Rafael Cerqueira Alves1; Francisco Assis de Andrade2; Jacqueline Provenzano3
DOI: 10.17545/eoftalmo/2018.0034
RESUMO
O edema macular cistoide (EMC) pseudofácico é uma das possíveis causas de baixa acuidade visual após cirurgia de catarata. Neste relato, descreve-se o caso de paciente com história de uveíte de repetição com diagnóstico confirmado de artrite reativa por Chlamydia trachomatis, no qual desenvolveu catarata e foi encaminhado para facectomia. A cirurgia ocorreu sem intercorrências, porém o paciente apresentou reativação da uveíte no primeiro dia pós-operatório com membrana inflamatória. Mesmo com a terapia anti-inflamatória tópica e oral, desenvolveu extenso edema macular cistoide, confirmado no vigésimo sexto dia pós-operatório pela tomografia de coerência óptica e retinografia fluorescente. Proposto o tratamento com triancinolona sub-tenoniana, o quadro entrou em remissão 12 dias após. Com o controle de 3 meses não apresentava recidiva do edema macular.
Palavras-chave: Triancinolona; Edema Macular; Uveíte; Chlamydia trachomatis.
ABSTRACT
Pseudophakic cystoid macular edema (CME) is one of the possible causes of low visual acuity following cataract surgery. In this report, the authors describe the case of a patient with a history of recurrent uveitis and a confirmed diagnosis of reactive arthritis due to Chlamydia trachomatis. He developed cataract and was referred for surgery, which occurred without complications. However, on postoperative day 1, the patient presented with refractory uveitis. Despite topical and oral anti-inflammatory therapy, he developed extensive CME, which was confirmed on postoperative day 26 through optical coherence tomography and fluorescence retinography. Treatment with sub-Tenon’s injection of triamcinolone was proposed, and 12 days later, his condition improved. At the 3-month follow-up, no recurrence of macular edema was observed.
Keywords: Triamcinolone; Macular Edema; Uveitis; Chlamydia trachomatis.
RESUMEN
El edema macular cistoide (EMC) pseudofáquico es una de las posibles causas de baja acuidad visual post cirugía de catarata. En este reporte, se describe el caso de un paciente con historia de uveítis de repetición con diagnóstico confirmado de artritis reactiva por Chlamydia trachomatis, en el cual desarrolló catarata y fue encaminado a cirurgía de catarata. La cirugía ocurrió sin complicaciones, sin embargo, el paciente presentó reactivación de la uveítis en el primer día del post operatorio con membrana inflamatoria. Aun con la terapia antiinflamatoria tópica y oral, desarrolló extenso edema macular cistoide, confirmado en el vigésimo sexto día postoperatorio por la tomografía de coherencia óptica y retinografía fluorescente. Se propuso el tratamiento con triamcinolona subtenoniana, y el cuadro entró en remisión 12 días después. Con el control de 3 meses no presentaba recidiva del edema macular.
Palabras-clave: Triamcinolona; Edema Macular; Uveítis; Chlamydia trachomatis.
INTRODUÇÃO
Complicações decorrentes da cirurgia de catarata, às vezes, são inerentes ao procedimento realizado sem intercorrências1. Pacientes com olhos pró-inflamatórios, que serão citados no caso-clínico, têm maior predisposição em apresentá-las2. O olho que será submetido à cirurgia de catarata e que tem um histórico de uveíte prévia deve receber uma atenção especial, pois o procedimento pode gerar complicações, como o edema macular cistoide3,4.
A conduta de usar o corticosteroide tópico associado ao sistêmico é muito utilizada na prática clínica com o objetivo de reduzir a inflamação ocular e suas complicações, como foi usada neste caso, porém o uso oral pode acarretar efeitos sistêmicos indesejados5. Um esquema esteroide tópico perioperatório intensivo foi estatisticamente comparável aos esteroides orais na prevenção da recidiva da uveíte no pós-operatório6.
Tendo em vista a presença do edema macular cistoide mesmo após o uso do anti-inflamatório tópico7 oral e tópico do corticoide, deve-se fazer um tratamento mais invasivo nesses casos8. Dentre as várias opções, deve-se escolher a que tenha um bom resultado com poucos efeitos adversos5,6,8,9,10,11. A injeção de triancinolona sub-tenoniana é uma opção que deve ser aventada tanto na profilaxia, quanto no tratamento do edema macular cistoide, que, apesar da injeção intravítrea ter mais ação, tem maior probabilidade do aumento da pressão intraocular e é mais invasiva, tendo o risco de endoftalmite8. A conduta no paciente fácico pode mudar, pois o uso do corticode aumenta a incidência de catarata precoce12.
