Artigo

Acesso aberto Revisado por pares

1082

Visualizações

 


Casos Clínicos Discutidos

Falha na terapia antiangiogênica no hemangioma circunscrito da coroide

Failure of anti-angiogenic therapy in circumscribed choroidal hemangioma

Falla en la terapia antiangiogénica en el hemangioma circunscrito de la coroide

Mariana Amaranto de Souza Damásio; Izabela Camargos de Figueirêdo Neves; Henrique Dal Fior Figueiredo; Bruno Freitas Lage; Daniel Barreto Andrade; Jacques Ramos Houly

DOI: 10.17545/eoftalmo/2018.0028

RESUMO

Este manuscrito tem como objetivo relatar o desafio terapêutico em um caso de hemangioma circunscrito da coroide. Trata-se de paciente de 48 anos, gênero feminino, que apresentou redução lenta e progressiva da visão do olho esquerdo. Recebeu diagnóstico de hemangioma circunscrito da coroide (HCC) por apresentar à oftalmoscopia binocular indireta do olho esquerdo (OE) massa solitária vermelho-alaranjada, localizada ao longo da arcada temporal inferior, acometendo mácula. A hipótese de HCC foi confirmada por meio de ecografia ocular modo B, angiofluorceinografia (AGF) e tomografia de coerência óptica (OCT). História prévia de falha terapêutica com termoterapia transpupilar (TTT). Indicado tratamento com antiangiogênico, sem nenhuma resposta clínica. O hemangioma circunscrito da coroide, apesar de ser um tumor benigno pode ocasionar significativa morbidade visual com resposta limitada à terapia anti-angiogênica.

Palavras-chave: Oftalmologia; Hemangioma; Tratamento Farmacológico.

ABSTRACT

This study aim to report a challenging therapeutic approach in a case of circumscribed choroidal hemangioma (CCH). A 48-year-old female patient presented a slow and progressive vision reduction of the left-eye. She was diagnosed with CCH, which is characterized by the presence of a reddish-orange, solitary, subretinal mass in the left eye located along the lower temporal arcade and affecting the macula. The CCH diagnosis was confirmed by B-mode ultrasonography, fluorescein angiography, and optical coherence tomography. The patient had a history of therapeutic failure with transpupillary thermotherapy. Anti-angiogenic treatment was attempted but there was no clinical response. Besides being a benign tumor, CCH may cause significant visual morbidity and has a limited response to anti-angiogenic therapy.

Keywords: Ophthalmology; Hemangioma; Drug Therapy.

RESUMEN

El presente manuscrito tiene como objetivo relatar el desafío terapéutico en un caso de hemangioma circunscrito de la coroide. Se trata de un paciente de 48 años, género femenino, que presentó reducción lenta y progresiva de la visión del ojo izquierdo. Recibió el diagnóstico de hemangioma circunscrito de la coroide (HCC) por presentar en la oftalmoscopia binocular indirecta del ojo izquierdo (OE) una densidad solitaria rojo-anaranjada, localizada a lo largo de la arcada temporal inferior, acometiendo mácula. La hipótesis de HCC se confirmó por medio de ecografía ocular modo B, angiofluorceinografía (AGF) y tomografía de coherencia óptica (OCT). Tenía histórico anterior de falla terapéutica con termoterapia transpupilar (TTT). Indicada terapia con antiangiogénico, sin ninguna respuesta clínica. El hemangioma circunscrito de la coroide, aunque sea un tumor benigno, puede resultar significativa morbidez visual con respuesta limitada a la terapia antiangiogénica.

Palabras-clave: Oftalmología; Hemangioma; Tratamiento Farmacológico.

INTRODUÇÃO

O hemangioma da coroide é um tumor benigno relativamente raro, que pode ter duas formas de apresentação: circunscrito e difuso. A forma circunscrita não está associada à doença sistêmica e pode ficar latente durante anos. O subtipo difuso acomete pacientes com síndrome de Sturge-Weber ipsolateral ao nevo flammeus. O hemangioma circunscrito da coroide (HCC) acomete preferencialmente caucasianos, sem predileção por sexo. São congênitos, entretanto, devido a sua apresentação insidiosa o diagnóstico é tardio (entre os 25 e 50 anos)1.

