informação. Na avaliação da medida da acuidade visual pelo professor, comparativamente àquela efetuada pelo médico-oftalmologista, encontrou-se uma concordância de resultados em 80,86% dos casos.4 No entanto, verificamos que o percentual de acertos do TAV realizada pelos professores da rede de ensino oficial estadual nos escolares do município de São Paulo atendidos no Programa Visão do Futuro nos anos de 2011 a 2020, caiu para cerca de 50%. Estes dados indicam que o professor não prescinde do treinamento para realizar com bom acerto o TAV. Enfatizamos que o professor é fundamental no processo de detecção de alterações visuais, implantação e efetivação de programas de saúde ocular das crianças em fase escolar.1-4 A convivência diária com os alunos permite ao professor detectar mudanças de comportamento ou no rendimento escolar que podem estar vinculadas a distúrbios visuais.3-6

Um estudo realizado com alunos do primeiro ano da rede de ensino oficial estadual no município de São Paulo mostrou que 57,7% dos escolares triados na escola e encaminhados para exame oftalmológico completo, necessitaram de prescrição de lentes corretoras.5 O que mais uma vez corrobora com a importância dos exames de triagem visual e mostra a sua grande relevância do ponto de vista da saúde pública, pois identificam grupos de risco que avaliados possibilitam a detecção de erros de refração significativos, de doenças e de seus tratamentos.4-7 A deficiência visual quando não detectada e tratada precocemente pode acarretar repercussões em diversas esferas, como o desenvolvimento neuropsicomotor, a desenvoltura social e a produtividade no trabalho.7,8

O Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não se estruturou para o atendimento oftalmológico do pré-escolar e do escolar: há falta de recursos humanos que possam atuar em ações de promoção da saúde ocular, assim como inexistência de infraestrutura física e de equipamentos para os exames refracionais.9 O Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) aponta para a necessidade da realização de novas ações que controlem o fluxo crescente da demanda e ampliem o acesso das crianças aos serviços de Oftalmologia.7 Uma das formas de ampliar o atendimento oftalmológico aos escolares e pré-escolares inclui a incorporação nesse processo de novas tecnologias. O uso do equipamento photoscreener favorece a triagem refrativa de crianças pré-verbais, iletradas ou com retardo no desenvolvimento neuropsicomotor.10 Em pré-escolares com idades entre 4 e 6 anos, a triagem refrativa com photoscreener para a identificação de fatores de risco para ambliopia foi superior à triagem visual com tabela de optotipos.11 Para a triagem visual de escolares do sistema público de ensino fundamental deve-se dar muita atenção ao treinamento do professor, pois somente assim a triagem visual realizada na escola reduzirá a chance de não identificar os casos positivos e de não referir para exame médico oftalmológico completo um grande número de escolares sem necessidade de encaminhamento.

 

REFERÊNCIAS

1. Alves MR, Kara-José N. Triagem visual na escola. In: Alves MR, Kara José N (Eds.). O Olho e a Visão. O que fazer pela saúde ocular de nossas crianças. São Paulo, Vozes, 1996, p.79-84.

2. Kara-José N, Alves MR. Problemas oculares mais frequentes em escolares. In: Conceição JAN (Coord.). Saúde Escolar. A criança, a vida e a escola. São Paulo, Sarvier, 1994, p. 195-2003.

3. Temporini ER. Aspectos do Plano de Oftalmologia Sanitária do Estado de São Paulo. Rev Saude Publica. 1982;16:243-60.

4. Temporini ER, Kara-José N, Taiar A, Ferrarini ML. Validade da aferição da acuidade visual realizada pelo professor em escolares de 1a à 4a série de primeiro grau de uma escola pública do município de São Paulo, Brasil. Rev Saude Pública. 1977;11:229-37.

5. Armond JE, Temporini ER, Alves MR. Promoção da saúde ocular na escola: percepções de professores sobre erros de refração. Arq Bras Oftalmol. 2001;64:395-400.

6. Alves MR, Temporini ER, Kara-José N. Atendimento oftalmológico de escolares do sistema público de ensino no município de São Paulo. Aspectos médicos sociais Arq Bras Oftalmol. 2000;63:359-63.

7. Carvalho KM, Minguini N, Alves MR. Detecção e tratamento dos erros de refração no grupo etário de 0 a 6 anos. In Alves MR, Nishi M, Carvalho KC, Ventura LMVO, Schellini SA, Kara-José N (Eds.): Refração Ocular: Uma necessidade ocular. Rio de Janeiro, Cultura Médica,2014,pp.55-66.

8. Oliveira CAS, Hissatomi KS, Leite CP, Schellini AS, Padovani CR, Padovani CRP. Erros de refração como causas de baixa visão em crianças da rede de escolas públicas da regional de Botucatu-SP. Arq Bras Oftalmol. 2009;72:194-98.

9. Ferraz FHS, Hirai F, Schellini AS. Estimativas da magnitude e do custo da correção da baixa visão por erro de refração não corrigido no Brasil. In Alves MR, Nishi M, Carvalho KM, Ventura LMV, Kara-José N (Eds.): Refração ocular: uma necessidade social. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2014. p. 35-47.

10. Loh AR, Chiang MF. Pediatric Vision Screening. Pediatrics in Review. 2018;39:225-34.

11. Villela FF, de Jesus DL, Naves FES, Medeiros FW, Sousa MB, Victor G, Alves MR. Eficácia do SpotTM Vision Screener na detecção de fatores de risco para ambliopia em crianças pré-escolares de 4 a 6 anos de idade. e-Oftalmo.CBO: Rev Dig Oftalmol. 2017;3:1-7.

 

INFORMAÇÃO DO AUTOR

Fonte de financiamento: Declara não haver

Parecer CEP: Não aplicável

Conflito de interesses: Declara não haver

Recebido em: 12 de Janeiro de 2020.
Aceito em: 13 de Janeiro de 2020.


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