MÉTODOS
Relato de caso de um paciente encaminhado para cirurgia de catarata com história de artrite reativa por Chlamydia trachomatis e episódios recorrentes de uveítes em ambos os olhos. A cirurgia ocorreu sem intercorrências, porém com reativação da uveíte e edema macular cistoide refratário ao tratamento inicial, sendo proposto triancinolona 0.2mL (40mg/mL) sub-tenoniana.
RELATO DE CASO
Paciente E.F.P.C., 52 anos, masculino, pardo, natural do Rio de Janeiro, veio encaminhado para cirurgia de catarata em olho direito (OD) em julho de 2016. Tinha diagnóstico prévio de artrite reativa por Chlamydia trachomatis aos 20 anos de idade e com história de uveíte de repetição sem valor exato do número de crises. Prescrito tratamento tópico com o colírio de corsticosteroide, anti-inflamatório esteroidal e não esteroidal (AINE) oral por diversas vezes. Fazia uso ao início dos sinais e sintomas, por conta própria, da mesma conduta e confirmados pelo oftalmologista assistente. Apresentava acuidade visual (tabela de Snelen) com correção pré-operatória em OD (20/80) e em OE (20/20). Na biomicroscopia do OD apresentava três sinéquias posteriores reduzindo sua midríase para 4 milímetros (mm), catarata nuclear 1+/4+ e subcapsular posterior 3+/4+, pressão intraocular (PIO) de 14 mmHg em ambos os olhos (AO). O exame fundoscópico foi prejudicado neste olho, sendo solicitada uma ultrassonografia ocular (USG). O resultado da USG veio apenas com descolamento parcial de vítreo posterior e retina aplicada. Foi orientado sobre a cirurgia e as possíveis complicações. Realizada a cirurgia de catarata com implante de lente intraocular no dia 25/08/2016 sem intercorrências (Figura 1). As sinéquias foram desfeitas mecanicamente e realizado o “stretching” de íris para ampliar a midríase e no final da cirurgia foi administrada hidrocortisona 100mg intravenosa.
PRESCRIÇÃO
Uso Ocular: cloridrato de moxifloxacino 5,45 mg/ml (Vigamox®) 4/4h por 15 dias; trometamol cetorolaco 5 mg/mL (Cetrolac®) 12/12h por 30 dias; dexametasona 1,0 mg/ml (Maxidex®) 2/2h por 7 dias, 4/4h por 7 dias, 6/6h por 5 dias, 8/8 horas por 5 dias, 12/12h por 5 dias, 1 vez ao dia por 3 dias.
No primeiro dia (D1) pós-operatório (PO) apresentava-se com uma acuidade visual (AV) sem correção de conta dedos a 2 metros. Na biomicroscopia revelava membrana inflamatória na região pupilar até o endotélio corneano superior, LIO tópica, pupila dismórfica, edema de córnea 1+/4+, hiperemia ocular 2+/4+, tyndall 4+/4+ e flare 1+/4+ e com pressão intraocular (PIO) de 14 mmHg. Prescrito prednisona 60mg/dia oral durante 2 dias sendo diminuída 10mg a cada 5 dias.
No sétimo dia (D7) do PO a AV sem correção estava 20/200, tyndall e flare 1+/4+, PIO 12 mmHg.
No vigésimo primeiro dia (D21) do PO, o paciente apresentava AV com correção (20/100-1), sem atividade inflamatória na biomicroscopia (Figura 2), PIO 12 mmHg. Realizada a dilatação pupilar e visualizado edema macular. Foi alterado o Cetrolac® para 8/8h, programados exames complementares e triancinolona como opção terapêutica.
No D26 do PO, foram realizadas a retinoangiografia com fluoresceína sódica (Figura 4) com o edema macular cistoide com padrão petalóide e a tomografia de coerência óptica (OCT-Stratus) com edema macular cistoide com 659 micra de espessura (Figura 3). No mesmo dia foi realizada a injeção de triancinolona subtenoniana temporal-superior (0,2ml) em olho direito. Prescrito dextrotartarato de brimonidina 0,2% e maleato de timolol 0,5% (Combigan®) 12/12 horas e cloridrato de ciprofloxacino 3,5 mg/g e dexametasona 1,0 mg/g (Maxiflox-D®) de 6/6 horas por 5 dias.
No D27 do PO, um dia após o procedimento, paciente retorna sem queixas e biomicroscopia sem atividade inflamatória e PIO 08mmHg.
No D31 do PO, 5 dias após o procedimento, AV c/c (20/60 +3), PIO 10 mmHg.