Existem algumas opções terapêuticas para o HCC, alguns exemplos são: termoterapia transpupilar (TTT), terapia fotodinâmica (TFD), fotocoagulação a laser, injeções de anti-VEGF intravítreo. Apesar de ser uma alternativa, o tratamento com droga antiangiogênica do caso exposto não representou melhora satisfatória da acuidade visual, já que não favoreceu reabsorção do líquido sub-retiniano do edema macular associado ao HCC2. No entanto, há relatos em que a terapia com anti-VEGF foi satisfatória quando administrada de forma isolada ou quando associada a outros métodos terapêuticos no intuito de obter melhor prognóstico visual3.

 

DETALHAMENTO DO CASO

Paciente G.V.R.L, 48 anos, gênero feminino, procurou assistência oftalmológica na Fundação Hilton Rocha devido à história de diminuição lenta e progressiva da visão do olho esquerdo nos últimos três anos. Exames precedentes revelaram o diagnóstico de HCC. O histórico do tratamento incluiu termoterapia transpupilar (TTT) sem resposta terapêutica.

Ao exame oftalmológico apresentou acuidade visual (AV) com melhor correção de 20/30 e conta-dedos a 3 metros no olho direito (OD) e esquerdo (OE), respectivamente. O exame biomicroscópico do segmento anterior e a tonometria de aplanação de Goldmann foram normais em ambos os olhos (AO). A oftalmoscopia binocular indireta do OE revelou disco óptico com limites imprecisos, além de uma massa solitária sub-retiniana, de coloração vermelho-alaranjada, localizada ao longo do trajeto da arcada temporal inferior, acometendo a região macular (figura 1). A retinografia do OD não mostrou anormalidades.

 


Figura 1. Retinografia do olho direito sem anormalidades (à esquerda). O exame do olho esquerdo mostra massa sub-retiniana vermelho-alaranjada (ao centro) e cicatriz de tratamento prévio com laser (à direita).

 

O exame angiofluoresceinográfico mostrou hiperfluorescência precoce da lesão com extravasamento de contraste e impregnação progressivos nas fases mais tardias, além de hiperfluorescência com padrão petaloide na região central da mácula (figura 2).

 


Figura 2. Angiofluoresceinografia do olho esquerdo mostra hiperfluorescência progressiva da lesão associada a edema macular com padrão petaloide.

 

À ultrassonografia no modo-B, a lesão apresentava-se como uma massa sólida elevada, com alta refletividade interna, sem sombra acústica e sinais de escavação coroidea. A tomografia de coerência óptica (Heildelberg® Engineering Germany) mostrou aumento da espessura retiniana e múltiplas cavitações “cistoides” hiporrefletivas, além da presença de líquido sub-retiniano na região foveal.

Com o objetivo de reduzir a permeabilidade vascular tumoral e promover a reabsorção do líquido intra e sub-retiniano foi indicado terapia com anti-VEGF. O tratamento consistiu em aplicações intravítreas sequenciais de anti-VEGF no OE (05 ampolas de ranibizumabe). Apesar da terapia instituída, não houve melhora sintomática, nem regressão do edema macular cistoide (figura 3), conforme escaneamento tomográfico sequencial após as aplicações (figura 4).

 


Figura 3. Escaneamento tomográfico antes do início do tratamento. Observa-se degeneração cística da retina.

 

 


Figura 4. Escaneamento tomográfico sequencial após terapia com anti-VEGF. A espessura retiniana mantém-se fora dos limites da normalidade associada a liquido intrarretiniano.

 

DISCUSSÃO

Existem inúmeras modalidades terapêuticas para o HCC que são dependentes de uma série de fatores e podem incluir desde a observação clínica, em casos de HCC assintomáticos, a outras opções de tratamento tais como a TTT, a terapia fotodinâmica, radiação externa, fotocoagulação a laser e injeções intravítreas de anti-VEGF. De forma geral, o objetivo do tratamento do HCC sintomático visa a regressão tumoral, a diminuição da exsudação do líquido sub-retiniano e melhora da acuidade visual4,5,6.

A TTT utiliza o laser diodo com comprimento de onda de 810nm com a finalidade de causar a esclerose dos canais vasculares das lesões hemangiomatosas, ocasionando a regressão tumoral e a diminuição da produção de líquido sub-retiniano7,8,9. A primeira tentativa de tratamento (realizada em outro serviço) instituída neste caso descrito foi a TTT que, apesar de ter acarretado regressão parcial da lesão hemangiomatosa, não ocasionou melhora da acuidade visual devido à persistência do descolamento seroso da retina e do fluido intrarretiniano, descartando-se a tentativa de novas sessões da TTT.