No D38 do PO, 11 dias após o procedimento, AV c/c (20/25 -1), PIO 10mmHg. Realizado OCT onde mácula aparece com espessura central de 217 micra (figura 5). Observa-se membrana hiperrreflectiva na superfície interna da retina sugerindo membrana epirretiniana.
Um mês após o uso da triancinolona, a visão, a PIO e o aspecto macular no OCT (figura 6) estavam estáveis.
Três meses após o uso da triancinolona, a visão, a PIO continuavam estáveis. O aspecto macular no OCT (figura 7) mostrava a presença de uma membrana epirretiniana, para a qual não foi indicada remoção cirúrgica devido à boa visão do paciente.
RESULTADOS
Após 21 dias de tratamento com o AINE e o corticoide tópico e oral a inflamação ocular havia cessado, porém não houve melhora da acuidade visual satisfatória, sendo diagnosticado o edema macular cistoide. Após a administração da triancinolona 0.2mL (40mg/mL) sub-tenoniana posterior, houve redução da espessura macular de 659 para 217 micra em apenas 12 dias, com melhora da acuidade visual com correção de 20/100-1 para 20/25 -1, sendo mantida após 3 meses de controle.
DISCUSSÃO
O edema macular cistoide (EMC) pseudofácico, também conhecido como síndrome de Irvine Gass, é uma das possíveis causas de baixa acuidade visual após cirurgia de catarata. Apesar dos avanços na cirurgia de catarata, com micro incisão e novas técnicas de facoemulsificação, o EMC pode ocorrer mesmo em cirurgias sem intercorrências1.
A patogênese ainda não é bem esclarecida, porém temos diversos fatores de risco para o seu aparecimento como: o uso de prostaglandinas no pré-operatóriuo, membrana epirretiniana, história de oclusão venosa na retina, hipotonia ocular e tração vitreomacular. Mediadores inflamatórios estão envolvidos no aumento da permeabilidade vascular e transudação para a região macular1. Lembrar que os diabéticos devem ter uma atenção maior3, sendo difícil diferenciar o edema macular diabético do EMC13.
A incidência de EMC aumenta na vigência de complicações cirúrgicas3. Dentre estas, destacam-se a ruptura de cápsula posterior, perda vítrea, presença de vítreo encarcerado na incisão, restos de fragmentos corticais no vítreo, trauma iriano, deslocamento da lente intraocular, fixação iriana ou lente intraocular de câmara anterior e capsulotomia posterior precoce1,2,6. Neste caso a cirurgia foi realizada na ausência de complicações.
O diagnóstico é essencialmente clínico, porém temos como alicerce principalmente a angiografia fluoresceínica (padrão ouro) e o OCT para elucidar casos duvidosos, além de serem essenciais para o acompanhamento14.
Pacientes com história prévia de uveíte, como o que acompanhamos, têm maior risco de reativação e do desenvolvimento do EMC, comparado com os pacientes sem relato de inflamação ocular2,3,4. A inflamação deve estar controlada no pré-operatório e com acompanhamento pós-operatório mais rigoroso, pensando-se na profilaxia peri-operatória com triancinolona sub-tenoniana ao término da cirurgia5,6,15.
O cetorolaco de trometamol associado ao corticosteróide tópicos, são uma opção não-invasiva para a profilaxia do EMC nos pacientes submetidos a cirurgia de catarata7, porém neste caso não foi suficiente para evitar a complicação inflamatória.
Um esquema esteroide tópico perioperatório intensivo foi estatisticamente comparável aos esteroides orais na prevenção da recidiva da uveíte no pós-operatório em um pequeno ensaio clínico randomizado não controlado. No entanto, a taxa de recorrência foi maior6.
Como alternativa ao tratamento anti-inflamatório temos medidas mais invasivas como o uso da triancinolona sub-tenoniana e intravítreo, e ainda o implante de dexametasona intravítreo7,8,9,12. Os inibidores do fator de crescimento endotelial (anti-VEGF) também entram como opção de tratamento mais invasivo nestes casos de edema macular10.
Existem diversas opções para o tratamento dessa complicação. O mais adequado é uma avaliação individualizada do paciente, optando pelo meio que se obtenha melhor resposta e com segurança. Um tratamento mais invasivo pode tornar-se necessário para a resolução de alguns casos. A opção pela triancinolona sub-tenoniana revelou-se segura e com resolução mantida da complicação neste caso16.
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Fonte de financiamento: declaram não haver
Parecer CEP: não aplicável
Conflito de interesses: declaram não haver
Recebido em:
27 de Agosto de 2018.
Aceito em:
3 de Outubro de 2018.