A terapia fotodinâmica (PDT) é atualmente considerada o tratamento de escolha para hemangiomas circunscritos da coroide sintomáticos. A técnica atua na área específica do tumor, poupando a retina e os vasos sobrejacentes, através da utilização de um contraste fotossensível, a verteporfirina, associado ao laser de diodo. Estudos sobre PDT revelaram que este tipo de tratamento é eficaz na reabsorção do líquido produzido pelo tumor10, além de estabilizar, ou até melhorar, a acuidade visual, proporcionando a diminuição tanto do fluido retiniano quanto do volume tumoral2. O tratamento com PDT não pôde ser realizado por indisponibilidade deste procedimento à época do diagnóstico.

Outra opção terapêutica para casos de HCC sintomático, associado a fluido sub-retiniano, é o tratamento com injeções intravítreas de antiangiogênicos. Alguns autores mostraram que a terapia com anti-VEGF (bevacizumabe) pode levar a redução da exsudação associada a tumores, presumivelmente por depleção das fenestrações endoteliais, alterando as moléculas de adesão intercelular. Baseados nessas observações, Sagong et al. utilizaram a terapia antiangiogênica para o tratamento de pacientes com HCC associados a descolamento seroso retiniano. Um dos pacientes, com histórico de laser prévio sem sucesso, recebeu bevacizumabe isolado e obteve resolução completa do fluido sub-retiniano dentro de um mês. Os outros dois casos foram tratados com bevacizumabe associado a PDT e também obtiveram resposta satisfatória. Contrariamente, outros autores mostraram a persistência do fluido sub-retiniano em um caso de HCC após o tratamento com injeções intravítreas de ranibizumabe. No presente estudo, após tentativa de tratamento com a TTT, a paciente recebeu doação de injeções intravítreas sequenciais de ranibizumabe e, mesmo após cinco injeções, houve falha da terapia antiangiogênica. Ao exame clínico não foi observada melhora na acuidade visual e a OCT sequencial revelou persistência da exsudação retiniana com desorganização extensa da microarquitetura das camadas da retina. Vale destacar que a terapia com anti-VEGF foi realizada até a liberação judicial da PDT que será o próximo passo no tratamento deste caso de HCC.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de ser um tumor benigno, o hemangioma circunscrito da coroide constitui um desafio terapêutico com resposta limitada à terapia antiangiogênica, como demonstrado neste caso.

 

REFERÊNCIAS

1. Mashayekhi A, Shields CL. Circumscribed choroidal hemangioma. Curr Opin Ophthalmol. 2003;14(3):142-9.

2. Chan LW, Hsieh YT. Photodynamic therapy for choroidal hemangioma unresponsive to ranibizumab. Optom Vis Sci. 2014;91(9):e226-9.

3. Sagong M, Lee J, Chang W. Application of intravitreal bevacizumab for circumscribed choroidal hemangioma. Korean J Ophthalmol. 2009;23(2):127-31.

4. Karimi S, Nourinia R, Mashayekhi A. Circumscribed choroidal hemangioma. J Ophthalmic Vis Res. 2015;10(3):320-8.

5. Rodrigues LD, Serracarbassa LL, Nakashima Y, Serracarbassa PD. Tratamento do hemangioma de coróide e descolamento total da retina com vitrectomia posterior: relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2007;70(3):533-6.

6. Rodríguez CC, González YT, Martinez RR, Pérez MP. Modalidades de tratamiento para el hemangioma coroideo circunscrito. Rev Cubana Oftalmol. 2010;23(Suppl. 1):590-607.

7. Othmane IS, Shields CL, Shields JA, Gunduz K, Mercado G. Circumscribed choroidal hemangioma managed by transpupillary thermotherapy. Arch Ophthalmol. 1999;117(1):136-7.

8. Gündüz K. Transpupillary thermotherapy in the management of circumscribed choroidal hemangioma. Surv Ophthalmol. 2004;49(3):316-27.

9. Roizemblat J, Rosa AAM. Termoterapia transpupilar como opção terapêutica para hemangioma circunscrito de coróide: Relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2002;65(2):257-60.

10. Wang W, Dentler WL, Borchardt RT. VEGF increases BMEC monolayer permeability by affecting occludin expression and tight junction assembly. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2001;280(1):H434-40.

 

Fonte de financiamento: declaram não haver

Parecer CEP: não aplicável

Conflito de interesses: declaram não haver

Recebido em: 28 de Maio de 2018.
Aceito em: 25 de Julho de 2018.


© 2024 Todos os Direitos Reservados